segunda-feira, 22 de junho de 2009

ARTE DE VIVER





manhãs claras
vento frio

abstração e silêncio
no mar
que não bate em rochas

manhãs ventos frios silêncio
sementes
eram o princípio e eram tudo

interpelava o futuro
na brisa intangível
***

não vês como a vida é larga
e o presente embalsamado
a sonegar o passado?

não vês a distância próxima
e o mar de cristas embranquecidas?
Não vês?

aspirava à primavera em setembro
o tempo de meu tempo

aspirava à vida nova e ao sol quente
o claro tom em sais
do presente no futuro

sonho?

não sabes que a ventura é arte?
que a vida é aventura?
vivê-la arte?


Roma/Rio, fevereiro/junho de 2003/2009

ALEGORIA


[a una beldad]


el alegorico vence el sueño
y tu entre palomas blancas
llegaste como mancha entre papeles amarillos

palabras rituales!

tu traje era una flor marina
sobre la polución de mis deseos encubiertos
y tu eras mi primer amanecer…



Roma, sesión del CODEX, julio de 2003

A PALAVRA III





no limiar do sentido

nem a noite
revelará a palavra
sem razão

à véspera de ser dia
a ilusão do entendimento
despe minha aflição

a palavra cala
na noite que estremece
enigma “dell ’ assenza
[1]”
o transe nada dirá

Roma/Rio, fevereiro/junho de 2003/2009

[1] Luciana Stegagno Picchio

terça-feira, 16 de junho de 2009

DESCONSOLO




silêncio é manhã
pensamentos tardios
vida tardia
vejo-a fugir

como o pássaro sobre o mar
vôa na direção da natureza
seu vôo não tem sentido
para [quem sabe?]
fazer todo o sentido

o horizonte é vazio
existo poeta na véspera de não ser mais
o que amo nem sei

vivo o desconsolo do descompasso com o tempo
terá havido um caminho...
cheguei?

temo terminar o poema
sem mais suspirar
assim
deixo-o à própria sorte
entre o beijo e a lágrima
as palavras tem suas leis
que me escravizam a formas
como todas as outras
à gaivota no mar

o pensamento voa virtual
sem matéria
torrencial

talvez ame a vida
se amar é o que penso
amo o acaso aleatório
amo o desconforto da noite
e o mistério do dia

madura a estreita perspectiva do futuro
cria a memória do que está por vir
o pássaro talvez explique
todo o sentido
ou o nenhum sentido desse vôo

desconsolo inconsolável de perder o tempo humano
de ver reduzir-se o espaço
e alargar o fosso de minha separação
porque amo não sei

poeticamente
amo porque te amo
porque te amo não sei

Rio, junho de 2009

sábado, 6 de junho de 2009

DIÁLOGO NEGRO




que a morte nem seja breve nem longa
nem breve chegue nem longa dure
que a breve morte leve-me cedo
a longa me é tortura.

como chega não sei
mas certamente vem
talvez montada ou em patins
baterá à porta do jardim
ou entrará sem maneiras
pela porta de trás

a mim que a espero mas não a quero
não assustará
é espreita e companheira desde que nasci
rodeia rodeia quer-me falar
ainda que não lhe dê prosa
nem assunto tenho para confiar

- Senhor bato à porta
posso entrar?


não entres agora estou a meditar
sobre o mistério que me deves contar
e serei dois
o que estou e o que se vai.

- Creio exagero Senhor falar em dois
um a ficar
o que fica é barro e virará pó.

ora Senhora Morte tenha dó
ficarás muito
mais do que pensas
e saibas que não é só
deixarei muita coisa a elencar:
todas as mulheres que me quiseram amar
as demais que por demais não faziam que odiar

- Vejo-o satisfeito hoje a lembrar mulheres
logo você que só de uma foi capaz...
parece retórica seu parlapatão!

está bem concedo-te um ponto mas só para começar
tu podes apagar as mulheres
deixa uma só

deixo então pra trás a esperança
que acaba de falecer
não faz nenhum sentido morrer
e manter a esperança...
essa pelo menos não chorarará
nunca se lamentou
sempre levou a vida alegre
pelo que estava por vir
por ilusão tua mais dileta amiga
ainda por encontrar

Senhora Morte conversa comigo mas não te abanques
melhor que a porta fique entreaberta
pois não será desta vez que ficarás
a Senhora não está apurada com outras vidas a ceifar?
pergunto curioso
onde está a ceifadeira mecânica?

- Mecânica porque mecânica? Uso a de mão
que me dá o prazer de ceifar
por isso não tenho coração.


mas os tempos modernos Senhora Morte
a superpopulação o computador
é muita gente e todos aparelhados
para se salvar
melhor a ceifadeira
que leva a multidão de roldão
pensa nos chineses
será possível matar um a um?
mesmo aqui com essas passeatas
trabalhadores estudantes petistas
gays em profusão
mulheres de militares pedindo pensão!
é trabalho para muitas mortes
que se não é mecanizada
jamais ocorrerão

- Com essa conversa você quer é me enganar
mas nada espere enganar não me engano
posso entretanto dar-lhe uns momentos
para conhecer as maldades que perpetrou.

melhor falar do que vou deixar
e que são partes de mim
por isso o eu que fico
é tão importante como o que se vai!

- Não se deixe encantar pelo que não é nem pelo que será se eu o deixar...nada de encantos nem de mistérios não há fantasia no seu viver.

ponho em mim toda a esperança
enquanto viver
partir será mergulhar
no mar negro da eternidade
que não me dá tempo
nem qualquer felicidade
já pensastes no horror
de viver sem mesmo sonhar?
não definitivamente não
pode ir sem mais me bajular
aqui fico neste desterro
esquece que existo
e deixa fluir o sofrimento da hora
não vou nem que me tentes
adoro a insegurança
do finito que não se acabe
do risco de que me venhas
assim fora de hora...

- Chegarei sem que espere não me anunciarei virei...

vai não terei saudade por ora
só não desapareças
estarei entre o gozo e a tormenta
por aí
o difícil é me encontrar
há tanta vida nas ruas
todas para ceifar
eu estarei entre elas
procura à beira-mar.

Rio, junho de 2009.


terça-feira, 2 de junho de 2009

SILÊNCIO




no passado não há futuro
e o presente já se vai
escondo meu silêncio no erro
transitoriamente
ah um dia será noite
ouvirei
um adejar de asas e um rumor
de partir o coração
na alma que se despede
do presente sem futuro
solene a negar o tempo
e meu silêncio...

Rio, junho de 2009



ETERNAMENTE JÁ





é meu tempo de memória
de emoção e sentimento
a gozar a vida hoje
que não será eternamente

viro a página e mordo os lábios
engulo em seco
e deixo acontecer
a eternidade no momento

Rio, junho de 2009.