segunda-feira, 5 de março de 2012

PASSADO PRESENTE E FUTURO

a minha mulher
Maria Luiza


não me pertence o passado
deixou de ser vida 
o que sou é um permanente ir em frente 
inovar no caminho
rever conceitos 
antepondo a esperança à lembrança 


sigo para entender
que o passado é ingênua ilusão


se tu me propusesses voltar
a comportamentos de então
minha alma acompanharia a involução  
final de meus dias


melhor do que a vida que tive
trato de adaptar-me 
de ignorar títulos 
de relativizar honrarias
de abandonar vaidades 
de afastar preconceitos
de exorcizar os antigos
e viver novamente


cada etapa tem seus motivos
o tempo não se retrai
ser velho não é ser antigo


a idade do corpo
não é idade mental


vivo agora alegrias
talvez fugazes
no minuto que vale por anos


o sol desperta a manhã 
e me traz alegria
são minhas horas
o tempo que passo nas ruas
as gentes que reconheço
os jovens ousados
sarados em academias
a multidão no futebol
o grito de gol
e a torcida da nação
rubro-negra eternamente


melhor do que a vida que tenho
só outra se recomeço
dos anos de criança

são meus netos 
minha riqueza
chegam soprados na brisa  
e seus perfumes fragrantes 
rescendendo
ao tempo presente que redescubro
desdobrando a esperança nunca perdida

esta é a vida vivida
não esqueci o passado
tenho-o comigo
feliz 


hoje não me pertenço
há um mar onde navego e tento
ultrapassar os escolhos
deixados por quem já passou


não me pegará a nostalgia
não a sinto afinal


"viajar assim é viagem
mas faço-o sem ter de meu
mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu. [1*]  


[1*]Fernando Pessoa


Rio, março de 2012.





O ATO DE AMOR


memória de Eugênio de Andrade 
poeta
vê como o amor
assim tão de repente
penetra-te
e as mãos estrangulam
com força
tua nudez


entrega-te
sem pejo
e quebra o silêncio
com teu grito


tu podes transformar teu mundo 
em alegria de um momento
que te doía
no jogo de claridades insuspeitas
do prazer


deita-te
perde-te
onde só o desejo reinaria
e a ternura 
feminina tanta que tu querias
forte e masculina 
te revelaria


e apenas a lágrima lembraria
o mundo de tristeza em que vivias


Rio, março de 2012.



VOA GAIVOTA



uma gaivota de asas silenciosas 
singra o ar como o barco que persegue
livre


o homem arrasta seus grilhões
escravo
de pecados em busca do perdão


todo pensamento reconhece
quem o pensa


chegado aqui sonhei com a liberdade
e vi-me acorrentado a meus pecados
quisera não ser homem 
gaivota


Rio, março de 2012.