a minha mulher
Maria Luiza
não me pertence o passado
deixou de ser vida
o que sou é um permanente ir em frente
inovar no caminho
rever conceitos
antepondo a esperança à lembrança
sigo para entender
que o passado é ingênua ilusão
se tu me propusesses voltar
a comportamentos de então
minha alma acompanharia a involução
final de meus dias
melhor do que a vida que tive
trato de adaptar-me
de ignorar títulos
de relativizar honrarias
de abandonar vaidades
de afastar preconceitos
de exorcizar os antigos
e viver novamente
cada etapa tem seus motivos
o tempo não se retrai
ser velho não é ser antigo
a idade do corpo
não é idade mental
vivo agora alegrias
talvez fugazes
no minuto que vale por anos
o sol desperta a manhã
e me traz alegria
são minhas horas
o tempo que passo nas ruas
as gentes que reconheço
os jovens ousados
sarados em academias
a multidão no futebol
o grito de gol
e a torcida da nação
rubro-negra eternamente
melhor do que a vida que tenho
só outra se recomeço
dos anos de criança
são meus netos
minha riqueza
chegam soprados na brisa
e seus perfumes fragrantes
rescendendo
ao tempo presente que redescubro
desdobrando a esperança nunca perdida
esta é a vida vivida
não esqueci o passado
tenho-o comigo
feliz
hoje não me pertenço
há um mar onde navego e tento
ultrapassar os escolhos
deixados por quem já passou
não me pegará a nostalgia
não a sinto afinal
"viajar assim é viagem
mas faço-o sem ter de meu
mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu. [1*]
[1*]Fernando Pessoa
Rio, março de 2012.