sexta-feira, 31 de março de 2017

MAIS DE DOIS




um impostor viveu sempre em mim

só que à maneira inversa
ser eu foi ser diplomata
executivo ou negociador
o dia todo
enquanto o outro lado de mim
era caipira ainda 
aquele do interior

já viu só 

o eu que verdadeiro sou
é o caipira

esquizofrênico sempre soube o inimigo

caipira dirão os pouco amigos
mas sempre fui quem não pode
para isso ser concebido

no que um é sofisticação 

no outro é coração
e amor que acontece no fazer o que não é
um a olhar o mundo do alto
o outro a vivê-lo no chão

eis minha confissão

sou dois em um
ou mais que dois
ator capaz de fingir
a dor que nunca sentiu
o amor que sempre viveu
caipira que gosta de ser

o mesmo momento em conflito

no paralelo que é convergente
de uma só vez um destino
caminho que leva a toda parte
parte e reparte
um modo nada sutil de estar enganado
sem enganar a ninguém 

um que escondo outro 

que me esconde à vez
olhado por mim
entretanto
sou eu mesmo
nem composto nem simples
comigo só posso ficar

Rio de Janeiro, março de 2017.





IMPOSTOR




isso de não ser poeta rendeu

amigos que me estimulam
outros que me aplaudem
mas tentarei ser modesto
nada de Carlos Drummond
nem mesmo de João Cabral

mas existe um eu que não conheço

que me embala que me constrange
e nem contato tem comigo
mas escreve altas horas
reescreve sublinha em conflito comigo
quer-se ver em páginas escrito

aff... não me compra

no máximo ouço-lhe o canto
com certo encanto
contradiz-me em intenções
e me diz
publica

no que nele é pretensão

em mim é gesto modesto
e resisto

acho que é impostor



Rio de Janeiro, março de 2017