sexta-feira, 26 de julho de 2013

FANTASMA

"vô, fantasma é de verdade?" 
[Alice, cinco anos]

ah fantasma deixa pra lá

tu não és vero
que lençol branco
que sombra 
que vento frio
que estalido
que ruído
que nada

não me venhas com barulho

só assustas quem não vê
tu és mesmo lero-lero


Rio, julho de 2013


NETOS


tem a vida um sentido

perguntam todos
e assim tem sido comigo
no que sou igual
estupidamente igual
a deixar que os dias passem
nessa torrente

mas


quer eu pense em vão

ou não
na tarde desse inverno
o sentido de vida ousa
contar quatro múltiplos de dois
filhos cuja lembrança ainda acarinha
a nos dar netos
magia de crianças
pequeninas duplicando o tempo
cariciosas voluntariosas
um a um uma esperança
um bem um bem estar
da mesma voz
que nos embala estridente
meiga branda nunca triste
de multiplicadas esperanças


Rio, julho de 2013




quinta-feira, 25 de julho de 2013

SONHO


o sono ganhou o sonho
gradualmente
primeiro os olhos fecharam
pálpebras vermelhas de cansar
hesitou
depois ganharam a noite
sem pestanejar
e o sono dormiu tarde
mas sonhou

Rio, julho de 2013



quarta-feira, 24 de julho de 2013

A NOITE DE MEU TEMPO



fantasma de magia incerta
o sonho é pálida luz no sono 
como passeio noturno sem destino certo

durmo desperto desmaio diante da razão
que me faz viver de esperar
o que a fantasia não trará

sou noite em parte do meu tempo
beiro o real e quase esqueço
o essencial do que preciso
no vácuo entre o que sou
e o prazer de ser

Rio, julho de 2013






segunda-feira, 22 de julho de 2013

A NOITE ILUMINADA

[recuperando versos antigos para Beatriz Azevedo]

a noite que pressinto é clara
vem do azul profundo a luz que a alumia
na espreita malandra da aurora
atrás em céu escuro
da luz de estrelas 
irmãs do sol que ignoram

a noite rege o coração
não o que bate sessenta e três vezes por minuto
não o que sangrento tinge quadros santos
não o coração que nunca tem razão
mas o coração que ama
racional e intelectualmente a vida

sim às noites sou apaixonadamente claro
os olhos encantados por constelações de amores
humanamente decidido a viver a vida
como antigo marinheiro sobre a gávea
a encontrar versos nos cais distantes
e a magia iluminada de pensar poemas


Roma/Rio, janeiro de 2003/julho de 2013
  

domingo, 21 de julho de 2013

DIA E NOITE



suave a noite descansa de seu dia
ouvindo-a pressinto a calma que irradia

o sonho confirma o sentimento
e o compasso da brisa sopra estrelas
que iluminam o céu escuro
como vidrilhos a guardar
a-va-ra-men-te 
a luz do sol

são sóis elas mesmas a piscar distantes
o som do vento sideral que as guia 

ouço-as tranquilo e vivo a fantasia
do dia que me espera

Rio, julho de 2013



sábado, 20 de julho de 2013

NOITE E DIA




o tempo estilhaça o fim da tarde 


a noite ávida devora

um céu que não resiste
sangrento mudo deprimido
e morre o dia 

constelações em pranto
choram noturnas o tempo humano que reluta

soa distante réquiem 

solene sentimento que celebra a morte 
mas anuncia
mis-te-rio-sa-men-te
um vago sopro de futuro

a chama resistente ainda acesa

transforma em suave melodia
a manhã que incendeia
e nasce o dia



Rio, julho de 2013



sexta-feira, 19 de julho de 2013

CONSTATAÇÃO



se chorar fosse sorrir
pareceria contente
o triste sentir 


Rio, julho de 2013


SONO RADICAL



nem mais nem menos

ou tudo ou nada
neste sonho que o sono traz à vida
tanto desejada quanto pressentida
o resto é claro dia


Rio, julho de 2013



quinta-feira, 18 de julho de 2013

NOITE E DIA



em tons vermelhos o céu apaga o dia

alegrias e tristezas passaram pela estrada         
alheias através das horas
que o sol da manhã à tarde percorreu

ficção a lua que já brilha 

clara recolhe mágoas 
sombreadas vívidas mortas 
abandonadas
à lembrança fria que as viveu 

é mais um dia que a noite desafia

insepulto fogo fátuo 
no sonho de um sono não seguro
que desperta e dorme a hesitar


Rio, julho de 2013



PONTOS CARDEAIS



velas ventam a tarde azul
sopram silêncio no horizonte
refletem prata
e a maresia sob o sol
dourada

tudo em mim são elas e o mistério
da perfeição entre céu e mar
destinada sem estrada
exceto pontos cardeais


Rio, julho de 2013





PASSAGEM



o ruído pertence ao silêncio 
do que sou

crepitante o fogo continua a vida

na visão desassistida
do racional transformado em erma estrada

passo a vista sobre o dia-a-dia

e não alcanço a distância no horizonte
futuro sem guarida
e o passado a ilusão de haver sido

vão sentido de existir

o que sonhei não será mais 

o momento de chegar é a partida

não estarei outros não sabem
ou não cogitam
sei 
que em pouco não serei


Rio, julho de 2013



quarta-feira, 17 de julho de 2013

VIGÍLIA



não se constrói na escuridão
a noite fria sem constelações
não permite o sonho
nem o sonho sobrevém ao sono
da meia vigília de viver

pudesse eu dizer que existo
a consciência talvez me liberasse
do limbo de não ver
sombras à margem do real
o verdadeiro quem sabe
de onde estou

foge a linha do horizonte 
o caminho que não se abre
segue
em vão


Rio, julho de 2013



TÉDIO



tudo que eu poderia dizer
leva a nenhum lugar
mas o sol brilha impiedosamente
onde no espaço da luz
vela sobre a matéria inútil
o tédio da alma
que sem tempo deixa correr o tempo
sobre o mesmo olhar 
de uma saudade lancinante
do que se foi

Rio, julho de 2013




quinta-feira, 11 de julho de 2013

POEIRA DE ESTRELAS [2]


brilho em plena escuridão
não é a noite dos tempos 
[ainda]
mas a prenuncia

ínfimos no canto do universo
sobrevivemos

mas por que somos? 
poeira de estrelas diria Ferrari*
infelizmente hoje pó
ilusão no sonho de um só

cometa espelho do sol
planeta em si bemol maior
réquiem da distância 
entre estar e a ausência de ser

p'ra ser justo falta a Luz
uma candeia 
na noite em que sopra o vento interestelar
para nos dizer afinal
porque viemos

a consciência de ser não basta 

* Professor Armando Ferrari
Físico Matemático Filósofo italiano
autor do livro "Poeira de Estrelas"


Rio, julho de 2013


  

quarta-feira, 10 de julho de 2013

POEIRA DE ESTRELAS

[de notícia de jornal: 
"O sistema solar tem sua própria cauda"]


sopra
vento solar
pelo abismo infinito
fala de nós   
gnomos da floresta interestelar

escura solidão
acabastes de passar
vindo do espaço profundo

fronteira do sistema solar
leva-nos vento no teu rastro
solitários isolados
sete bilhões

se Deus me quisesse explicar
talvez me dissesse
o deus que subsiste

cometa num canto do universo
somos nossa estrela cadente

Rio, julho de 2013




segunda-feira, 8 de julho de 2013

DÚVIDAS EXISTENCIAIS



se tudo é nada
a alma é selva escura
ou isso é literatura?

nel mezzo del cammin c'era una pietra
uma selva no meio do caminho
Pessoa Dante e Drummond
trataram melhor disto
no meu caso mero descaminho

a esta altura da vida
entre inspirar-me e expirar
tendo ao segundo
"é tarde já, e ainda é cedo" *

* Fernando Pessoa

Rio, julho de 2013



MIND THE GAP




pergunto-me se o que há entre mim e o mundo
é tudo
o resto é literatura

Rio, julho de 2013



DUAS QUADRINHAS



onde tudo existe
nada é ficção
o que em mim insiste
é obra do coração

mas se nada esconde
o que me deixa triste
resta a saber onde
ser feliz resiste

Rio, julho de 2013