quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ANO CALENDÁRIO






sem sonhos nenhum mundo existe
nem possíveis são desejos
pedaços de meros segundos
soletrados com a paixão de viver

fervem amores
recebidos do passado
perpetuados no presente
no futuro desejados

tudo é tudo para não ser nada nunca
e o que temos é muito
pouco na imensidão do infinito
sonho por realizar

e o sonho faz-me a vida
sem que a saiba prever
é o que é agora
antecipando a aurora

novo ano-calendário
ficção
renovação de todos os sonhos
da alma capturada
implacável no ritmo do tempo

mas tu que me vês por fora
da altura de teus sonhos
saiba que sou pequeno
para alcançar o teu tempo

paralelos sonhos convergentes
alternados tempos
no amor que é retomado
como instante do desejo realizado

não ouses deixar-me
hesite sempre abandonar-me
tu que há dias tenho
nos séculos que ansioso espero

não alimento a alma do passado
sobrevivo no presente
sou tempo e sou o lugar
onde o futuro ressuscitou

sou quem sou nos meus impulsos cruzados
há mais eus em mim do que pensei
se não me faltas o que sou é tudo
o que sinto e o que sempre quis

Rio, 30 de dezembro de 2010.






quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

LOUCO OU PEDRA






não fosse eu humano queria ser pedra
para jazer pacífica sob o sol
sem argumentos e sem razão
para não ser obrigado a pensar
na embriaguês de ser ou não-ser que sou

e por não saber a que vim
escrevo tentando encontrar
o segredo que as palavras não me revelam
e conseguir apenas negar-me
a compreensão das coisas
e o entendimento das gentes

por perceber o fim que se acerca
não fim de tudo que tudo ficará
mas o fim da consciência que me denominou Flávio
apelo aos deuses [e são tantos os que adorei]
para obter a graça de sonhar
com o coração sem engano
"de sonhar mais que humano"
contra a vontade de ser louco
ou pedra

Rio, 8 de dezembro de 2010




terça-feira, 7 de dezembro de 2010

UM ANIVERSÁRIO




[Para um amigo cujo sonho é seu futuro]


Assim como te vejo...

olho-te de frente e sei quem és
conheço-te pelo dom de ser
um menino ainda
mas um homem
consciente e ágil
a conduzir tua vida até pouco tempo só
mas capaz de manter
o essencial de tua natureza
nobre e solidária.

Não estás só
desde sempre zelei por ti
onde encontrei solidez
e capacidade de mudar
o olhar agressivo
que aprendestes nas ruas
e nas companhias sem nobreza
que o assaltaram um dia
para superar o tempo
com tua suavidade contida e muda.

Vejo-te tocado pela mão mágica de Deus
ou das fadas
para teu destino feliz
homem de bem
engenheiro
alguém a quem o destino quis
premiar com a alma sonhadora
de quem tem também a coragem de escolher
para saber a hora
de bem fazer.

Rio, 7 de dezembro de 2010.





quinta-feira, 25 de novembro de 2010






Bards of Passion and of Myrth
Ye have left your souls on earth!
Have ye souls in heavens too,
Double-lived in regions new?
[John Keats]


ali onde a vida se demora
o poeta ensaia o canto chão
diz homem grita gente
e se pergunta
onde a beleza o fim ao menos
à sombra escura do sagrado sono?

protegido e vencido
busca num imaginário paraíso
o amigo quiçá definitivamente perdido

o deserto à frente reflete a luz
ofuscante luz que o sol nos manda
sobre as dunas onde nada existe
e o vazio será síntese
da desesperança

dupla vida que é e deixará de ser
a um só tempo nesse transe sem sentido
da verdade desde sempre
do poeta que busca a eternidade
entre a terra e o paraíso
homem e homem
a viver intimamente suas paixões

é muito pouco o que desejo
e a angústia de partir
mata-me a vida
ainda tão plena de paixão

corro em busca do outro que me encanta
e canto quase sem razão

Rio, novembro de 2010





CANSAÇO






pode ser que amanhã seja outro dia
cansado de repetir-se
depois de tanto tentar ser diferente

esse tédio é peso pedra submersa
não é pássaro

que farei desses dias que me sobram?
iludir-me apenas com os que faltam?
fingir que sei o que não quero?
ou sem mais
sem nome
rente ao chão
deixar-me ir inutilmente?

tudo passou
pouco restou
sob o sol a sombra
que à noite se dissolve

digo homem
falo gente
nesse imenso sono que me abate
e me pergunto
que fui eu?

Rio, novembro de 2010





terça-feira, 23 de novembro de 2010

SE EU ABRIR OS OLHOS






se eu abrir os olhos escutarei o ruído das ruas
voltarei a mim se eu abrir os olhos
perderei o sonho mas não serei o mesmo
porque sonhei
para não esquecer o que sempre quis

sonhos são como ave
leve livre solta pelos caminhos do ar

se eu abrir os olhos
coisa que não farei
tresloucado frágil o pássaro serei
a procurar abrigo
em tua mão

porque lembro que te falei
tudo o que sonhei
para não esquecer o que me fez feliz


Rio, novembro de 2010





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

AMOR À VIDA





não quero a noite ainda nem o silêncio dela
quero o dia claro e o calor do sol
o ruído das ruas
o alarido das gentes
o vento fresco e a sonoridade da vida

só comigo ainda estou completo pela memória
que aflora das profundezas de mim
esperto
para acender o coração
no tempo que me resta
pouco ou muito pouco importa

nenhum gesto é vão

Rio, novembro de 2010






sábado, 23 de outubro de 2010

FALO [recordando]




Falo (Sinto?), texto de 1999.

Falo do sentimento cruel da incerteza.

Falo de falo, do membro viril que a vida enche de beleza em sensações tanáticas de gozo.

A cada amor a cena repetida.

Sinto gente que existe. Sinto da sintonia entre vida e vida. Falo da construção do sentimento, em falas éticas que ouso lembrar à vida bem vivida.

Falo e sinto,

Sinto e falo.

Falo, minto.

Que posso mais?

Nada.


Rio, dezembro de 1999




CÉU ABERTO [recordando]


CÉU ABERTO, texto de VULCANO, livreto de 2004,

escrito em Santorini, Grécia,

sob o impacto da aridez e isolamento da ilha vulcânica.




Dia claro, invisível, puro espaço

aberto sobre o mar azul em vaso côncavo

de terras altas, secas, pedregosas, duras,

tingidas de estrias brancas longas frias

nas agudas cristas, tensas montarias.

Ícones.

O ar e o mar, o céu, omitindo estrelas,

mescla no horizonte azul e azul, um tênue cinza,

planeta e cobertura universal

fundidos em manto entreaberto,

céu e mar.

Barcos silenciosos singram esteiras de trilhas percorridas,

espumas do passar passando

um passado navegando,

mansamente,

o mundo.

Sol, mar, o ar translúcido, sonha o homem

estrelas ociosas,

sentimentos,

onde tudo não é mais que o pensamento

de Um que dorme e nos recria

ao som da música do vento.

Santorini, junho de 2004.




sábado, 9 de outubro de 2010

TÉDIO





escrevo para esquecer o tédio
esse vazio que me enche os dias
alheio a tudo mas querendo estar
onde tudo vive

no cego entendimento da tristeza
recordo a alegria do que foi
ao vento que dissipa indiferente
sonhos e loucuras
para reter os fundamentos do vazio

ouço à distância o eco do silêncio
leio a plenitude da beleza
do que não diz quando se cala
lúcido no escuro da incerteza

e quantos os que já aqui viveram
sabem do frio afastamento
do real e seu fermento
sombras no duro enfrentamento
entre o presente e sua ausência
que me atormentam tanto

o fundo olhar da medonha criatura
ocupa o espaço da verdade
fingindo promessas de futura eternidade
mente para esculpir a escultura
do nada que virá
depois do tédio que tristonho já está

Rio, outubro de 2010












escrevo para quebrar o tédio

que me entremeia a vida

enquanto a chuva alaga

e agoniza um dia cinza


escrevo para celebrar a vida

que em meio ao tédio

resiste à chuva e secamente

me expõe ao sol e ao sal

obrigando-me a ser

o bem e o mal






sexta-feira, 8 de outubro de 2010

PORQUE?






porque te fechas por quê
te recusas porque
não te encontras porque
não te procuras porque
se não te abres
te negas o outro porque?

por que te quer?

Rio, outubro de 2010


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

FRUSTRAÇAO




[um poemeto dedicado à frustração]



de tanto que eu queria

o que teu amor não contempla

de tanto desejar o que não me podes dar

se mo desses agora

antes que eu sentisse morreria.


Londres/Rio, abril de 2008/outubro de 2010

[original londrino, revisão carioca]





domingo, 3 de outubro de 2010

RÉPLICA



Nydia Bonetti

jamais serei moderna
atual
contemporânea

sou velha
porque velha nasci

se demoro a morrer
morro no tempo certo

antiga
como sempre vivi.

Réplica


...tudo é cruel na vida
menos a vida bem vivida
porque desde sempre só a temos
uma
assim tudo se ajusta
a ser o que deve ser
sem reparo nem recusa
uma linha cujo fim não vemos
sem mistério um fim apenas
se sobrevivemos com voz clara
em cada um de nossos bons poemas...

Rio, outubro de 2010.



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

IMPROMPTUS



[para Bel Borja]



além de vós dizia o Poeta o céu não passa
nem por detrás se esconde a vida
mas defende-se a eterna pedra
do sol que é a verdade
o calor e a dura lida

somos filhos da eternidade
pedaços do nada que é tudo
sobrevivendo à crueldade
do que não podemos e não somos

atrás de vós estais vós mesmos
ao lado e à frente onde estiveres
um universo bastante que se finda
no estreito limite de nós mesmos

Rio, setembro de 2010





terça-feira, 28 de setembro de 2010

INDAGAÇÃO






um dia entrego o resto do que fui à terra
para não mais pensar na angústia que trago desde que nasci
e saberei então que nada mais sou do que parte do universo
em que me perdi

fosse eu uma pedra não teria a consciência do significado nenhum do quanto fui
seria pedra uma entre tantas na poeira cósmica em torno de um dos tantos sóis
e jamais questionaria o tempo a conduzir-me a vida

nem o tempo nem a pedra mais seriam do que aquilo que são
criaturas do homem a justificar o sopro que os tornou pensantes
a indagar de tudo origem e fim
como se fim houvesse
no que origem não tem senão no movimento cósmico
incessante em seu esforço de organizar o caos

entrego-me a palavras com algum nexo
mas não encontro a razão
de me sentir na solidão em que estou
quando ninguém me responde nem a pedra
o que tenha sido minha humana condição

Rio, setembro de 2010






segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DISSONÂNCIA






desfolhei cada palavra do enigma da incompreensão
e não entendi a vida
mas canto enquanto a tenho comigo
e não estou alheio a cada gesto em todos que compõem meu universo

diante de palavras amo as belas
sopro as raras para que não fiquem
e sonho que meu canto um dia ecôe
o rumor do humano

tocado pelo sopro do que não vejo além
temo a pessoalidade míope do que sinto
em notas dissonantes que buscam concordância
entre o sonho e o real

e dói-me a dúvida de sobrevivendo embora
tudo não passe de um vício
e o encanto dessa música que para mim é tudo cesse
aqui mesmo depois do ponto final

Rio, setembro de 2010




sábado, 25 de setembro de 2010

DEMOCRACIA



DEMOCRACIA



Quanto faças, supremamente faze
Mais vale, se a memória é quanto temos,
Lembrar muito que pouco.
E se o muito no pouco te é possível,
mais ampla liberdade de lembrança
Te tornará teu dono.

[Fernando Pessoa]



Se donos ainda não somos, sejamos:

assine o Manifesto em Defesa da Democracia!


http://www.defesadademocracia.com.br/


terça-feira, 21 de setembro de 2010

SINGULARIDADE








quisera viver o tempo simultâneo
saudar o crepúsculo na aurora
tocar neve no Saara
ser eu mesmo e tantos outros
sob o azul do céu intenso
para esquentar-me frio ao vento do inferno

duplo de mim mesmo
carente e solitário
gregário e suficiente

sou eu mesmo sou mais de um
sou muitos em mim mesmo
e ninguém sou
e nada sendo nada espero
dos fatos singulares

Rio, 21 de setembro de 2010.



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

SETEMBROS


setembros [Nydia Bonetti]

o tempo
corrói a vida pelas bordas
insaciável
já devorou
mais da metade do que sou
[...ou do que fui?
e nos setembros
ele arranca pedaços
inteiros




quando setembro vier será outono lá mas a primavera romperá aqui as flores do renascer
a alegria tomará o espaço onde a vida nos ensinará a amar a beleza que nos transcenderá
não
o insaciável tempo não nos sacia a sede da beleza que nos trará setembro a cada ano que está por vir
Nydia
o teu setembro é poesia...

Rio, setembro de 2010



domingo, 19 de setembro de 2010

VÔO CURTO







esta noite durmo inquieto
porque nada do que dissestes
parece tudo

sei que procuro a idéia impossível
do recíproco
no deserto de todos os ecos

de meu sonho de identidades
nada é igual
nem sobrevive à aridez dos sentimentos contrastantes

que posso eu se não me respondes?
que sonhar na ausência do ar
onde voar?

minhas asas são imensamente curtas
para tão seca atmosfera
meu grito não ecoa

sinto-me só

São Paulo, 19 de setembro de 2010



domingo, 12 de setembro de 2010

DESESPERANÇA ESPERANÇA





com grande esperança cantei o canto da esperança
não a matei que ainda vive
de meus pensamentos
mesmo que "o breve ser da mágoa" pese-me
mas me resta a vida

entretanto choro porque chorei o que cantara
no princípio da desesperança
na grande dor de ver a mágoa fluir de enganos
de tanto sentimento

"o que inda que mágoa, é vida"

nada mudou do que importa
o amor ficou
e quando é grande move-se
consente na doçura da vontade
"que nunca se poderá ver apartada"
de um e outro no sonho de viver
o que há-de vir
para reconstruir da esperança débil
que se aloja na beleza da alma
e vôa o sonho das aves
com espaço e liberdade
para viver o dom da vida
de amar o verdadeiro a verdade o amor inteiro
e fluir na direção do que deve ser
do presente que é criança e será homem
sem esquecer de nada esquecendo tudo
para crescer e ser feliz

um amigo é beleza para sempre
às vezes o deserto mas verdade
sempre água e lealdade
o amigo é beleza renovada

quando o temos há beleza no presente
e será mais nova a beleza do futuro
onde há luz
e esperança
se sabemos perdoar
e queremos reviver a esperança
teremos tudo
e a alegria da beleza para sempre [beauty is joy forever - Keats]



Rio, 12.09.2010




domingo, 29 de agosto de 2010

UIVOS






regresso ao dia e vivo a alegria
de sentir-te presente como chuva
que umedece o seco de meus dias

estás aqui no verso e no anverso
de tudo que escrevo e do que penso
neste inesgotável universo

como tudo que nele se contém
ventos e auroras boreais
o equilíbrio ainda se mantém

palavras decifradas uma a uma
tremem luzem choram esplodem
como lamento de lobos sob a lua

o que espero das forças que se batem
flutuando no limite de meu corpo
já nem sei espero que se atem

há tanta coisa que não sabes
desta chuva de gotas orvalhadas
e muito mais entre bens e alguns males

por um momento fazes-me viver
não estou só parece dia
nos teus chamados pronto a reviver

olha os rios que descem ribanceiras
são mesmo rio em águas diferentes
sou eu que fico no molde das pedreiras

Rio, agosto de 2010



sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O SONHO DAS AVES





não há mais tempo para segredos
diante da fúria dos sonhos
e o sol do silêncio não nos aquece

nenhuma frase deve ser dita
perderam o sentido original
e vem o cansaço

meu corpo desgasta a alma
quando tudo que eu acreditava
é pouco ou quase nada

tivemos o momento e não o soubemos perceber
quando passava
e todas as idéias pareciam verdades

e no entanto sinto a aragem da esperança
na racionalidade dos fatos
e nas coisas que ainda são crianças

o passado é inútil se o abandonamos
à vil memória dos erros e enganos
mas ainda há tempo no presente

como ventos que se entrecruzam
produzimos tempestades
mas o dia nasce avassaladoramente

é possível regressar à claridade
mas há pedras no caminho
enquanto tento recuperar o sonho

estamos ambos inteiros
mas nos falta a mesma verdade
e o dia é lealdade

volto a meu espaço meço os caminhos
para avançar sozinho
se não conseguirmos sonhar novamente

fico com as aves

Rio, agosto de 2010