quarta-feira, 7 de maio de 2008

PRÊMIO POEMBLOG


Eugénio de Andrade diz em um poema:

"Um amigo é às vezes o deserto,
outras a água.
Desprende-te do ínfimo rumor
de agosto; nem sempre

um corpo é o lugar da furtiva
luz despida, de carregados
limoeiros de pássaros
e o verão nos cabelos;

é na escura folhagem do sono
que brilha
a pele molhada,
a difícil floração da língua.

O real é a palavra. "

Outro dia recebi um prêmio de poesia concedido pelos editores de POEMBLOG [http://leaoramos.blogspot.com/] o que me encantou
a ponto de me sentir poeta.

O real é a palavra
assim transcrevo o poema
que é um pouco o subjetivo
de que o objetivo é minha função:

Emigrantes Imigrantes

DOWN THE RIVER DOWN


a muitos perdidos nesta cidade dura
[ao imigrante]




encontrei-o numa rua de Londres
escura e cinza mas havia brilho
no olhar que dizia da crença
de um lugar ao sol
onde o calor aquece a alma
entre duas batidas do coração.

no outro dia vi-o em outra rua
ensimesmado destruído
mas havia brilho jovem no olhar entristecido
a recordar a fé
no retorno se tudo não der certo

vi você várias vezes vários dias
no ensaio impreciso de ser sem reconhecer
o ruído de linguagens hiatos de silêncio
discutindo o passo
o peso a medida o custo em valores estranhos
no cálculo insistente do que nunca se tem

estranho a seus próprios sonhos
você não tinha nome nem os lugares tinham
em que o vi
tudo isso foi há muito tempo
asas desgarradas
azul que não mais se vê

mas a terra na memória
presente que se busca fora
para desencontrar-se desesperadamente dentro

unknown places
strange faces
hostile world
away from home
manifold

você estava só
e a multidão em torno acentua a solidão
no amor do nada
sussurros sombras suspiros
passo a passo o instinto reabre
o livro do tempo
e suas imprecisões

ansiedades afloram fantasmas
sombras em rio enclausurado
que avança e reflui sempre indeciso

um dia inútil
mal pensado mal vivido mal sonhado…
no modo ingrato de pensar
o próximo passo a hora seguinte o minuto que não passa
na espera já quase eterna
que o distancia de tudo e do interesse no mundo

esvai-se o tempo na manhã de vidro
tateia no escuro a noite exasperada
também o dia morre

the Sun itself, which makes times,

as they [all glory of honours all kings] pass, is elder by a year now…[1]

mais um dia e a alegria prometida
o mar é longe o ar é frio
preguiçosa
tragédia de buscar fratura no tempo
e desencontrar esse abandono
nas ruas desertas
a luz queimada
o homem inteiro dividido
ao meio estranho
desgarrado anseio
devassada realidade crua
de sobreviver para comer
o vento frio a carne nua

tropical para o calor do sol
você de novo em outra esquina
equívoco
um pouco menos fatigado
esquivo
ensaia palavras
olhos onde mora a alma em busca
perde sílabas
horror do erro
da linguagem do passado
presente e esquecido
e todo o tempo lembrado
mesclado em cores sem futuro
no caminho sem rumo
em plena selva escura
de quem desconheceu o inferno antes

palavra que fenece
mensagem do além mar trêmula alegria
da antiga certeza
da realidade perseguida noite e dia:
- lute mas não sucumba à mera luta
não desista mas não perca a vida
desarmado deslustrado ignorado

eu encontrei em você um homem
disposto a tudo
transposto do passado
o presente pronto em plena escuridão
onde não o reconhecem
nem ouvem
nem o vêm
em plena floração

usado abusado no desconsolado comércio de palavras
mal ouvidas mal sentidas descomprometidas
polidez fácil desamor
entendimento entrecruzado entre hiatos
de moedas dispendidas
na sede seca de amor
a qualquer preço
nesta praça que não é a outra

sai de cena
a cada entrada no túnel
em um trem de underground
perseguindo túneis
para lugar nenhum
derradeiro

olhar a dúvida muitas vezes medo
do espelho estilhaçado
no South Bank over a bridge
people strange people
down down socorro
down


Londres, fevereiro de 2007.


[1] John Donne [1572-1631] from The Anniversary

SCHERZANDO



Scherzo
NÃO PENSAR É SÓ PENSAR
[Millor?]


aos meus amigos para dar trabalho ao cérebro


“Sólo se mueven las cosas que no cambian.”
[Abel Martin e o mote sobre o movimento]


a imutabilidade é movimento
espaço movimento mutação
testemunho


pedras de Santorini


imóveis no tempo humano
como o universo em nós
paralizado
e entretanto movem-se

movem-se e portanto não mudam
ou
mudam e entretanto não se movem

talvez
em qualquer ponto no meu tempo
o movimento congelado
no tempo move-se

“Tudo é orgulho e inconsciência […] a química direta da natureza não deixa lugar vago para o pensamento.”

[Creio que Fernando Pessoa]

o testemunho não ocupa espaço
é desprezível na simbologia das pedras
entretanto do ponto infinitesimal em que me encontro
é o universo inteiro

e solo cambian las cosas que se mueven
o
no cambian las cosas que no se mueven


[certamente eu mesmo]

ínvios e incertos
não duvides
da inutilidade da dúvida
da incerteza do inútil
da inutilidade da certeza.


Londres de antes de sempre e depois 2008.

Plágio ao contrário


[escrita no ano 2000 modernizada em Londres 2008]


“Mon âme en est triste à la fin,
Elle est triste enfin d’être lasse,
Elle est lasse enfin d’être en vain.”
M.Maeterlink/Manuel Bandeira



Minh’alma não é triste nem triste está
talvez cansada do corpo
velho e acabado
chega lá
rodeia ponteia passeia
já não quer muito só o quer morto.

O corpo sim é triste
viveu demais
não encontra razões quem sabe aquele alongado sopro
a vida um pouco mais
p’ra fazer valer o coração
e afirmar que nada foi em vão.

NYC, fevereiro de 2.000.

VEM (MORRO!


[composto em 1999 reformado em Londres em 2008]

Vem chega de mansinho
traz o sussuro do carinho
que preciso viver para morrer
ainda a meio do caminho.

Vem chega logo vem
diz
porque a vida corre
p’ra fazer passar (e não socorre) aquilo que parecia feliz e foi mera sobrevida enquanto só (ninguém mais) o destino quiz.

Vem vem comigo viver o conhecido
pensamento concebido para enganar
e não viver
resumo de tempo passado
horrível tempo
vivido só p’ra acelerar não p’ra saber.

Vem vem calma a morte
com sorte
já venho também.

Vem deixa acontecer em paz o amor tranquilo que a pena em morte (e só ela) traz.

Vem não me deixe só eu não vivo
morro.


NYC, agosto de 1999

POÇO


[metáfora poética de 1999 reformada em Londres em 2008]


meu pensamento jaz no fundo de um poço
no fundo de um poço afoga-se o sentimento
mas será necessário o poço?
já não sei
porque não ouço
estou eu no fundo do poço.


Rio, dezembro de 1999

SEGREDO


[escrito em 1999 reformado em Londres 2008]


Não direi o que não sinto
e sinto tanto…
porque dizer então porque insistir na transparência
que a vida não exige e o mundo não entende?

Se sentes o que dizes
melhor cuidar-te
e precaver-te
da condenação e do desdém.

O mundo é mau
perversa a vida
se sentes não digas
se dizes não sintas.

Vê na vitrina
não te exibas
os segredos humanos
são produtos culturais
da incompreensão.

O homem escondeu
cuidadosamente
seus mais íntimos sentidos

e criou o preconceito.

Cultura é tudo aquilo que o conhecimento humano apreendeu
muito mais do que expõe e nada do que revelou.

Qual banco de gêlo
o que flutua é maior do que se vê
a base é imensa
o segredo submerso
frio asfixiado
ignorado e não visto
garante o equilíbrio.

NYC, junho de 1999.

QUEM BATE?


[escrito em 1999 reformado em Londres em 2008]

Na porta de minha casa dorme gente que nela não entra que nela não bate que não pode entrar a porta de minha casa fica à espera dos que não entram.
A janela defronte é um mistério.
Ninguém nela aparece nela nada se vê a janela fecha a janela abre e tudo o que tem é “courant d’air”.
A rua de chegada é larga,
só tem gente que não conheço
mesmo quando me vejo nela.


Como é minha casa? Grande pequena alta baixa?

Não nem uma coisa nem outra nem a alternativa delas minha casa tem janelas que não se abrem e portas fechadas sem gente dentro minha casa é vazia de mim mesmo dentro eu não tenho nada
fica gente de fora da porta da minha casa gente que estava fora gente que quer entrar sem contar muito importante gente que já saiu.

Minha casa sou eu mesmo que nem mesmo “courand d’air” deixo entrar para arejar o mundo escuro que me tomou e sufocou
fica todo mundo fora ninguém entra a porta é só lembrança de quando alguém entrou e não ficou.

A janela defronte é bem um símbolo dos que não me vêem nem querem ver.

A correção inapelável do tempo virá o tempo trará consigo a indesejada das gentes que entrará pela porta fechada penetrará as janelas e antes da “courant d”air” me penetrará.

NYC, fevereiro de 1999.

MEA CULPA


[escrito no ano 2000 reformado em Londres 2008]



Juro por Deus que não sei juro por Santa Efigênia juro por São Ezequiel juro por todos os Santos que afinal nada sei.

E se soubesse faria?
E se fizesse veria?

Pois aí vem São Tomé
o que quer ver para crer.

Juro apuro perjuro tudo o que sei e não sei mas o que faço asseguro não o farei outra vez
mas o que sei eu não faço nem que me diga o Tomé para fazer outra vez o que quer ver para crer
juro que só não sei nada porque assim me convém o que sei se é nada sempre interessa a alguém.


Rio, janeiro de 2.000

INTIMIDADE


[reflexões poéticas de 2000 revistas em Londres 2008]

A realidade é sonho e fantasia. Entra pouco a inteligência das coisas que não existem sós independentes mas atadas a desejos nem sempre cristalinos.

O real assim visto falseia seu suposto
nem nos leva à verdade nem nos condiciona a demência mas obriga a realidade.

Desejos são forma de reclusão

do seu eu à intimidade,
revelam o que escondem
nos desvãos de seus antolhos.

O sonho é coração em seu conflito co’a verdade escondendo o que revela a quem p’ra tanto tem olhos. Tudo assim ocorre à revelia de mim mesmo

nem sonho nem desejo ou fantasia
eu só
sozinho
sem socorro sem ninguém
sem nada
que me garanta o oposto.


Rio,fevereiro de 2.000

PERPLEXIDADE


[poemeto reflexivo de outra época 2000 reformado em Londres 2008]


passo pela estrada como pela simples vida
encontro caminhos submeto-me a escolhos desço ladeiras galgo montanhas
passo-a-passo caminhante de um sonho cambiante
vislumbro o horizonte e o vejo distante

quem sabe o caminho não pergunta onde caminhar caminha

outros percebem a mudança vivem-na

o caminho mudou a consciência outra mistério em descobrir o destino deixando atrás a certeza vive-se o acaso

há outros para quem o sonho o horizonte a meta tudo é inconstante mas a consciência persiste

este como quem já não sabe o caminho

pára

não vive

é preciso abandonar a consciência para não parar

temo o que sou
percorro a rota do nada

não sei de onde vim pergunto-me para onde vou passo pela estrada e não suporto o caminho já não sei caminhar o passo não sabe avançar

deixei certezas matei ilusões

criei perplexo novas visões

parei andei caminhei parei

sou hoje personagem do que fui

na miragem do que criei

ah se pudesse ser como outros aqueles que vivem sob outra consciência em outro caminho mas não sei

vivo o terror de ser eu mesmo e me manter vivo no caos de ter consciência e não sobreviver dissolvido na dúvida abandonado ao mistério do que serei


NYC, maio de 2000.