terça-feira, 6 de maio de 2008

ALMA COLETIVA


[para Celina seu poema de 2001 revisto em Londres em 2008]

Vivem em nós todos
os que somos
os que vivemos
os que sentimos.
O homo clausus é o composto de que vive a consciência
de todos os que nascemos.
Não há desterro em si mesmo,
existimos porque a natureza se comunica em nós
e os astros sintonizam a irradiação da vida.
Somos quem pensa únicos (talvez) a descrever o mundo
com olhos voltados para o infinito que não vemos
mas sentimos na exigência de ser
que sobrevive à negação da morte
para propor o que exista
no inconsciente coletivo.

O amanhã existe e está presente
na herança do passado
de que somos elo em momento cuja única certeza
está neste presente que não é triste
é fugidio.

Aguardo o prazer da ultrapassagem
súdito dos astros
parte da natureza
que não é ausente nem presente
sou eu ela.

A liberdade de ser é vastidão infinda do brilho de um dia
da noite que habito com a familiaridade das estrelas
da altura de mim mesmo em meu lugar
onde não sou proscrito
mas existo.

"Aguardo […] o que não conheço
meu futuro e o de tudo"*
o fim ilusório da matéria
no concreto quântico do nada
em vibrações que não se explicam
mas persistem no tumulto aparente
do que sou e penso
do que guardo em mim
o tesouro de compreender-me em todos
e todos dentro de mim.

* Fernando Pessoa

NYC, setembro de 2001.

UMA PORTA DUAS JANELAS


[uma reflexão talvez uma metáfora composta em março de 2001 revista em Londres em maio de 2008]


a casa branca tem duas janelas
pela porta central entra uma alma
para falar de luta e de Justiça
concorda que fora dela
a falha humana de sentidos
esconde-se por detrás da árvore sem frutos
que perdeu as folhas
o viço o verde a compaixão.


NYC, março de 2001.

MINHA CASA


[um velho poemeto revisto composto no Rio em janeiro de 2.000]


minha casa é a mesma casa onde quer esteja eu
minha casa é minha cabeça mas às vezes coração
tudo por ela passa
dela não se conhece o amor a dor a vontade
só eu sei o que passa
só eu vivo
só eu minto
em minha casa sobre a dor que não finjo
sinto

sou eu mesmo minha casa sou eu mesmo meu tormento
sem sossego sem sucesso não liberto meu momento
vontade tenho amor não sei
dor o tempo teceu qual rede nos fundos de minha casa
e a ela me prendeu

que fazer viver como?
emaranhado falta-me alento
sei que soube já não sei
nada sei
de fim mágico ou triste
sei que Ela vem
pressinto
a indesejada que chega
a morte qual solução


Londres, maio de 2007.


SENTIDO



a poeira encobre o tempo
nada vejo
nem mesmo sinto
nada do que penso me sustenta
no que resta ser vivido

amargo doce fel
a vida tece momentos
na tela decadente e logo cessa

a presença indesejada sinto cada dia
refém de sua vontade
indiferente

o prazo não me comove
na metafísica da sorte
o sentido tão somente.

Londres, 7 de março de 2008.

MEMÓRIA



Instante tempo que mais não volta
interrompido laço que se solta
dos elos que na vida ponho.

Conheço parte da verdade
a que suponho nua
realidade crua
de um mundo raso fosco e enfadonho.

Tempo laços saudade coisas findas
textura movimento pulsação
bem claras na memória
todas lindas
ao lembrar em sonho sei que ficarão.

Rio, janeiro de 2.000.

MEMÓRIA AINDA



quando o tempo coincidir comigo
abstrato e ambiguo
ninguém saberá o que passou
seremos dois apenas ele e eu
a nos olhar sem pressa
minha casa guardará silêncio
meus retratos serão vistos
na distância do tempo
e não revelarão pensamentos
amigos sussurrantes dar-se-ão as mãos
e silenciosamente entenderão o momento
e então e sempre
a memória lhes dirá
onde estive
entre passagens e lembranças
que se esfumarão ao vento.

Londres, fevereiro de 2007.

BRISA



tudo é passado
tudo é tristeza mas pode ser alegria
o sol renasce cada dia

somos passageiros
parte da mesma viagem
a saber viver com arte

nada devo
mas nada pago
o que devo o vento levou

no passado fui
no futuro prevejo esquecimento
tudo ou nada [tanto faz] vai volta e reflui
agora só pensamento.

Roma, setembro de 2003.

MELANCOLIA




Um torvelinho de sensações
no interior fundo da alma
busca o sentido do que sou
procuro em rodopio alucinante o fim do fundo
na torrente que me tragou
navegando vagas de mim mesmo
o sono da vertigem me desbaratou nessa descida

resta o movimento que contraditoriamente
é nostalgia
sob a luz baça da melancolia.



NYC, junho de 2001.

GIOCOFORZA [14]



"O faticosa vita, o dolce errore,
che mi fate ir cercando piagge et monti!"
[Petrarca]
Oh! Vida tão inutilmente perdida,
que nos condena a vê-la repetida
e inapelavelmente desaparecer!
[Perri]

Roma, fevereiro de 2005.

CONSUMO DE PALAVRAS [13]



dever de extravagância
liberdade sem trancar
fazer de mim poeta
que regra?

quero palavras e versos
sentido no sem sentido
e o esforço de existir

cumprissem sua tarefa
soassem
palavras se tornariam ícones
pedras minha tensão

anônimos versos distantes
dispersos são como gritos

estróina poeta
ninguém consome poemas


Roma, julho de 2004.

SEGREDO [12]



quem me vê não conhece
pensa conhecer e não vê
vivo aquém de mim
moro bem mais além...

palavras que não ouso
palavras não me dizem
o que posso e o que quero
quase sempre sem poder

tenho na alma o meu segredo
escondo-o do coração
a realidade só revela
o meu degredo.

Londres, 6 de março de 2008.

VERSOS INCONJUNTOS [11]



Não sou poeta por juntar palavras
mas encantam-me as cores no verão

a primavera são flores
manhãs que furtam do inverno
intimidade e espaço

palavras flores e cores
cada silêncio em seu lugar
rosas brancas no jardim

é muito pouco o que quero
e desse pouco desejo
não faço nenhum mistério

o balanço de meu verso
debruçado na janela
aquecido pela manhã.


Londres, maio de 2008.

VERSOS E PALAVRAS [10]



Deixo meus versos para quem os leia
num dia de chuva e de melancolia
eles terão o corpo trêmulo de alegria
e a tristeza que pensei como beleza.

Meus versos serão teu rosto
olhos da alma que neles hei posto
tuas mãos todo o carinho
na trégua da distância
sob a magia em desalinho
de meu pasmo.

Escrevo como fiz na vida sexo
junto palavras como juntei corpos
nessa cópula que dá vida ao nexo
para fundir idéias
e suspender meu tempo.

Versos e palavras entretêm teu sonho
e eu pensando em tudo isso
escrevo para não ser omisso
deixando-os fluir ao vento.

Londres, maio de 2008.


ALCANCE [9]



De tanto que eu queria
o que teu amor não contempla
de tanto desejar o que não me podes dar
se mo pedisses agora
antes que eu sentisse morreria.

Londres, abril de 2008.

AD HOMINEM [8]



de que fonte
de que boca a fala consente
de que explosão bate o coração
de que rios a idéia se forma
nesse mar que afoga?

a verdade talvez exista
suprimida ou escondida

e o corpo nesta descida

não perguntes
ouve o murmúrio das fontes
e acredita

o Verbo foi perdido

não há verdade
nem há vontade
o Criador já criou
o que temos é a roda d'água

agora é administrar perdas
maximizar ganhos
deixar que o mundo acabe
fingir segredos
mentir que o efeito estufa
e deixar-se estufar neste degredo

o deuses são homens confinados
imaginando um deus maior
que lhes é igual

vacilantes perdem os dedos
só nos resta cantar
cantemos

Londres, abril de 2008
.

A BUSCA [7]



não perguntes não pesquises
razões se as há

no meu canto
a palavra não existe
eu a quero criar

o ar é pouco
o mar é longe
a montanha fugidia
donde vem?

assim a angústia
no compasso de razões
pulsa em velho coração

sem ela
viver é sem razão

solidão
onde estou faltam palavras


Londres, fevereiro de 2008.