domingo, 27 de janeiro de 2013

SOULAGEMENT



o que não faz sentido
só o tem no sofrimento
do consolo
intimamente


é necessário sentir
o pequeno que há em cada um
e a Vontade maior 
que foge de nossas mãos

o sentido do sem sentido
inobservado
recolhe-nos ao nada
que somos

o presente em pouco será passado
eterno em nós
assediados


Rio, 27 de janeiro de 2013

ILUSÃO DE ÓTICA

ainda nem cheguei ao lugar onde estou
e sinto que já vou embora
vejo um pássaro sobre os ramos
e já não o vejo mais
tempo descoordenado
ilusão de ótica
talvez seja o vento

Rio, janeiro de 2013



ELOS

os tempos paralelos não são elos
são paralelos
João vive um tempo
que não é o de José
e nem mesmo Maria
sua mulher
goza o mesmo momento

o cruzamento de tempos
serão coincidências
em um milhar de mil anos
mas José já não vive
João morreu no século passado
de Maria nem sombra

tiveram juntos seu tempo
mas ninguém notou
e o tempo passou 

Rio, janeiro de 2013



REALISMO



o outono já se foi
o cenário mudou
mas o homem é o mesmo
que esperou na fila
o prêmio da loteria

não é preciso muito
nem mesmo paciência
ou qualquer traço de consciência
para entender que o infinito nunca termina
é o momento que cessa

Rio, janeiro de 2013









sábado, 26 de janeiro de 2013

VIDA SIDERAL


és azul 
como azul é o céu que nos abraça
Terra
vives mares e ventos 
contra a noite sideral

grão na areia das galaxias
entro por teus olhos e vejo
tudo quanto fora vida
como a floresta em seu leito úmido de sombras
seres e coisas
pedras
em sinal de reconhecimento
de todos os caminhos

corpo de muitos calores
amor e vida
dores

culpa de sentir-te modulada pela esperança
de mil e mil anos
e nós todos insensíveis
mascarados de infalíveis
  
Rio, janeiro de 2013









CRIADOR E CRIATURA


pode ser que a Criação seja um invento humano
de onde um Criador um super Ser
mas incriado

quero crer mas é difícil entender
talvez baste imaginar
como imagino
que mais além nada restará
exceto a esperança que entretenho

de que a Verdade seja vera
e ao passar a linha imaginária
encontre vida
uma outra vida
(e o que mais)
mais não sei exceto
que o tempo criatura humana
dir-me-á

dirá?


Rio, janeiro de 2013.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

SOMBRAS


sombra sutil de nuvens ondulando em busca do vazio
sombrear ligeiro soprado pelo vento
murmúrio do silêncio na distância do abismo
muitas vezes a solidão
muitas a morte

Rio, janeiro de 2013



sábado, 19 de janeiro de 2013

MEMÓRIA



de onde parto nunca sei
mas me é claro que da palavra iniciei
a caminhada impronunciável
de frases que não se adivinham
cheias da esperança nevoenta 
de que falou o Poeta

sem nomeá-lo pareceria um cochilo
da lembrança sonolenta
de quem pensa e não fala
de sua imensa influência
no que sou e sinto
da palavra à frase no poema

labirinto entre sonhos e olvido
a palavra me conduz
palavra por palavra
ao poema que se abre em poemas
como ondas em busca de uma praia
que lhe prometa amante e coração

assim  vinculo-me a Pessoa
ao inquebrantável Borges
a tantos e tão ricos bardos pensadores
retidos na pobreza da memória 


Rio, janeiro de 2013



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

FALAR DE MIM



falar de mim
talvez um poeta
possa pensar sem o dizer

ah sou um caracol
enredado na alma de um pássaro sem asas
impaciente diante da palavra

não sou poeta
canto sem sentir
penso sem cantar
peco por mentir

é tão breve tudo
tenho os olhos de um marinheiro
por uma escotilha o céu
ondeando incerto o mar
para limitadamente ver o cais ao atracar

tenho consciência disso
canto o que vejo
digo o que penso
finjo quando não minto

a verdade seria uma injúria
não a quero
prefiro viver
  

Rio, janeiro de 2013



O INSTANTE



o tempo jamais será recuperado
mas nada importa se já foi
sou o instante
o futuro não é meu

Rio, janeiro de 2013


REFLEXÕES RÁPIDAS



sou o que pareço
o que fui conheço

não sou como as estrelas que se deixam mirar
sou menor sou muito menos
escondo-me do olhar

ser basta para o que sou
não quero a verdade
quero a vida

Rio, janeiro de 2013


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

RAZÃO



jovem instalei-me em minha cabeça
sem tristeza
nunca senti com o coração

senti o pensamento

de ser homem e o fui

mas a beleza 

como a percebestes
perguntar-me-ão

como um raciocínio

sem traço de união

encantei-me com o mar...
fui ao mar
admirei o sol
expus-me ao sol
excluí sempre o coração

mas para amar...

amei

amei a vida amei a aurora

amei a praia amei o sol
amei o mundo e sua imperfeição
o nascer de tudo
o mistério e a questão
amei rios e rosas
a música a poesia e a prosa
a neve fria 
maria 
a liberdade
o céu 
o espaço e o poente
presentes e ausentes
fascinante tudo 
amei sem coração


Rio, janeiro de 2013




domingo, 13 de janeiro de 2013

UNFINISHED MOMENT



sopra o vento frio 
distante longo e dolente
e me abandona solitário 
a me inspirar o verso
reflexo fugaz do que há no sentimento

sinto difuso o mundo
entre chamas
uma loucura sã
da angústia de compreender
depois das trevas e do vento 

não me sinto aqui
lentas horas 
isolado e absurdo
cinza
na tarde ensimesmada
a perceber 
tristeza inteira de um instante

à distância  o pensamento reduz 
uma forma de desdém
a descerrar sonhos
para tecer
um segundo plano de outono

olhos cerrados ouço o vento
que não quer parar
no escurecer
ouço o som que se alonga
atrás de sombras entre frestas
enquanto se esconde a lua

faz-se então a angústia
ansiosa e inquieta

Rio, janeiro de 2013.






ANGÚSTIA DA PALAVRA [III]

vejo-a logo ali
a um átimo de tempo
entre mim e ela
só a vertigem
dela própria
solta
livre
ígnea
ao vento
voa a palavra
e não a aprisiono
ouço-lhe distante o eco
poeeetá poeta poet poe pooo

Rio, janeiro de 2013



sábado, 12 de janeiro de 2013

ANGÚSTIA DA PALAVRA [II]


deixo falar as palavras
por si só encontrarão seu destino
não há porque intervir na natureza delas

sempre me pergunto quê fazer diante da encruzilhada
terão elas a mesma angústia 
ou não hesitam

o mesmo me pergunto diante de um espelho
sou eu aqui ou sou o outro
elas não se indagam

fácil é concluir que a angústia não lhes pertence
mas em mim revela-se
a cada palavra

as palavras têm sabor de tempo
diria o poeta
são frutos do olvido e do conhecimento

Rio, janeiro de 2013.


ANGÚSTIA DA PALAVRA


sempre que tenho de escolher palavras
temo que não sejam exatas
ou que falem demais
hesito cada vez
porque também dirão quem sou
e não quero revelar-me

há palavras que soam bem
outras que advinham
muitas encaixam-se exatamente
em frases feitas
mas não posso ser enigmático
num poema

que palavras
há-que não supor
nada pensar
nem definir 
elas sabem seus caminhos
ou se deixam levar
ao vento


Rio, janeiro de 2013



DÚVIDAS


pensando na Symborska

...prefiro o mito à verdade
amo o sonho odeio o real
sou prisioneiro em plena liberdade...


Rio, janeiro de 2013









segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

UMA CANÇÃO AO AMOR


[pensando em García Lorca]

nada me custa amar-te
porque te amo à noite
quando dormem todos
e só vive meu sonho

tudo me dói por amar-te
os olhos por não ver os teus
os lábios por cansados
de pronunciar teu nome
em vão

que teu amor é dor o senti
desque primeiro te vi
que teu amor é ausência
porque te quero e não tenho

que tal amor não existe
porque desde sempre foi triste 



Rio, janeiro de 2013


domingo, 6 de janeiro de 2013

JOGO ENTRE PALAVRAS


I.
se não falo de flores é porque são raras
num mundo quase de pedra
e não tenho nada apenas vida
que onde se planta medra
II.
não sou eterno pensei
que fazer do que de mim sobra
se de sobra pouca obra
resta do que passei
III.
que dizer quando se vai morrendo
o mundo em que vivi vivendo
ora pois que estamos a falar
do sonho ainda onde se pode amar
IV
são flores cada lembrança
para não falar da s'perança
é pedra o que não é verde
que a queimar triste se perde
V.
a ilusão que ainda tenho
desprende-se do que sou
no amor à vida e no sonho
que nos lábios não se calou


Rio, janeiro de 2012




SONHO




que sonhos tenho perguntei-me
de sonho tenho a vida contestei-me

Rio, janeiro de 2013
















sábado, 5 de janeiro de 2013

ANO NOVO



o barco navega o calendário onde sopram os ventos

sob a rosa desgovernada dos pontos cardeais

no primeiro dia de esperanças esfumadas

não sou diverso do diverso que a cada dia sou

ao fim e ao cabo à beira mar espero

o derramar do que tem de ser o tempo predestinado 


Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 2013