quinta-feira, 29 de agosto de 2013

POESIA




te escrevo poesia como quem dorme

deixo atrás pensamentos
suspendo a rotina 
cessa a ciência
a ideia voa no sono
sou eu e nenhuma consciência

despede-se a vontade

nem amor nem ódio
tampouco tristezas
às vezes alegrias
mais nada
palavras

é quando nada vejo 

e só comigo
desamparado
indiferente
aguardo a frase desconhecida
que se revela em sonho
como tu és
não produto do que sinto
nem razão
mas poesia


Rio, agosto de 2013.



quarta-feira, 28 de agosto de 2013

BREVIDADE



"breve tudo" diz o poeta
breve o tempo breve a vida
breve cada dia
breve a Paz que buscamos
breve o entendimento
breve a obra
se a temos

eu me refugio nessa brevidade
para fazê-la eterna
breve eternidade

assim pensado penso no meu tempo
bem lembrado breve
alguns erros que deslembro
bons momentos
não me contradigo nas compensações

como uma concha volto-me a mim mesmo
a minha casa
e no breve tempo que me resta
viverei meus dias


Rio, agosto de 2013.




segunda-feira, 26 de agosto de 2013

INDAGAÇÕES NADA METAFÍSICAS



como antecipar o verso
se não podes aprisionar a palavra?

como teu destino
involuntário
torna-se teu fado?

como construir o poema
a partir do nada?

Rio, agosto de 2013.



ADOÇÃO



o verso de que não preciso
impõe-se alheio
obriga a si próprio
nada o muda
e se faz filho

Rio, agosto de 2013.



CONTRADIÇÃO



o poema não é como sentimos
mas como o escrevemos
sem nem mesmo invenção no correr dos dedos
sobre o teclado frio
a psicografia do poeta consigo
impõe-se a cada letra devorada pelo texto
não há outro caminho

a releitura é a morte da expressão original
cada palavra conspurcando a frase
a autocrítica feroz
de que o sangue é a insônia
e o tédio da repetição

escrito não me recordo a alma
nada é real
não há verdade
a frase resulta da conveniência da composição
e o amor nem implica sentimento ou sentido
ainda que declarado à viva voz
piegas se o deixamos livre

mas

a curiosidade mata o tempo
e a releitura revela insuspeitos segredos
como a flor em botão
o poema ganha independência
perfume às vezes
e sua vida instila sentimentos
no que não se supunha tê-los
tudo é surpresa para o autor
que se reconhece nele


Rio, agosto de 2013.



domingo, 25 de agosto de 2013

UM POEMA



o instante salta pela janela
como a sorte busca o abismo
inércia do que se tem
fugitivo

do impulso restam coisas
como o vento frio
que sopra sobre as árvores
sob a janela

nem sorte nem instante
senão a paz imperfeita da insatisfação
derramada nesta folha em branco
talvez um poema

Rio, agosto de 2013.




O INSTANTE



nada trago comigo

nem lembranças nem medidas do tempo
fantasias uma 
passageiro outro
e assim toco
inciente

no menor conheço o fato

sentido 
captado com interrupções
em meio a amores 
ou sem amores
sem paixões

máximo do gozo
no mínimo de tempo

o tempo passa

não o contenho
o gozo é átimo

do passado nem lembrança 

vale o instante consciente 

dirão que têm memória

do que desacredito
a memória tende ao sonho
revela-se em lembranças soltas
inconscientes

mas há gozo sem paixão

orgasmo sem amor
sem o momento de excitação
- perguntarão

não penso em lembrar-me

- respondo

o instante foi consumido

curto o gozo
a memória se desfez
lembrança é difusa

o tempo tudo desfaz  

resta o instante


Rio, agosto de 2013.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

PONTO E VÍRGULA

para Nydia Bonetti

ah árdua gramática

tu és a regra que nos ensina as coisas por dentro
mas o poeta ama as palavras
e os interstícios que a regra fria não sente


Rio, agosto de 2013.



terça-feira, 20 de agosto de 2013

NÃO SE PERDE O TEMPO



a linguagem do tempo tem sabor e graça
tem o dom do nada e o sabor de tudo
não é senão a vista do alpendre largo
de que se descortina a vida
instantâneamente

o sabor é leve 
pode ser intenso
e a beleza presente no seu estro
está aí a graça

mas

disse alhures que o tempo é vento
que rasteiro voa e ligeiro passa
traz sempre novas
ensina a cada passo

agora digo o tempo é mais que espaço
sôfrego sorve
não acolhe passa
e bem sabemos só nos deixa o rasto

se lhe roubamos o instante    
poder-nos-á caber o abismo
ou bem possível um horizonte azul
é breve a tão longa vida
onde tudo cabe
a sete chaves

o tempo curto é capaz de tudo
o largo espaço que da varanda vemos
é o que temos
o tempo é que nos perde
Rio, agosto de 2013.





ORFEU QUADRADO



a Ronaldo, meu irmão

não voltarei a face atrás para cantar passado
o que me encanta ainda na lembrança
é o tempo que alheio a meu presente
só me faz chorar ao vento do futuro

mas

não serei extinto por olhar atrás
tenho ainda a lira
tenho a melodia viva que compus no tempo
tenho quem a cante a me fazer contente

perfume doce de momentos vivos
de meu passado guardo cada instante
com sabor e cheiro
do que foi meu inda que breve

Orfeu não sou nem tenho Eurídice
mas amo a ideia da busca do passado
na memória cheia sobre fertil fado
tenho saudade mas não sofro dela

sei que vivo e só o tempo perde
quando rasteiro voa e velozmente passa
como de si arrependido
por não ter vivido

não há futuro mas soma de presentes
solene tempo de sonho sem projeto
"o fado cumpre-se" diz-me o Poeta
mas "eu me cumpro" no instante breve
  


Rio, agosto de 2013



sábado, 17 de agosto de 2013

A IMPERFEITA VIDA



encerro a vida como quem não começou
apaixonado e carente desejando mais
nunca saberei o que fui
tal como não sei o que tentei
tudo me parece igual no final

nada ou quase nada resta a dizer
exceto que eu amo
exceto que eu quero
exceto o pensamento pronto
para o que vier

o passado é galardão em caixa fechada
ressalto nele a experiência
que agora não me serve de nada

honrarias trabalho recordações condenadas 
livros não lidos escritos não terminados
romance de interior catalogado
célebres ou perdidos na desmemória
restam alegrias embaçadas 
no tempo que não retorna

o presente é fugidio
cada dia na intensidade adequada
para não perder o fio
da meada que se enrola
passa e desaparece 
no momento mesmo que acontece

é imperfeita a vida
salvo no sopro em que ligeira passa
salvo no instante iluminado em que se ama
a própria vida
salvo no vigoroso teste da esperança
salvo
salvo em tantos momentos
de que desisto porque desaprendi de viver


Rio, agosto de 2013.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

TEMPO DE PARTIR



o reboco conservado

cobre a pedra bem cravada
paredes retas 
desgastadas mas tratadas

a alvenaria antiga resiste 

chuva sol vento geada
é dentro que a vida cessa
no interior apodrecido

caos de passado

fios e dutos despelados
entranhas como é por dentro 
reviradas
a vida quase não fala


Rio, agosto de 2013.


DESNUDANDO O MUNDO



tudo o que nos dá o mundo
é o que nunca terei
cumpre-se aqui o fado
cujo fim não saberei
deslembro o que passou
apenas sei que passou

imensa é a hora
breve o tempo
que nos desabraça
em sua passagem 
como brisa como vento
gradual
nesta existência dilatada
enquanto dura esta matéria gasta

alheia a mim a vida é uma alvenaria
estranha e fugidia
de paredes caiadas
onde cabe só o pensamento
do sono perfeito a sobrevir 
desnudo sedutor e frio
embalsamado


Rio, agosto de 2013.



terça-feira, 13 de agosto de 2013

TUDO E NADA



por vezes o mar escuro* noite a dentro
é abismo onde me afoga a solidão
do fim de existir
busco a razão de chegar onde cheguei
nesta planície quando pouco resta a desvendar
exceto o mistério de tudo
e a validade do nada

é muito pouco para continuar a viver


*diante de minha janela

Rio, agosto de 2013



PASSAR PASSANDO



o rio escorrega pelas pedras
leva o segredo bem guardado
de passar rondando poços
lento quase devagar

por quê apressar
se a planície é rasa
e o homem nem presta atenção
as águas sabem onde vão

Rio, agosto de 2013



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

ANA LUIZA (a luz do luar)

para Ana Luiza 
no seu aniversário de sete anos

você trespassa minha vida
como o luar que alumia
a varanda de meus tempos
por onde entrou o seu amor

vi-a nascer enquanto renascia
por seus dons e encantos 
a beleza
de ser primeira a inspirar meus versos

com você tomei as primeiras lições
de ser avô


Beijarei você (ternamente) no seu dia (12.08)

Rio, agosto de 2013




 

domingo, 4 de agosto de 2013

FUGA



por essas e outras coisas
tudo quando termina
tira um pouco do senso
de quando começou

tenho a memória do ritmo
e do som dessa água
toda a agonia do  rio
uma só vez a passar

mais além do outro lado 
à distância que está
tão perto tão longe
o inútil inquietar

sinto a tensão 
da energia e da sombra
sob a terra macia  
onde não há desafio

esse é caráter da fuga
sem resposta na curva de ida
essa não é outra coisa
mas ela mesma sentida


Rio, agosto de 2013



sábado, 3 de agosto de 2013

AUSÊNCIA


a noite desiluminou a lua
da janela o mar rola suas águas
em ondas intuídas sentidas
deste lado jaz o silêncio  
enquanto a memória busca ideias 
que se esvaem no tempo
inconsequentes

é noite surda sem presenças

Rio, agosto de 2013




VERSOS


versos nunca são meus

palavras estranhas a minhas mãos
surgem ressurgem uma outra mais outra
sob meus dedos
perdidas sobre um papel 
qualquer

Rio, agosto de 2013



PALAVRA



no papel a palavra trespassa
o eu que escrevo

inércia sem ritmo ou sonoridade
na vastidão infinita dos sentidos

impulsos sobreviventes 
onde me afogo 

Rio, agosto de 2013