quinta-feira, 29 de maio de 2008

SENSAÇÃO






sufoco!
o ar que me falta impede-me de pensar
na ilusão de tantas sensações

coisas passadas
algumas sigilosas
quantas presenças
deixaram de alimentar meu coração
mas durarão a duração do tempo
como vento
além do esquecimento...


Londres, maio de 2008.



CULTO




Quem sou já não posso medir
mas sou um homem vivido
um rosto
cristal lapidado na experiência
tramado nos sonhos
translúcido sob a baça luz do poente.

Tardio tempo de antecipadas decisões
que jamais tomei
não me permite o que poderia ter sido
no movimento de astros
imprevisivelmente previsíveis.

Contenho-me diante da noite que o crepúsculo prenuncia
a decifrar naipes embaralhados
e meditar sobre a próxima casa
antes de mover pedras no tabuleiro
da dúvida e da quietação.

Estranho o que me é dado
desconheço o que produzi
não ouso supor o que será
apenas
debruço-me sobre o tempo.

Vaidade não há
transpus os umbrais dos sentimentos mortais
e não pretendo o Olimpo
que sou apenas homem a perseguir o inevitável.

Nunca saberei o que se passará
outras formas outro ser outra dimensão
outra face de vida transbordante
sensível mas invisível
como o vento.

Acima da verdade sobrevivo abaixo
a realidade adquirida
na percepção das coisas independentes
dos deuses ou das gentes
no eterno culto da vida.

Londres, maio de 2008.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

ACHADOS E PERDIDOS




Estava eu em meio de achados
impacientes por não serem encontrados
entre perdidos mal-amados
não atinei por acaso procurando-me
a ilusão nem mesmo encontrei
o outro que era eu no achado que perdi.



NYC, junho de 2002

FANTASIA




A fantasia está dentro de nós
não é a alma mas nos dá vida.


Roma, janeiro de 2004.

SONHOS

.

Os sonhos são a realidade querida.

Roma, janeiro de 2004.

VIDA


a vida é o que sou desde que nasci
sei dela porque existe em mim.


Roma, janeiro de 2004.

GOTA



A memória de ilusões evaporadas
é palavra ultrapassada
em seca lágrima.
Au delà des mots
sou a última gota sem pena.



NYC/Roma, julho de 2001/setembro de 2003.

ALMA ERRANTE




Minh’alma errante erradamente erra
em mil espaços e não tem lugar
ilude-se em seus vôos longos
com o simples brilho de onde existe ar.
Sua ida-e-vinda não me faz um outro
sou o mesmo sempre a sonhar
sou aquele que da metafísica
fez romance tolo e desejou amar.
Quem sabe um dia cansada de voar
pouse e descanse sem depender do outro
que não a quis e se perdeu no olhar.


Roma, outubro de 2003.

DESAPRENDENDO



Teimo em ficar
onde não quis estar,
não pude ir.



NYC, maio de 2001.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

PÉRFIDA ALBION



Chove na distante Albion
que me toma os dias sem me ser presente.

Deixo existir o mundo e faço destas mãos cúmplices
do sentimento ausente.

Frio não quero que me conduzam mãos alheias

porque fico
mas com sonhos
num espasmo da esperança de reaver o sol

Cumpro o rito

movimento obliquamente o vento
polidamente a medir os gestos
e o vago pensamento do filósofo doente.

Vazio regresso à chuva e tento.

Londres, maio de 2007.

MANHÃ



ondas preguiçosas desenrolam espumas
sobre areias perplexas com a intimidade do mar


o movimento desperta a sensualidade adormecida
atravessada pelo sol no limiar da manhã


[neva em Londres e as ruas brancas estão vazias]

Londres,saudade do Rio em pleno inverno 2007

FLORES



flores não florescem no frio
passado o tempo da esperança
florirão?

Londres, janeiro de 2007.

IS THERE HONEY STILL?



Nunca sei se enfrento a realidade quando estou perto de partir
atraso o relógio para chegar a tempo

nada tem sentido velado
tudo parece muito claro

relógios não marcam horas no escuro

interrompo o que escrevo para clamar aos que a certeza toca
que não pertenço a nenhuma geração
mas encontro razões ocultas em cada coisa que vejo
nessa erma noite da dúvida

I look upon the sun
to see black upon my eyes
bewildered

os detalhes incomodam a paz que nunca tenho
onde termina a estrada?

aqui é dia e um sol tímido clareia a relva dourada
a chuva cai
tenho comigo a estrada que me obriga a olhar à frente
e ver o emaranhado das encruzilhadas
nós e o nó

o tempo esvai-se

time and time again
so I have to read it again
so I have not left
so I stay
I insist in staying
elusive

são tão breves os dias
são tão breves os anos...

que horas são?

parece tão clara a brisa...
e a névoa?

I have to read it again from the beginning
whispering through twisted lips

as decisões que não tomo

where there is peace
clouds adrift in clear sky

imagem de quem quer ver
para conhecer o sossego no desassossego
de encontrar o tempo

I should find it. Strange is to imagine
that I have to leave
to stay prisoner of my self

medo do que deslembro da emboscada

em cada tronco esgalhado da excitante solidão

que importa se eu não publicar mais nada?
deixarei alguns amigos sonambúlicos com o que escrevi
e não entendi

a verdade é talvez não haver outro homem hesitante
que tanto indagasse da partida e da chegada
às dez horas da manhã

Is there honey still for tea?
[1]


Londres, janeiro de 2007.


[1] Rupert Brooke, The Old vicarage…

FIRENZE



“Però se alcuna volta io rido o canto/
follo perché io non ho se non questa una/
via da sfogare il mio acerbo pianto."//

[MACHIAVELLI, aprile 1513]


Se ao artista é lícito admirar a própria obra
o homem tem motivos que superam suas virtudes
para viver Florença e seus segredos
olhos baixados humilde diante da grandeza.

Como certezas morrem com os que as tiveram
a imortalidade vive
independente dos mortais que a fizeram.

Entre alma e emoção
recordo um prazer que me fala ao coração
e separa-o da alma para sobreviver nesta canção.


novembro de 2007.

LONDRES



Sigo a direção do vento
esta cantiga pobre de desejos quase é silêncio
rictos de melancolia
a vestir palavras no segredo que oculto.

Nada sei dizer no desconhecido fragmento
de que Londres é o novo tempo
exceto [não o nego] não ser este o lugar onde me vi
presciente no dia em que nasci.

Londres, março de 2007.

ROMA


Interrompi vida ao deixar Roma
e esperei que meu grito sufocado
os lábios secos de angústia
rompessem alhures em palavras
mas meus olhos escavaram a pedra dura
do puro desencanto.

Tudo é como ruínas em fundos desenganos
nas escuras catacumbas labirínticas
habitadas de mitos de bravura.

Caminhei porque sem caminho nada sei
horas sem fim
para encontrar meus olhos meus ouvidos
e a palavra
mas só lembrança restou no frio mármore
de colunas elegantes.

Bem sei há outra face que os deuses revelaram aos eleitos
dessa crença de que o homem é feito
de barro e alma no meu caso ressecados
a água é morta.

Nem se trata de crer em deuses no Cristo dos altares
o tempo é findo
e Roma eterna resta eterna.

Meu sorriso de saudade quando a lembro ilumina
a história verdadeira de um amor em minha vida.

Londres, novembro de 2006.

domingo, 25 de maio de 2008

PALHA



o mistério é o que nos resta
o passado inútil é parte da inocência com que a cor do mundo foi descrita
entre pragas e urtigas sobre a palha em fogo do que fomos

Londres, janeiro de 2007.

CLARO ESCURO



reconheço no claro o brilho desse lume
mas nada sei do escuro de onde veio

Londres, janeiro de 2007.

FEBRE



à margem de um verso anotei minha paixão
e era febre ainda ardente
em graus de ausência e de presença
na ânsia de sentir

juntos sossobramos no desesperado sentimento
desfeito no mistério do vil esquecimento

Londres, janeiro de 2007.

NAVEGAÇÃO



amei amigos vestido de ternura
para aprender a partilhar o mesmo barco
no mar da estima e desestima

senti sede de carinho carente de alegria
navegando pensamentos hoje memória
de um mundo perdido entre chuva e sol

esta realidade mescla vida e tédio
fatigada
sobrevivente no desejo
de viver a parte final na suposição de que há mar
sóbrio de razões
para ainda navegar


Londres, março de 2007.

ABISMO


o abismo está à beira de mim mas não o alcanço
como essência atrás do vento sopra esperança e alguns suspiros

nele um grito é só um pensamento

o eco são tristezas

acima olhos sussurrantes como vidros
desfloram almas
enquanto desço por uma corda rente à pedra
e claridades brancas põem a nu a solidão

diante do desconhecido peço tempo
para entender a divindade
mas tenho medo do que sou de costas para a noite
onde o próprio Deus na realidade hesita

resta pouco roucos sons em outros planos
de um desejo superado de outra solidão
além de mim em tempo transtornado
o abismo não consente


Londres, março de 2007/revisto em maio de 2008.

DESVAIRO


[à minha idade provecta]

sonhei que sonhava descuidando os anos
nenhuma estranheza em caminhos naturais e calmos
onde conheci desejos encantados na surpresa do ocaso

sonhei olhar o passado

no horizonte onde descobri o sentimento
como quem conhece ilusão desilusão e fado

sonhei a poeira do sol sob orvalho
sonhei um novo universo
verde no inverno quando nascem flores
e almas descobrem o sexo

sonhei que sonhava palavras sob luzes paradas
de um segredo aberto no prazer estranho ao mundo
de um lentíssimo incêndio

sonhei a ânsia de reaver o tempo


Roma, março de 2003/revisto em Londres, maio de 2008.

Villa Lobos - DEVANEIO

a minha mãe

boneca de pano

o piano entoa o canto de minha terra
no riso da criança sem nome
como boneca feita de pano

desterrado
essa música lembra o que amo

bonecas da minha gente
falam aos olhos do mundo
como céu antigo de sol

esta estrada musical fere

abstrata gente a olhar
nossas lendas a natureza e o mar

cirandas de afetos vividos
roda tortuosa em sons que convidam
a não morrer nos meus sentidos

essa balada é som primeiro de vida



Roma, março de 2003/revisto em Londres, maio de 2008.

sábado, 24 de maio de 2008

CHOPIN




o noturno afaga a ilusão do sonho ido
persegue meus segredos
em si maior
notas perdidas enternecem meus ouvidos


em processional grandeza a música é chama


Roma, fevereiro de 2003/revisto em Londres, maio de 2008.

ALEGORIA



[en una aburrida sesión del Codex Alimentarius]

palabras rituales


el alegorico vence el sueño
y tu entre palomas blancas
llegaste como mancha entre papeles amarillos

tu traje era una flor marina
sobre la polución de mis deseos encubiertos
y tu eras mi primer amanecer…


Roma, julio de 2003

LUA


há um lugar no cair da noite quando a lua
me traz a voz calma
do mistério

tudo começa às seis horas do entardecer
a cirandar seus cantos

menina dá-me uma rosa
rosa faze o botão…

à sombra do dia vem o luar
rente ao chão
onde o sol fora a razão
*
[tom distante
de um mozart hesitante]
espalhados
a calçada de buracos os brinquedos quebrados
de tanto rodar [cansado] o pião
e a tarde
pressentindo gerânios
camélias
as flores amarelas da imaginação

sobre o muro
o girar dos girassóis

este poema é saudade
no mistério do entardecer
como a lua cada dia
eterna em seu flutuar


Roma, 28 de janeiro de 2006/revisto em Londres em maio de 2008.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

MACH is MO



idéiasquenãosãominhas
(mach is modis farça do)

manei rade diz erco mum aoutrosho mens
mulhe res mu lher
esahaaha mul
her espen samm ui tome nos.

nyc, abril de 2001

CAVALOS [divertimento]

cavalos galopam velozes velozes galopam cavalos galopam cavalos velozes galopam velozes cavalos
cavalos velozes galopam

galopamgalopamgalopam
cavalosca
va
loscavalos

cavalosgalopamcavalosgalopam

sonham cavalos de meus sonhos
sonham sonhos de cavalos
galopam velozes


NYC, agosto de 2000.

PERIGO




o perigoso é viver
sem vida não há perigo sem risco nem mesmo há vida
o risco é o perigo o risco está em viver


NYC, setembro de 1999/revisto em Londres, maio de 2008.

DÚVIDA



A dúvida sempre me pareceu o princípio de tudo.
Tive certezas entretanto e pouco errei nelas.
O tempo passou e minhas certezas, todas elas, transformaram-se no que vejo qual dúvidas fora do tempo,
justo no tempo em que tudo são dívidas do fim da vida, último alento.


NYC, junho de 1999.

POESIA



também a poesia é filha do mistério
vive de mantras
em que metáfora ritmo ou rima
são orações de um culto pagão
onde a beleza é necessidade
de que o fundamento é o mundo.

Não se espantem com meus conceitos
como o diabo de Pessoa vivo de símbolos
nada devo à ciência nem articulo razões
empenho a alma e talvez o coração
como qualquer poeta que sente com o pensamento
mas não crio
os seres [vários] que trago comigo.


Furto-me ao convencional aristotélico
perco-me na eloquência dos silêncios
que me povoam o pensamento
fustigam-me o sentimento
com aspirações e desejos
fadados a explodir como poema.

Assim o poeta é um velho adolescente
vive de lembranças às vezes tristes
sobre o anoitecer
mas agudiza a memória nas tardes
de muitos sóis
a preceder a suavidade das noites

lugar de todos os sonhos
contraditoriamente
a lhe trazer alegria.

Ora, não sou a verdade
sou o poeta
na tentativa de ver sempre claro
os contrastes [que] são o sal da vida
o amanhecer [que] é cada dia
e cada dia é poesia.


Londres, maio de 2008

segunda-feira, 19 de maio de 2008

A VOZ DO PAI


de um soneto de Borges

o tempo no passado está presente
como a chuva que é passado quando cai

e cria em seu compasso
nascer e renascer
viver e reviver

assim ouço irrepetível a voz do pai
que sempre esteve e permanece como pedra
em verso incertamente
pedra sobre pedra
na alma na memória na vontade
e em nosso pensamento
certamente

Londres, maio de 2008

domingo, 18 de maio de 2008

E-MAIL


a alguém que sentiu minha poesia

Para quem acabo de descobrir para sempre
meu segredo caminha para onde moram os sonhos
e os sonhos aonde terei paz
no que hei de ser
sob a tutela do coração que me cura a alma
o entendimento que me confessa jovem
mais oculto do que mesmo sou.

Londres, 18 de maio de 2008

BRANCO




a nostalgia das folhas que decaem douradas
sob o silêncio e o vento frio
traz o branco

vem a saudade dos anos que se perdem
nas cores mutantes
de instantes que já foram vida


Londres, novembro de 2007.

LUZ DO MUNDO




Se aqui de Londres a razão me serve para esfriar a emoção
e deixar de ser densa alegria
o mundo torna-se sonho do que está em volta
inteiro acima da verdade
na memória sumarento a extrair luz e calor do pouco sol.

Londres, um domingo de março de 2008.


FERNANDO PESSOA



não ha quem não se debruce à janela para admirar os últimos raios do sol
já vermelhos contra o jogo de sombra e luz que reaparecerá em sonho
atravessado pelo segredo deste verso
não ha barreiras nem da ilusão a perturbar-me o olhar
o corpo regressa embebido de vida ao ofício do mundo
consciente de Ser no universo.

Londres metafísica, maio de 2008.

RENASCIMENTO




Esperei o poente para entender crepúsculo, não a escuridão
mas momento em que a luz deixou de ofuscar
para ser mistério de compreender a eucaristia
de meu corpo e sangue como vida

não abdiquei da luz mas a mudei de lugar intimamente
para fazê-la o limiar de outro nascer.

Londres, maio de 2008.

sábado, 17 de maio de 2008

VERSO

há sempre um lugar onde o verso deixa de ser poema
Londres, maio de 2008
!

PRECE




Abri-me novamente olhos adolescentes
para fazer tardia a chama nascente!

Londres, janeiro de 2008.

TERRAÇO



À frente de minha janela o terraço
balança a velha senhora
que expia sua culpa

sensitiva
sem jamais sair de lá

ao lado de uma janela dorme um gato
a preguiça secular dos gatos
que finge morto

soam sinos sibilando
o dia que o sol dourou
para a penumbra que já se faz
em baixo na ruela estreita
de vida tão pequena
que a senhora espia em agonia

os cabelos argentinos ao sol dourados
cerra os olhos à claridade
que se vai agradecida
com o calor do dia que adormeceu o gato

abandonada contra o escuro
abre os olhos
beija a sombra visível
para não ver e não saber
se os olhos cegos
ainda tem vida

Seis horas seis dias seis semanas
tristeza
anos de solidão solidão senhora
na desmemória
do passado sem futuro de seu dia

a cena repete-se sem alegria
e reincarna a velha senhora
em suas fantasias
vazias

Roma, setembro de 2004.

TRISTEZA




Não te quero tristeza
não te quero
não quero o medo que trazes
ao meu triste coração

triste mundo triste sina
triste vida triste tudo
que as musas não me assistindo
triste vou resistindo

sonhos não me fazem bem
morro de triste sabendo
que triste não tenho ninguém.


Roma, janeiro de 2004.

NÃO AGORA



[uma canção]


Não, não digas nada,
velejo bons ventos,
o vento sopra sereno
e a gaivota sem medo
tem a pena de voar,
não sofre por não pensar.

Nada digas. Não é a hora,

não agora
meu barco veleja ameno
outra vida é outro mar.


Rio, janeiro de 2006.




CANTIGA DA MORTE



[e da desesperança]

Não há mistério na morte,
há sofrimento na dor,
que para mim é lembrança
de um tempo de muito amor.

Sinos não dobram à sorte
da alma que já se foi
choram a desesperança,
aquela que vive e ficou.


Rio, janeiro de 2006.

CANTIGA



[desengano e paixão]


Oh Senhora que me tens cativo de teus olhos claros
que não me olham nem me verão
oh minha musa tu me tens passivo
triste só comigo
verdade que não dirão

oh bela dona porque não me vês
com teus olhos cheios de razão?
Flechas que não se dirigem nunca chegarão.


Rio, janeiro de 2006.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

RETROSPECTO



esperei o que os sonhos diziam
a mangueira no quintal mangas maduras
o verde aroma da chuva

esperei a alegria dos filhos
a gaiatice dos netos
o fruto maduro da idade
a me fazer desejado

de poema em poema
vou encontrando o remanço
os mesmos sonhos e o mar


Londres, maio de 2008

quinta-feira, 15 de maio de 2008

BOCA



a boca que desejas
não será a mesma que te fala
nem jamais a que se cala

a boca é a perfeita abstração
do que não diz
nunca do que queres
se com ela te alteres
quando cala

a boca não escreve fala

NYC, agosto de 2002.

MUDO



do que me lembro esqueço
quero falar mas não posso



NYC, dezembro de 2001.

LA BOCCA DELLA VERITÀ



la Bocca della Verità não diz palavra
é pedra fria
non c’è niente da dire
nem memória
a palavra é il vuoto della storia!


Roma, fevereiro de 2003.

UM DIA QUALQUER



este poema fala da ilusão de um dia esquecido de uma vida qualquer no tempo desmentido que não tinha esperança lá atrás
este poema sobrevive entre lembranças despojos como remorsos
sozinho na solidão


Londres, maio de 2008

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O POEMA



[uma interpretação]
um poema-teoria para Claudia Ferraro

O encanto poético é mágico
palavras que se juntam e partem
para quem as quiser receber
como os sonhos
produtos do inconsciente
para ser encanto.

Magia é o sentido de encanto
uma percepção inexplicável
um ritmo interno
que está na metáfora
nas sílabas justapostas
nos acentos e tons a perpassar o poema.

Às vezes o ritmo é forma
outras tantas é sensivelmente idéia
fundo poético

nunca é lógico
na explicação linear
nem na discussão dialética.
Prosa é razão
poesia é emoção
menos do que sentimento
uma sensação
abstrata sutil sem razão
aparente.
Inicialmente o encanto é do poeta
enquanto escreve
ao descobrir o transporte
que a palavra propicia
entre o inconsciente e o texto
cujas idéias insinua;
acaba por ser do leitor finalmente
quem lê e recria
o mesmo texto
em outra dimensão
que é a da sua cultura
sensibilidade e imaginação.
O poema é livre
o poema voa.

Londres, maio de 2008.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Villa Lobos





Maior que tudo a música é cada coisa e todas elas no seu tempo
sons que me consomem em ondas a derramar-me em vida
a melodia ecoa o som de minha gente

toque do congado
a lembrança de cada coisa passa e todas passam no meu tempo

passa passa gavião
passa cavaleiro
passa

convida a sorte
pula roda viva

soa violão!



Roma, 18 de janeiro de 2003.

BALADAS



quatro Baladas desvendam o segredo que o piano guarda solene

Glen Gould

soa o momento quando o gênio retempera a criação

na tarde o que foi instante
fez silêncio.


Pressenti a balada antes de acontecer

Brahms
em noite de pertencer


NYC, janeiro de 2001.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

PRIMAVERA



hoje de manhã o mundo era diferente
e o passado irremediavelmente ausente
qual girasol no olhar fitando luz


floresce o amor no justo tempo

não fosse apenas flor nos olhos das crianças
redescobrindo o sol

é primavera em vôo de abelhas
rododentros narcisos coloridos
como negação de minhas hesitações

descuidadamente vivo.


Londres, manhã de 12 de maio de 2008.





ENTENDER ESTRELAS



Mensagem para Maria Luiza

No homem tudo é fadiga desde o nascimento

nada o pode consolar de haver nascido
assim a poesia é claro sentimento
desde o primeiro e inicial vagido.

Vive o poeta de mirar estrelas
e olhar maravilhado o firmamento
que Deus pôs lá a permitir que lê-las
Lhe revelasse o divino pensamento.

Nada é verdade nem falso
que não seja a sutileza de um sentir tão alto
que ultrapasse estrelas

e seja a doce inspiração de tê-la
leal fiel e companheira no alto de meus dias
em busca ainda de entendê-las.


Roma, 4 de fevereiro de 2006.

DIVAGAÇÃO



deuses e heróis em densa bruma
no cruzamento da eternidade com o tempo


Roma, julho de 2004.

DESESPERANÇA



Sonhei que me recolhia para colher pensamentos
de um momento de desesperança
entre a contradição e o absurdo
de um dia de alegria.

Era noite de melancolia.

Sonhei que um murmúrio ligeiro amanhecia
como regato em busca de silêncio

na realidade louca.

Que importa se o ruído estilhaça o silêncio
e tudo apaga a consciência?

Sonhei que sonhava a desesperança como vil ausência
na noite em que me recolhi
para conhecer pensamentos.

Não sei se o que sonhei nem se o esforço
de recordar me apoia
ao escrever o que neste papel é dúvida
uma inquietação indefinida
que esse ruído de existir me cria.


Roma, 2 de abril de 2005.

CREDO



Creio Senhor em Tua Vontade
sou dela eco sustenido
e no Teu Amor sou sustentado
minha oração é feita de silêncio
sussurra por ela a natureza
os campos e um céu pleno de estrelas.


Perdão Senhor de minha fraqueza
de não poder tirar os olhos
do pequeno que me vejo
no descuidado sentido do universo
incapaz do Teu mistério.


Roma, 2 de abril de 2005.

domingo, 11 de maio de 2008

ANÁLISE

conselho a um amigo

Nada pergunto
não te quero conhecer neste exercício racional
o passado ignorado só te pode fazer mal.

Se tens respostas murmure-as para ti mesmo
como pescador para que o pescado não lhe fuja
o passado é o futuro
a pedra que deixastes no caminho.

A cura de quem és parte de tuas convicções
lá no fundo do teu eu.

Desvenda a pedra
serás dono de ti mesmo.

Londres, março de 2008

IMEMORÁVEL



desmemória
tudo que esqueço é limiar de tardias lembranças
memória que a sentir me lembro
densa em deuses e heróis de um olimpo ultrapassado
sombras que aceito sem mais nada
entre fraquezas de quem vende imagem
a custa da verdade
Será este conto imemorável?

Londres, outubro de 2007.

FÚTIL



perplexidade de não descobrir a palavra desejada
sílaba por sílaba a tornar-se idéia

não sossego na incerteza da letra em queda oblíqua
no foco de meus olhos
não me aquieto
não me excedo em gestos
morro devagar
na inútil busca do contexto
que não encontro neste texto fútil.


Londres, março de 2008.

EXPLICAÇÃO



fôssemos nós imortais e não haveria ilusão
o tempo nos daria a palavra e o gesto desejados
a trêmula alegria passageira
instante e sentido de viver

o gesto é coração a ira é explosão
do esforço de comunicação
a palavra ah a palavra
sem ela nada explicaria nada
do sem sentido e sem razão


Londres, março de 2008.

INSTANTE


minha poesia complicou o que não disse no que disse
da pedra mais pesada que o ar
tentando flutuar

fez drama da comédia
por pouco não desaba em tragédia

mas escuta
escuta que ainda tenho coisas a dizer
só não digo o que não tenho
palavras
em cena de realidade mas sem vento

e vem o tempo com o instante de viver
na hora de encontrar quem não se quer

Londres, maio de 2008.

sábado, 10 de maio de 2008

SOMBRA



a sombra que deslumbra
é a mesma que alumia


Londres, abril de 2008

CREPÚSCULO



Céu que vejo
terra que deixo
ave de arribação
pousa poesia
no crepúsculo do olhar.


Londres, março de 2008.

MEADA



meada que perdeu o fio
enrosco-me em torno do nada


NYC, dezembro de 2001.

PERPLEXITATE


I

a alma que era minha perguntou
a alma daninha respondeu:
não está não chegou jamais partiu

II

questionou o espelho em que se via
quem é você que aí fora pensa ver

será objeto ou o reverso do sujeito
se os dois lados nem estão fora nem dentro
do externo que ao interno já não vê?

III

um grito de garganta
nem minha nem alheia
mas eco na distância
de alguém que gritara a sua ânsia

se não sou o que gritou
nem alheio posso ser a quem ecoa
o grito que de mim não se ouviu?

IV

existo mas não sou o que viveu
serei o urro que não dou

o eu imaginário
já não pensa não vive já se foi

V


distraído da chegada pensei não ter partido
caminhei caminhos não a trilha do que sou
distraído à partida chegado aonde não cheguei

VI

gostei do que não tinha
o que fiz não alcancei

o que tinha não usei
descuidado sossobrei


NYC, junho de 2001.

BACHIANAS



é domingo novamente
as Bachianas soam como pensamentos
soltos na liberdade matemática
de pensar
o frio que evapora
perfumes
à brisa progressivamente quente
notas no seu ir e vir e vindas
vem a primavera sem demora
na paz do som achado em sol
o fá surdo e solene
da saudade
em notas altas
forma precisa
emoção indecisa
tocadas ao ritmo da vida

Roma/Londres, janeiro/maio de 2003/2008.

LEMBRANÇA


foram-se distraídas
abertas par a par
quentes ilusões frias lembranças
a me deixar sem recordar

breve tempo curto sonho sustenido
breves e vividos
longo sentidos
sempre sofridos



Roma, outubro de 2003.

INVERNO



estrada sob neblina a ofuscar meus olhos
rumo à procura da última trilha
que me leve ao mar


Londres, fevereiro de 2008

MANHÃ



ondas derramam espumas
sobre areias perplexas com a intimidade do mar

o movimento desperta a sensualidade
atravessada pelo sol no limiar da manhã
irreversível


Londres, saudade do Rio em pleno inverno 2008

sexta-feira, 9 de maio de 2008

...


...

polidez enviesada

indireta à úmida janela
onde o desejo não se revela
fascinante não fosse sombra
pedra lisa
em meio ao oceano


Londres, fevereiro de 2008.

PEDRA



é difícil a ilusão
do alto do penhasco

pedra abaixo
olhos fechados

feridos pelo tempo

amigos preparam essa caída
mergulhados na areia quase líquida


Londres, fevereiro de 2008.

NÓS [de laços e nós]


nos laços a vida enlaça e tece nós
górdios
impossível desatar
laços que desatam foram nós também
que amarraram e nos perderam
eram só nós
sem circunstância
acidentais

quando os olhos são brancos
se não podem ouvir o pranto
o nó sufoca o grito
na garganta o nó é cego
não é górdio o cego

gente que vai
seiva que esvai
passam
não se cruzam jamais
não somos nós que nos queremos
sombra que não vemos
nossas mãos entrelaçam-se
por isso temos nós os dedos
sempre nós
mão na mão
juntas como nós
nos aceitamos.

Roma, 19 de abril de 2002

quarta-feira, 7 de maio de 2008

PRÊMIO POEMBLOG


Eugénio de Andrade diz em um poema:

"Um amigo é às vezes o deserto,
outras a água.
Desprende-te do ínfimo rumor
de agosto; nem sempre

um corpo é o lugar da furtiva
luz despida, de carregados
limoeiros de pássaros
e o verão nos cabelos;

é na escura folhagem do sono
que brilha
a pele molhada,
a difícil floração da língua.

O real é a palavra. "

Outro dia recebi um prêmio de poesia concedido pelos editores de POEMBLOG [http://leaoramos.blogspot.com/] o que me encantou
a ponto de me sentir poeta.

O real é a palavra
assim transcrevo o poema
que é um pouco o subjetivo
de que o objetivo é minha função:

Emigrantes Imigrantes

DOWN THE RIVER DOWN


a muitos perdidos nesta cidade dura
[ao imigrante]




encontrei-o numa rua de Londres
escura e cinza mas havia brilho
no olhar que dizia da crença
de um lugar ao sol
onde o calor aquece a alma
entre duas batidas do coração.

no outro dia vi-o em outra rua
ensimesmado destruído
mas havia brilho jovem no olhar entristecido
a recordar a fé
no retorno se tudo não der certo

vi você várias vezes vários dias
no ensaio impreciso de ser sem reconhecer
o ruído de linguagens hiatos de silêncio
discutindo o passo
o peso a medida o custo em valores estranhos
no cálculo insistente do que nunca se tem

estranho a seus próprios sonhos
você não tinha nome nem os lugares tinham
em que o vi
tudo isso foi há muito tempo
asas desgarradas
azul que não mais se vê

mas a terra na memória
presente que se busca fora
para desencontrar-se desesperadamente dentro

unknown places
strange faces
hostile world
away from home
manifold

você estava só
e a multidão em torno acentua a solidão
no amor do nada
sussurros sombras suspiros
passo a passo o instinto reabre
o livro do tempo
e suas imprecisões

ansiedades afloram fantasmas
sombras em rio enclausurado
que avança e reflui sempre indeciso

um dia inútil
mal pensado mal vivido mal sonhado…
no modo ingrato de pensar
o próximo passo a hora seguinte o minuto que não passa
na espera já quase eterna
que o distancia de tudo e do interesse no mundo

esvai-se o tempo na manhã de vidro
tateia no escuro a noite exasperada
também o dia morre

the Sun itself, which makes times,

as they [all glory of honours all kings] pass, is elder by a year now…[1]

mais um dia e a alegria prometida
o mar é longe o ar é frio
preguiçosa
tragédia de buscar fratura no tempo
e desencontrar esse abandono
nas ruas desertas
a luz queimada
o homem inteiro dividido
ao meio estranho
desgarrado anseio
devassada realidade crua
de sobreviver para comer
o vento frio a carne nua

tropical para o calor do sol
você de novo em outra esquina
equívoco
um pouco menos fatigado
esquivo
ensaia palavras
olhos onde mora a alma em busca
perde sílabas
horror do erro
da linguagem do passado
presente e esquecido
e todo o tempo lembrado
mesclado em cores sem futuro
no caminho sem rumo
em plena selva escura
de quem desconheceu o inferno antes

palavra que fenece
mensagem do além mar trêmula alegria
da antiga certeza
da realidade perseguida noite e dia:
- lute mas não sucumba à mera luta
não desista mas não perca a vida
desarmado deslustrado ignorado

eu encontrei em você um homem
disposto a tudo
transposto do passado
o presente pronto em plena escuridão
onde não o reconhecem
nem ouvem
nem o vêm
em plena floração

usado abusado no desconsolado comércio de palavras
mal ouvidas mal sentidas descomprometidas
polidez fácil desamor
entendimento entrecruzado entre hiatos
de moedas dispendidas
na sede seca de amor
a qualquer preço
nesta praça que não é a outra

sai de cena
a cada entrada no túnel
em um trem de underground
perseguindo túneis
para lugar nenhum
derradeiro

olhar a dúvida muitas vezes medo
do espelho estilhaçado
no South Bank over a bridge
people strange people
down down socorro
down


Londres, fevereiro de 2007.


[1] John Donne [1572-1631] from The Anniversary

SCHERZANDO



Scherzo
NÃO PENSAR É SÓ PENSAR
[Millor?]


aos meus amigos para dar trabalho ao cérebro


“Sólo se mueven las cosas que no cambian.”
[Abel Martin e o mote sobre o movimento]


a imutabilidade é movimento
espaço movimento mutação
testemunho


pedras de Santorini


imóveis no tempo humano
como o universo em nós
paralizado
e entretanto movem-se

movem-se e portanto não mudam
ou
mudam e entretanto não se movem

talvez
em qualquer ponto no meu tempo
o movimento congelado
no tempo move-se

“Tudo é orgulho e inconsciência […] a química direta da natureza não deixa lugar vago para o pensamento.”

[Creio que Fernando Pessoa]

o testemunho não ocupa espaço
é desprezível na simbologia das pedras
entretanto do ponto infinitesimal em que me encontro
é o universo inteiro

e solo cambian las cosas que se mueven
o
no cambian las cosas que no se mueven


[certamente eu mesmo]

ínvios e incertos
não duvides
da inutilidade da dúvida
da incerteza do inútil
da inutilidade da certeza.


Londres de antes de sempre e depois 2008.

Plágio ao contrário


[escrita no ano 2000 modernizada em Londres 2008]


“Mon âme en est triste à la fin,
Elle est triste enfin d’être lasse,
Elle est lasse enfin d’être en vain.”
M.Maeterlink/Manuel Bandeira



Minh’alma não é triste nem triste está
talvez cansada do corpo
velho e acabado
chega lá
rodeia ponteia passeia
já não quer muito só o quer morto.

O corpo sim é triste
viveu demais
não encontra razões quem sabe aquele alongado sopro
a vida um pouco mais
p’ra fazer valer o coração
e afirmar que nada foi em vão.

NYC, fevereiro de 2.000.

VEM (MORRO!


[composto em 1999 reformado em Londres em 2008]

Vem chega de mansinho
traz o sussuro do carinho
que preciso viver para morrer
ainda a meio do caminho.

Vem chega logo vem
diz
porque a vida corre
p’ra fazer passar (e não socorre) aquilo que parecia feliz e foi mera sobrevida enquanto só (ninguém mais) o destino quiz.

Vem vem comigo viver o conhecido
pensamento concebido para enganar
e não viver
resumo de tempo passado
horrível tempo
vivido só p’ra acelerar não p’ra saber.

Vem vem calma a morte
com sorte
já venho também.

Vem deixa acontecer em paz o amor tranquilo que a pena em morte (e só ela) traz.

Vem não me deixe só eu não vivo
morro.


NYC, agosto de 1999

POÇO


[metáfora poética de 1999 reformada em Londres em 2008]


meu pensamento jaz no fundo de um poço
no fundo de um poço afoga-se o sentimento
mas será necessário o poço?
já não sei
porque não ouço
estou eu no fundo do poço.


Rio, dezembro de 1999

SEGREDO


[escrito em 1999 reformado em Londres 2008]


Não direi o que não sinto
e sinto tanto…
porque dizer então porque insistir na transparência
que a vida não exige e o mundo não entende?

Se sentes o que dizes
melhor cuidar-te
e precaver-te
da condenação e do desdém.

O mundo é mau
perversa a vida
se sentes não digas
se dizes não sintas.

Vê na vitrina
não te exibas
os segredos humanos
são produtos culturais
da incompreensão.

O homem escondeu
cuidadosamente
seus mais íntimos sentidos

e criou o preconceito.

Cultura é tudo aquilo que o conhecimento humano apreendeu
muito mais do que expõe e nada do que revelou.

Qual banco de gêlo
o que flutua é maior do que se vê
a base é imensa
o segredo submerso
frio asfixiado
ignorado e não visto
garante o equilíbrio.

NYC, junho de 1999.

QUEM BATE?


[escrito em 1999 reformado em Londres em 2008]

Na porta de minha casa dorme gente que nela não entra que nela não bate que não pode entrar a porta de minha casa fica à espera dos que não entram.
A janela defronte é um mistério.
Ninguém nela aparece nela nada se vê a janela fecha a janela abre e tudo o que tem é “courant d’air”.
A rua de chegada é larga,
só tem gente que não conheço
mesmo quando me vejo nela.


Como é minha casa? Grande pequena alta baixa?

Não nem uma coisa nem outra nem a alternativa delas minha casa tem janelas que não se abrem e portas fechadas sem gente dentro minha casa é vazia de mim mesmo dentro eu não tenho nada
fica gente de fora da porta da minha casa gente que estava fora gente que quer entrar sem contar muito importante gente que já saiu.

Minha casa sou eu mesmo que nem mesmo “courand d’air” deixo entrar para arejar o mundo escuro que me tomou e sufocou
fica todo mundo fora ninguém entra a porta é só lembrança de quando alguém entrou e não ficou.

A janela defronte é bem um símbolo dos que não me vêem nem querem ver.

A correção inapelável do tempo virá o tempo trará consigo a indesejada das gentes que entrará pela porta fechada penetrará as janelas e antes da “courant d”air” me penetrará.

NYC, fevereiro de 1999.

MEA CULPA


[escrito no ano 2000 reformado em Londres 2008]



Juro por Deus que não sei juro por Santa Efigênia juro por São Ezequiel juro por todos os Santos que afinal nada sei.

E se soubesse faria?
E se fizesse veria?

Pois aí vem São Tomé
o que quer ver para crer.

Juro apuro perjuro tudo o que sei e não sei mas o que faço asseguro não o farei outra vez
mas o que sei eu não faço nem que me diga o Tomé para fazer outra vez o que quer ver para crer
juro que só não sei nada porque assim me convém o que sei se é nada sempre interessa a alguém.


Rio, janeiro de 2.000

INTIMIDADE


[reflexões poéticas de 2000 revistas em Londres 2008]

A realidade é sonho e fantasia. Entra pouco a inteligência das coisas que não existem sós independentes mas atadas a desejos nem sempre cristalinos.

O real assim visto falseia seu suposto
nem nos leva à verdade nem nos condiciona a demência mas obriga a realidade.

Desejos são forma de reclusão

do seu eu à intimidade,
revelam o que escondem
nos desvãos de seus antolhos.

O sonho é coração em seu conflito co’a verdade escondendo o que revela a quem p’ra tanto tem olhos. Tudo assim ocorre à revelia de mim mesmo

nem sonho nem desejo ou fantasia
eu só
sozinho
sem socorro sem ninguém
sem nada
que me garanta o oposto.


Rio,fevereiro de 2.000

PERPLEXIDADE


[poemeto reflexivo de outra época 2000 reformado em Londres 2008]


passo pela estrada como pela simples vida
encontro caminhos submeto-me a escolhos desço ladeiras galgo montanhas
passo-a-passo caminhante de um sonho cambiante
vislumbro o horizonte e o vejo distante

quem sabe o caminho não pergunta onde caminhar caminha

outros percebem a mudança vivem-na

o caminho mudou a consciência outra mistério em descobrir o destino deixando atrás a certeza vive-se o acaso

há outros para quem o sonho o horizonte a meta tudo é inconstante mas a consciência persiste

este como quem já não sabe o caminho

pára

não vive

é preciso abandonar a consciência para não parar

temo o que sou
percorro a rota do nada

não sei de onde vim pergunto-me para onde vou passo pela estrada e não suporto o caminho já não sei caminhar o passo não sabe avançar

deixei certezas matei ilusões

criei perplexo novas visões

parei andei caminhei parei

sou hoje personagem do que fui

na miragem do que criei

ah se pudesse ser como outros aqueles que vivem sob outra consciência em outro caminho mas não sei

vivo o terror de ser eu mesmo e me manter vivo no caos de ter consciência e não sobreviver dissolvido na dúvida abandonado ao mistério do que serei


NYC, maio de 2000.

terça-feira, 6 de maio de 2008

ALMA COLETIVA


[para Celina seu poema de 2001 revisto em Londres em 2008]

Vivem em nós todos
os que somos
os que vivemos
os que sentimos.
O homo clausus é o composto de que vive a consciência
de todos os que nascemos.
Não há desterro em si mesmo,
existimos porque a natureza se comunica em nós
e os astros sintonizam a irradiação da vida.
Somos quem pensa únicos (talvez) a descrever o mundo
com olhos voltados para o infinito que não vemos
mas sentimos na exigência de ser
que sobrevive à negação da morte
para propor o que exista
no inconsciente coletivo.

O amanhã existe e está presente
na herança do passado
de que somos elo em momento cuja única certeza
está neste presente que não é triste
é fugidio.

Aguardo o prazer da ultrapassagem
súdito dos astros
parte da natureza
que não é ausente nem presente
sou eu ela.

A liberdade de ser é vastidão infinda do brilho de um dia
da noite que habito com a familiaridade das estrelas
da altura de mim mesmo em meu lugar
onde não sou proscrito
mas existo.

"Aguardo […] o que não conheço
meu futuro e o de tudo"*
o fim ilusório da matéria
no concreto quântico do nada
em vibrações que não se explicam
mas persistem no tumulto aparente
do que sou e penso
do que guardo em mim
o tesouro de compreender-me em todos
e todos dentro de mim.

* Fernando Pessoa

NYC, setembro de 2001.

UMA PORTA DUAS JANELAS


[uma reflexão talvez uma metáfora composta em março de 2001 revista em Londres em maio de 2008]


a casa branca tem duas janelas
pela porta central entra uma alma
para falar de luta e de Justiça
concorda que fora dela
a falha humana de sentidos
esconde-se por detrás da árvore sem frutos
que perdeu as folhas
o viço o verde a compaixão.


NYC, março de 2001.

MINHA CASA


[um velho poemeto revisto composto no Rio em janeiro de 2.000]


minha casa é a mesma casa onde quer esteja eu
minha casa é minha cabeça mas às vezes coração
tudo por ela passa
dela não se conhece o amor a dor a vontade
só eu sei o que passa
só eu vivo
só eu minto
em minha casa sobre a dor que não finjo
sinto

sou eu mesmo minha casa sou eu mesmo meu tormento
sem sossego sem sucesso não liberto meu momento
vontade tenho amor não sei
dor o tempo teceu qual rede nos fundos de minha casa
e a ela me prendeu

que fazer viver como?
emaranhado falta-me alento
sei que soube já não sei
nada sei
de fim mágico ou triste
sei que Ela vem
pressinto
a indesejada que chega
a morte qual solução


Londres, maio de 2007.


SENTIDO



a poeira encobre o tempo
nada vejo
nem mesmo sinto
nada do que penso me sustenta
no que resta ser vivido

amargo doce fel
a vida tece momentos
na tela decadente e logo cessa

a presença indesejada sinto cada dia
refém de sua vontade
indiferente

o prazo não me comove
na metafísica da sorte
o sentido tão somente.

Londres, 7 de março de 2008.

MEMÓRIA



Instante tempo que mais não volta
interrompido laço que se solta
dos elos que na vida ponho.

Conheço parte da verdade
a que suponho nua
realidade crua
de um mundo raso fosco e enfadonho.

Tempo laços saudade coisas findas
textura movimento pulsação
bem claras na memória
todas lindas
ao lembrar em sonho sei que ficarão.

Rio, janeiro de 2.000.

MEMÓRIA AINDA



quando o tempo coincidir comigo
abstrato e ambiguo
ninguém saberá o que passou
seremos dois apenas ele e eu
a nos olhar sem pressa
minha casa guardará silêncio
meus retratos serão vistos
na distância do tempo
e não revelarão pensamentos
amigos sussurrantes dar-se-ão as mãos
e silenciosamente entenderão o momento
e então e sempre
a memória lhes dirá
onde estive
entre passagens e lembranças
que se esfumarão ao vento.

Londres, fevereiro de 2007.

BRISA



tudo é passado
tudo é tristeza mas pode ser alegria
o sol renasce cada dia

somos passageiros
parte da mesma viagem
a saber viver com arte

nada devo
mas nada pago
o que devo o vento levou

no passado fui
no futuro prevejo esquecimento
tudo ou nada [tanto faz] vai volta e reflui
agora só pensamento.

Roma, setembro de 2003.

MELANCOLIA




Um torvelinho de sensações
no interior fundo da alma
busca o sentido do que sou
procuro em rodopio alucinante o fim do fundo
na torrente que me tragou
navegando vagas de mim mesmo
o sono da vertigem me desbaratou nessa descida

resta o movimento que contraditoriamente
é nostalgia
sob a luz baça da melancolia.



NYC, junho de 2001.

GIOCOFORZA [14]



"O faticosa vita, o dolce errore,
che mi fate ir cercando piagge et monti!"
[Petrarca]
Oh! Vida tão inutilmente perdida,
que nos condena a vê-la repetida
e inapelavelmente desaparecer!
[Perri]

Roma, fevereiro de 2005.

CONSUMO DE PALAVRAS [13]



dever de extravagância
liberdade sem trancar
fazer de mim poeta
que regra?

quero palavras e versos
sentido no sem sentido
e o esforço de existir

cumprissem sua tarefa
soassem
palavras se tornariam ícones
pedras minha tensão

anônimos versos distantes
dispersos são como gritos

estróina poeta
ninguém consome poemas


Roma, julho de 2004.

SEGREDO [12]



quem me vê não conhece
pensa conhecer e não vê
vivo aquém de mim
moro bem mais além...

palavras que não ouso
palavras não me dizem
o que posso e o que quero
quase sempre sem poder

tenho na alma o meu segredo
escondo-o do coração
a realidade só revela
o meu degredo.

Londres, 6 de março de 2008.

VERSOS INCONJUNTOS [11]



Não sou poeta por juntar palavras
mas encantam-me as cores no verão

a primavera são flores
manhãs que furtam do inverno
intimidade e espaço

palavras flores e cores
cada silêncio em seu lugar
rosas brancas no jardim

é muito pouco o que quero
e desse pouco desejo
não faço nenhum mistério

o balanço de meu verso
debruçado na janela
aquecido pela manhã.


Londres, maio de 2008.

VERSOS E PALAVRAS [10]



Deixo meus versos para quem os leia
num dia de chuva e de melancolia
eles terão o corpo trêmulo de alegria
e a tristeza que pensei como beleza.

Meus versos serão teu rosto
olhos da alma que neles hei posto
tuas mãos todo o carinho
na trégua da distância
sob a magia em desalinho
de meu pasmo.

Escrevo como fiz na vida sexo
junto palavras como juntei corpos
nessa cópula que dá vida ao nexo
para fundir idéias
e suspender meu tempo.

Versos e palavras entretêm teu sonho
e eu pensando em tudo isso
escrevo para não ser omisso
deixando-os fluir ao vento.

Londres, maio de 2008.


ALCANCE [9]



De tanto que eu queria
o que teu amor não contempla
de tanto desejar o que não me podes dar
se mo pedisses agora
antes que eu sentisse morreria.

Londres, abril de 2008.

AD HOMINEM [8]



de que fonte
de que boca a fala consente
de que explosão bate o coração
de que rios a idéia se forma
nesse mar que afoga?

a verdade talvez exista
suprimida ou escondida

e o corpo nesta descida

não perguntes
ouve o murmúrio das fontes
e acredita

o Verbo foi perdido

não há verdade
nem há vontade
o Criador já criou
o que temos é a roda d'água

agora é administrar perdas
maximizar ganhos
deixar que o mundo acabe
fingir segredos
mentir que o efeito estufa
e deixar-se estufar neste degredo

o deuses são homens confinados
imaginando um deus maior
que lhes é igual

vacilantes perdem os dedos
só nos resta cantar
cantemos

Londres, abril de 2008
.

A BUSCA [7]



não perguntes não pesquises
razões se as há

no meu canto
a palavra não existe
eu a quero criar

o ar é pouco
o mar é longe
a montanha fugidia
donde vem?

assim a angústia
no compasso de razões
pulsa em velho coração

sem ela
viver é sem razão

solidão
onde estou faltam palavras


Londres, fevereiro de 2008.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

ENFIM... [6]



no extremo de mim
não estou

nunca estive não sou

a fronteira de não estar
limita o extremo do ser

o silêncio é ser assim
invisível no poema
de jamais chegar ao fim

Londres, outubro de 2007

ECO [5]


Antes que o silêncio gritasse
antes mesmo que emudecesse
encontrei o eco de palavras
que ventaram momentos
onde o grito bastaria.

Londres, abril de 2008.

DIAS [4]



há dias de abelha a produzir mel
há outros de instantes
onde estou só
em vôo solitário de música e poesia
quando sou pássaro
em vôo livre de sentir o ar.


Londres, maio de 2008.

CUORE [3]

Ana Luiza Alice

netas


todo o mistério da vida pulsa

na esperança

doçura no variar de afetos

desejos que se tornam frutos


o corpo materializa

o coração
e prenuncia alma

des' seu primeiro e juvenil tumulto


Deus permite que se concretize o ser

único

distinto na verdade eterna sempre nova


sim eu sinto

o suceder de dias perfazendo anos

onde mortal não me impeço agora

de rever a esperança do início de meus tempos


Londres, março de 2008.

CORES DO POENTE [2]



As cores do poente são fortes na memória do que dói
e o que dói não é o tempo que passou
mas o futuro que encurtou.
Vêm as dores e o cansaço mas nenhum mal
é maior do que saber que o tempo acabou
minutos antes de viver.

Londres, abril de 2008

A MEDIDA DO TEMPO [1]


recordo o tempo
segundos na soma do que sou
e acabou

obscuro
navego o futuro
sem jamais o ter presente

tenho alma para que não fuja
e suspirosa continue

calma
por uns tempos

do tempo de antigamente
recordo a juventude
derrotada

coisa de poeta
no estio desejando seca
para virar semente

Londres, outubro de 2007/março de 2008