a linguagem do tempo tem sabor e graça
tem o dom do nada e o sabor de tudo
não é senão a vista do alpendre largo
de que se descortina a vida
instantâneamente
o sabor é leve
pode ser intenso
e a beleza presente no seu estro
está aí a graça
mas
disse alhures que o tempo é vento
que rasteiro voa e ligeiro passa
traz sempre novas
ensina a cada passo
agora digo o tempo é mais que espaço
sôfrego sorve
não acolhe passa
e bem sabemos só nos deixa o rasto
se lhe roubamos o instante
poder-nos-á caber o abismo
ou bem possível um horizonte azul
é breve a tão longa vida
onde tudo cabe
a sete chaves
o tempo curto é capaz de tudo
o largo espaço que da varanda vemos
é o que temos
o tempo é que nos perde
Rio, agosto de 2013.
a Ronaldo, meu irmão
não voltarei a face atrás para cantar passado
o que me encanta ainda na lembrança
é o tempo que alheio a meu presente
só me faz chorar ao vento do futuro
mas
não serei extinto por olhar atrás
tenho ainda a lira
tenho a melodia viva que compus no tempo
tenho quem a cante a me fazer contente
perfume doce de momentos vivos
de meu passado guardo cada instante
com sabor e cheiro
do que foi meu inda que breve
Orfeu não sou nem tenho Eurídice
mas amo a ideia da busca do passado
na memória cheia sobre fertil fado
tenho saudade mas não sofro dela
sei que vivo e só o tempo perde
quando rasteiro voa e velozmente passa
como de si arrependido
por não ter vivido
não há futuro mas soma de presentes
solene tempo de sonho sem projeto
"o fado cumpre-se" diz-me o Poeta
mas "eu me cumpro" no instante breve
Rio, agosto de 2013