terça-feira, 25 de dezembro de 2018

UM PENSAMENTO




em torno de mim passam lembranças
memórias esquecidas
entretanto vivas neste poder que é meu
de recusar o desterro

não 

não tenho medo do destino
que é meu fado tecido
por coisas e fatos repetidos no tempo 
cujo tempo parece perto de esvair-se a si mesmo

por isso reina a paz dos momentos vencidos

na "confusa solidão da vida"
em que nunca fui só
entre os meus e os que se juntaram igualmente meus

é delicada a lembrança desses dias

que murmuram sob a brisa do eterno futuro sabido

nada antecipo nem sombra nem luz

que a cada um resta o desígnio
de imitar-se no abismo

escrevo para me encantar com a vida

em versos que ficam
na recusa ao culto de um futuro
que não me pertence

Rio, dezembro de 2018



sábado, 1 de dezembro de 2018

REFLEXÕES EM CAMPO ABERTO

... é possível definir poesia? 


[Flávio Perri] - original no FaceBook 
em VIDRÁGUAS
 




Abrir caminhos derrubar trincheiras liberar. Reconheço a arquitetura deste espaço de aventuras a desvendar segredos de tantos egos desconhecidos em palavras que lhes dizem à alma. Creio na aurora de muitos sóis, acredito na liberdade de dizer mesmo que às custas de não ser compreendido, sei que a criação existe no mito da sensibilidade e a música, sem palavras, dá-nos o tom e a melodia que é puro ouvido...do espírito. Assim é a poesia de todas as paixões ao não dizer tudo e insinuar muito, a música que ouvimos também se escreve no ritmo interno das idéias e sensações. Aconselhava o poeta em frase clássica "deixe crescer a semente que Deus plantou na tua alma/ e tua posteridade tranquila se multiplicará/ na proporção das areias do mar e das estrelas do céu". Por vezes, sentado à beira de um verso medito para descobrir o que me induziu a escrevê-lo e não descubro senão que não fui eu que o escrevi, mas minhas mãos guiadas por desígnio ignoto a vir de não sei onde para alcançar não sei o que, mas sinto a música formal ou virtual no que as mãos souberam dedilhar. Não há princípio [por isso meus versos jamais começam com letras maiúsculas] nem nada se termina [por isso não há pontos finais] e as palavras jogam livres ao sabor da força que as atrai antes o depois de escritas [e isso é uma tarefa do leitor]. Caos, diriam os puristas gramaticais, ignorância das regras, pensariam os exegetas escravizados pela forma lexical. Assim entendo o pouco que pensei no muito que há a pensar e, em meu degredo, envolto em nuvens, descobri o valor de escrever [o que sinto? Não sei] sob o comando apenas da percepção, que é um momento. Alguns buscam autobiografia, outros sentimentos, mais além descobrem pensamentos, mas nada disso há, são palavras lançadas ao vento do alto de um navio que navega um céu aberto e encontram o leitor em praia onde se derramam domadas em seu eterno vai-e-vem. Palavras vão palavras vêm palavras ficam gravadas pelo valor que têm na vivência do leitor. Serão sempre poucos mas serão amantes a quem beijo a boca com minha frase em longínqua poesia: "poesia é como o beijo tudo que dos lábios se deseja".

Flávio Miragaia Perri, maio de 2011.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

CARPE DIEM






Com olhos no futuro gozamos mesmo as perdas do passado; nesse passo ganhamos o presente e reforçamos o amor à vida. O presente é quem somos . Caminhamos...

quinta-feira, 26 de julho de 2018

DÚVIDA





eu nunca sei
se o que escrevo
fui eu que pensei
nem mesmo leio
o que diz a palavra
na lembrança esquecida

não terei de explicar
o que sinto
neste desterro indevido
de sobreviver em mim mesmo
e depois tudo acaba
e quem somos 
não seremos mais

estar só é uma percepção
ainda que outros sobrevivam
em torno de ti

tudo foi fátuo
no erro de pensar que eu fui
sem jamais ter sido
o que tanto procurei
para definir o indefinível
de existir

Rio de Janeiro, junho de 2018 



sexta-feira, 11 de maio de 2018

HORÓSCOPO





"Antes de nós [...]
passou o vento quando havia vento"

Odes de Ricardo Reis



passa o vento passa o tempo passamos nós
em tempos diferentes
e tudo acontece como hoje
quando homens se apegam ao vão momento 
porque somos iguais
porque somos quem somos
homo sapiens
porque nada há dentro de nós
ocos
porque venais

construímos um mundo novo
a cada palmo conquistado à natureza
erguemos monumentos à riqueza
consumimos o planeta
e nos desentendemos

é maio
Urano nos conduz imprevisível
libertador
signo por signo
e nos transporta a novo espaço
desconhecido
aberto e alheio parecendo único
afetando vidas

sem razão perdemos o arbítrio
e navegamos cegos
por mares ermos 

e onde estamos
dezoito anos depois do ano zero
em duas vezes o milênio
inscritos neste ponto de nossa eternidade
poucos anos

e ardemos casas e ferimos jovens
e matamos a vã esperança do futuro
para ressaltar a indiferença
de todos nós por todos nós
sombras de sonhos 
pensamentos
circunstanciadamente destruídos

entretanto
um novo ciclo se anuncia
de profunda reflexão
de rebeldia
de mudança
de revolução
o novo tempo
a nova era
reequilibrados por influência de Saturno

virá o novo tempo

Rio de Janeiro, maio de 2018



quarta-feira, 9 de maio de 2018

ETERNIDADE





...antes de nós o tempo já fluía
no movimento dos astros
alheios ao mundo em que vivemos
éramos parte 
mas não existíamos

Chronos anunciou a vida
ou vice-versa
quando parecemos dominar
a incerteza do planeta
descobrindo o universo
Éter e Caos

homem e ilusão
a contar as ondas que arrebentam em seu mar
e um Deus Netuno ao navegante controlar
assim outros deuses detentores do Poder
de ao tempo falsamente superar
incessante tempo
dominante
Chronos

venta o vento 
Éolo compelindo tempestades
um deus mais
outros deuses
homem
lutando contra o tempo 

luta inglória
só Aeon domina
somos o ruído que se abafa
só o ruído da vertigem
nada afeta a eternidade 

Rio de Janeiro, maio de 2018



terça-feira, 8 de maio de 2018

TEMPO




tudo é tempo
o mesmo nada
em cujo vazio nem a libélula voa
antes de nós
antes de tudo
antes que o vento sopre

penso no tempo
que a cada instante é outro
só não inútil porque logo é tarde
e o dia passa
no rodopiar que se repete do planeta
girando sobre si mesmo
que com razão ou sem razão nos serve

"somos os homens ocos"
cheios de tempo
de ponta a ponta como nos conta a vida
até a morte
não há o que fazer do tempo
ou com o tempo
que inevitável passa

Rio de Janeiro, maio de 2018.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

RITUAL DE CARNAVAL (revisto)




ouço a música que toca para dançar
ouço os gemidos da moça que não quer descansar
ouço o rapaz heroico a resfolegar
estão logo ali as sombras que se abraçam
na solidão a dois que buscaram para se amar
há animal no ato selvagem de penetrar
nem tanto a alma que ali não quis ter lugar
ouço o surdo ronco do gozo
e uivos de hiena no calor do ato carnal

a noite cheia impele os jovens
a pular desengonçados sua fortaleza
num exercício de desgastar e ficar
para fazer valer um gesto de beleza

a juventude e sua natureza
necessitam essencialmente ali estar
frenéticos como se o mundo fosse acabar
furiosamente dançam a coreografia do inferno
dançam dançam sem parar
na simplicidade de seus corpos quentes
como quem vive o último dia chegar

o tum-tum tum-tum-tum não ameaça terminar

nas sombras da noite que não quer acabar
acalmam-se depois do gozo animal
miram-se quase nus num gesto final
lambem-se as carnes molhadas de transpirar
como a cria que da mãe quer mamar

dão-se a inútil atenção do desdesejo
real frio da morta atração
tudo passado
para correr cada um para seu lugar
e continuar a dançar

tum-tum tum-tum-tum

Rio de Janeiro, fevereiro de 2017/18

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

INÚTIL TEMPO




ah o futuro
de que vale o tempo
se nada sabemos de amanhã?

Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2017

JOGADOR




pobre e desvestido
na solidão de nenhum carinho
a bola companheira
era vestígio do passado
jogado
em dribles à frente
história
de um menino sem futuro
olhar brilhante
curiosidade
a descobrir pensamentos
ter ideias
alimentar sonhos

corria recuava saltava
em cada bola um craque crescia
um vencedor anunciando gol
um contrato rubronegro
sub quinze
dezessete
titular

era a fortuna
de um olheiro
que o via sempre à frente
coxas firmes
pantorrilha
certeira pontaria de pés descalsos
cheio de areia
e um ralado na perna
de uma agressão descuidada

a chuteira foi o prêmio merecido
no torneio da rua
começo de um crescimento na grama
Flamengo meia
armador de primeira
goleador
do tiro certeiro
encobrindo o goleiro
excitação da vibrante torcida

seleção
é a glória merecida
na ignorância do passado
trabalhador de passes certos
quatro linhas

Rio de Janeiro, dezembro de 2017