terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

PALAVRAS AO VENTO



há perigo em navegar
quando me arrisco em palavras
que a brisa traz e o vento leva
beliscando a solidão


se saio ao mar
sempre sossobro
sem conseguir navegar


a intuição é um olhar
aqui da janela de casa
perco-me a imaginar
o que haverá depois das Cagarras


há lá certamente
vida inteligente
que não encontro mais cá


mas 


em um outro momento
penso
ops! esqueci-me
que estou do lado de cá
faz-se aí o tormento
pois aqui inteligência não há


consequentemente


ponho-me a cantar
o Rio as praias e o mar
vejo os rapazes ao sol
e as meninas [ai quase nuas]
que os querem amar





a saudade me faz arriscar
palavras de alegria
de apenas lembrar
que no tempo tive o meu dia
de pegar meninas nas ruas

assim


se canto me arrisco e navego
antes de por-me a chorar


Rio, fevereiro de 2012.




MISTÉRIO [confissão]



vão-se os dias vão-se horas
e sinto tua presença
ainda que te demores
fisicamente a mostrar-te


sei que estás comigo
por toda parte
onde te procuro
encontro-te em mim


às noites sinto a memória dos dias
no dia anseio o sonho da noite
se fosses mar eu te ouviria


sei que és grande no meu amor
sei que me amas
de coração e vontade sou teu


Rio, fevereiro de 2012. 




domingo, 26 de fevereiro de 2012

NAVEGAR É O PERIGO



amamos o que desejamos não o que temos
sonhos inacabados
a tocar a fantasia dos mais puros ideais
do horizonte sem fim
do céu azul de verão
da neve nas montanhas
da chuva na semeadura
da fartura na colheita
do verso não escrito
do entendimento entre os homens
do amor que move o mundo


a glória e a riqueza desse mundo entretanto nada dizem
apenas entontecem
para destruir o gosto de sentir


não direi o que não posso
mas entre o céu e a terra
é mais rica a fantasia

só o desejo vai além


deixo-te desvendar
o que minh'alma toca
em sua inércia de pensar 
e seu desejo de amar


que céu 
que horizonte sem fim
que amor que move o mundo
vale é o amor de seguir rastros de teu barco
no risco de perder-te em mar que os desfaz


miragem solitária ilha 
nesse mar onde persigo
o céu de te encontrar


navegar é preciso diz o bardo
direi com ele também
que navegar é o perigo
de qualquer dia chegar
onde não quero aportar


não deixarei de remar
por ti remarei contra a corrente
a cantar
a minha ânsia de amar

nada mais direi 
nada tenho a declarar


Rio, fevereiro de 2012.




sábado, 25 de fevereiro de 2012

FOME [improviso]

"a fome é uma canção silenciosa
a sair pelos olhos"



...a fome Nydia são lágrimas de exaustão
são olhos sem brilho
é grito do coração
a fome é flagelo
de desumana feição
é horror da servidão
o silêncio que ouves é grito
a canção oração...

Rio,  fevereiro de 2012. 




MENSAGENS AO MAR



sobre as ondas do mar flutua a lembrança
quebrando na areia grisalha
o choro da saudade 
para voltar em nova onda que vem
   
o vem e vai é meu olhar  
do oceano nesse vai e vem


mensagens perdidas no fundo 
nada dizem por não saber aflorar
são palavras  
no verde que arrebenta cinzento
são o caos aparente do vem
que se arrepende ao chegar 
e logo vai
ficam como memória no fundo 
esperando que o tempo as faça chegar


como o poema repousam 
até eclodir em uma forma de pensar 
e sentir
mesmo que não queiram desvendar
o segredo mais íntimo
daquele que é
o bilhete de amor
ou desespero da dor


alma que flutua no mar
soprada ao vento a navegar
sem rumo na solidão
naufragada sob águas azuis
verdes ainda para à terra voltar


não morre inacabado o que resta
onde o segredo sussurra
na brisa rasante 
ouvido pelo lobo do mar
quem os guarda
para escutá-lo confiante


a música que vem de longe desvelada canta
o argonauta que aguça os sentidos
para conhecer os segredos de quem já viveu


não interrogues o segredo
é amor que não morreu
e desperta ao sol da manhã    
é a dor que abate quem vive
na ilusão de estar vivo em plena solidão  
não perguntes
nada perguntes
amor e dor são parceiros 
a esperar uma praia branca 
para confundir e derramar-se


quem sabe essa mensagem perdida
na água a chorar o tempo que passa 
[e se perde] nesse vai-e-vem
quem sabe a mensagem me exorte
a cantar
essa música esse canto essa onda
a marulhar


Rio, fevereiro de 2012.








sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

IPANEMA



hoje ao por do sol vi Ipanema
com olhos de amante onde tu és tudo
sobre o dourado prata de mar
na beleza e alegria de amar


ondas brancas derramavam-se n'areia
e a ti chamei amor
quando o belo é teu
e tu meu céu


por ti me iludi em tempos idos
e desse amor vivi
a paixão de existir


por ti passarei à eternidade
essa mesma ao cair a tarde
que me leva a meditar e te sentir


Rio, fevereiro de 2012.





ENIGMA



talvez numa tarde de sol
encontre-me com minha sombra
por sobre mim ao meio-dia
talvez reconcilie amor e vida
no calor desse dia


se eu fosse como desejaria ser
minha sombra fantasma de mim
colaria em uma peça o transcendente e o presente
para que a lucidez tomasse conta enfim
do que sinto e do que penso


nasci para viver intensamente o instante
aquele que não se pode fantasiar
que existe como o destino 
onde as escolhas foram aleatórias
mas a ele cheguei


observo-me nesse átimo
como quem é capaz de segurar a centelha
daquela reconciliação entre o concreto e o aparente
da sombra que se ocuparia de mim
sol a pino cortando ao meio o dia 


sombra centelha átimo
um momento de vida
no concreto prodigioso
do que sinto e do que penso
finalmente livres no que hoje sou 
       


Rio fevereiro de 2012.



terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

CLARIVIDÊNCIA



se escrevo é porque não sou indiferente
sinto pressinto guardo comigo
o que a palavra não consegue expressar


mas o amor acontece expressamente
nos cinco sentidos físicos
na intuição e na clarividência


um dia desaparecerei
ninguém mais vai me ver
desolados poucos ficarão
e naturalmente logo esquecerão


seja como for ainda estou aqui
na forma que fisicamente sou
naturalmente como me vejo
e sei que existo


dos amores que tive
restará saudade
dos inimigos que alimentei
cuidará a eternidade


Rio, fevereiro de 2012.






TESTAMENTO



dura porque tem de durar
acaba quando tiver de acabar
ao longe vejo um navio no mar
e gaivotas que o seguem atrás


sei que um dia passarei além
e nada mais fará sentido
exceto que razão não há
para me despedir


voarei o voo longo de não mais voltar
mas a lembrança do que deixo
ficará no mar


Rio, fevereiro de 2012.



IMPROMPTUS DE CARNAVAL


sei o que penso mas não é uma ideia minha
sei o que quero mas vou onde Maria queira
sei quem sou mas às vezes acho-me estranho

sei quando é dia mas confundo-o com a noite
sei que é noite mas sonho com o dia
sei tanta coisa mas nem todas sei
sei que tudo acontece concretamente
mas vivo abstratamente
alguém que é e não é
porque embora viva muito bem
às vezes sinto-me mal
sou eu e meu oposto
eu e o outro
o outro sou eu
e desço o rio da vida que muitas vezes é mar

Rio fevereiro de 2012.





segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A SENSIBILIDADE DO OUTRO



se os homens fossem perceptivos e sensíveis
talvez não houvesse capítulos de incompreensão
na história do mundo


não há quem sobreviva sem dano ao mistério 
de desconhecer o que é pedra
e de não sentir a alma


o homem-pedra centra-se na imobilidade
e não pensa
o que existe além dele não existe


e ninguém sente o que a alma não registra
nem conhece a própria alma
vegeta


o outro é o inferno dizia Sartre
ignorando o demônio dentro de si
e o fogo a queimar-lhe o coração


perceber menos sentir menos
será esse o destino dos homens
ou da natureza imperfeita


ou sentir mais é reconhecer no outro
uma cópia de si mesmo
e respeitar 


valemos pelo que somos
viver é ser
e o ser existe no entendimento


nasci para ensinar e ensinando vivo
entendi que respeitar é parte de mim mesmo
e que o respeito constrói


entretanto



de que adianta ensinar
quando a sensibilidade entorpecida
ignora o outro



Rio, fevereiro de 2012.




domingo, 19 de fevereiro de 2012

RACIONALIDADE E POESIA



leio um poema em cada vida
em cada vida ensaio um poema
e dos olhos do poeta
a poesia vem para as mãos
incapazes de sentir
pois que pensam


racionais


que posso senão mentir
ou certamente fingir
dos olhos fazer coração
acelerado no peito
refrigerado nas mãos


quantos sentimentos senti
tantas vezes fingi


Rio, fevereiro de 2012.








SENTIMENTO/PENSAMENTO



o pensamento é o que penso
do sentimento que sinto
mas o abstrato de pensar
em nada impede meu sentir
ainda que jamais consiga em palavras 
transmitir
o que sinto
que palavras são pensamento
fingindo ser sentimento




Rio, fevereiro de 2012.




sábado, 18 de fevereiro de 2012

CARNAVAL E METAFÍSICA



todos passam sob minha janela
o arlequim o palhaço e a donzela
tipo raro no espaço destas ruas
no tempo dessa bacanal


desde Eva mulher era mulher
de um homem traindo-o com outro
da janela vejo essa donzela 
de todos traindo-os com um


os homens continuam machos
são ainda hoje viris
mas exibem o que se sabia
mesmo antes de acontecer


ninguém tem pai nem mãe
nem os acompanham irmãos
gozam intensamente existir
e se amam amando-se em comum


os ruídos que me vêm dessa janela
são ruídos trocados no silêncio
dos pares que os sufocam
nos orgasmos da solidão


não há erro nem condenação
nada me adianta prever
o que matematicamente não sei
nem somar nem dividir para saber



nessa dança ritmada e rebelde 
passam todos no universo diverso 
que se move no carnaval 
metafísica é minha evasão



Rio, fevereiro [carnaval] de 2012.






sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O DISCURSO DE MEUS ANOS


Luis de Camões 
[entre aspas, trechos do soneto 108 da Lírica]


"errei todo o discurso de meus anos"
ai de mim neste fim tão combalido
não me direi apenas que errei
serei mais um de enganos cometidos
morrer sem apelo só sofrido


tu não me vês nem eu te vejo
mas sem pensar apura-me o desejo
penoso devagar fundo esperançoso
de amar esse amor suspiroso
de "erros meus, má fortuna, amor ardente"


por poesia mais que eu fizesse
sem futuro não sinto nem mais quero
em meus cantos revelar a minha pena
"tudo passei; mas tenho tão presente"
o grande amor que vivi tão docemente


e mais erro quanto mais escrevo
não mais farei o que nem sei
se verdade foi ou mentiroso
o amor ou minha dor
de que "não vi senão breves enganos"
vem amor vai amar vem
a ansiedade repetida
ai de mim 
"errei todo o discurso de meus anos"... 


Rio, fevereiro de 2012.








segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

ESTE CENÁRIO É UMA BELEZA




...depois de um ano de silêncio
ouço agora o tamborim
e passos na orla de ruídos
onde reina o surdo 
a ressuscitar vivos e mortos...
passa o povo ignorando a solidão
tudo é paixão
de arrebentar o coração

este cenário é uma beleza
não há tristeza
é carnaval neste meu Rio

Rio, fevereiro de 2012.




domingo, 12 de fevereiro de 2012

TRILHAS E CAMINHOS



não há um caminho
mas uma trilha feita ao caminhar
não existe um destino
mas um lugar onde chegar


"qualquer caminho leva a toda parte" [FP]
nenhum segredo
que escolher é consciência de saber 
caminhos que dissociam
todas as partes da abstrata escolha
que é tua


o ato de excluir é consciente
afasta cardos e espinhos
incluir está em ti
é tua trilha
por onde levas tudo que tens
ao teu lugar


Rio, fevereiro de 2012.










sábado, 11 de fevereiro de 2012

O SEGREDO



que sabemos do que se esconde atrás das nuvens
onde o tempo passeia em fuga ligeira


sei que no éter dormem os sonhos
que a noite traz como desejos quase sempre em segredo
repetidos como ecos de pensamentos abstratos
sem palavras 
entre beijos e lágrimas

pode ser música
que nos chega pelo sentimento do mundo
como gotas de chuva
quando a nuvem pesa e nos diz
estou aqui 
choro


imagino-me dobrando ali a esquina inexistente
num céu do outro mundo
em cor azul da liberdade de viver 
o desejo conhecido 
e o segredo
indecifrável de amar


Rio, fevereiro de 2012.








A CASA DA SAUDADE



pedra sobre pedra construirei
um dia
a casa da saudade


o projeto existe e está em curso
pois conheço seu futuro
que às vezes noturno me aparece


conheço cada pedra e junta
coladas no sentimento impossível
de um amor eterno


a casa é sólida
ilusoriamente plantada sobre a dúvida
perversamente voltada para a noite


nela vivo paixão que adere à pedra
para assegurar-se de que é possível
o amor que derrota
passageiramente
a solidão


às vezes perco o senso da saudade
para viver a esperança
de que um dia uma noite eternamente
esse amor perdure
e eu derrube os muros que me cercam


mas a ilusão é menor que a realidade
e a casa sobe
inapelavelmente
tem telhados e porta
janelas que se fecharão
e lá trancada comigo chorará
saudade


Rio. fevereiro de 2012.






ILUSÃO DE JUVENTUDE



vivo a ilusão da juventude retomada
inútil sensação passageira
do tempo irreprimível


quantas vezes avanço para viver amanhã
as percepções de ontem
reconduzido ao tempo perdido



tantas arrependo-me por amar
equivocadamente
intenso como o amor de ontem



muitas vezes sempre indeciso
noto olhos espantados
de quem não percebe o sonho


todos os dias entretanto a solidão
dissonante do amor
diferente de amar


meu caminho é meu caminho
entre pedras e aclives
despenco a prumo


Rio de Janeiro, fevereiro de 2012









terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

AH SE EU TE PEGO



ah se eu te pego
se eu pudesse perenizar o que não tenho
e o desejo ultrapassasse a realidade
ah que prazer eu teria aqui


ah se eu te pego
quem sou seria outro
a juventude voltaria ao corpo
e tão cedo não me veriam morto


ah se eu te pego
sei que ficaria louco
tendo-te em meus braços
de gritar de prazer
dormiria rouco


ah se eu te pego
ah se te pego
o sonho que terei sonhado
tornar-se-ia realidade
para viver sem pensar na idade

ah se eu te pego


[e mudo o tempo não emudeço]



quem sabe
se te pego
serei feliz aqui...





Rio, fevereiro de 2012.










sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

FOI OUTRO DIA



outro dia apenas dias poucos passados
ouvi quase em segredo 
tua ansiedade


tu chamastes o desconhecido para nada
para o fortuito de um encontro sem alma


ouvi tua chamada sutil
desencontrada
quase infantil
para um nada que se perderia no tempo
de teu pensamento sem memória
e o corpo frio


pouco tempo faz daquele momento
que tudo transformou


mas sou eu a lembrar aquele átimo
e dele construir o sonho
basta fechar os olhos


Rio, fevereiro de 2012.








OUTONO INVERNO



dias de lembrança são o sonho retomado
um retorno ao passado
alento para um intemporal futuro


esse vale da memória
acelera o passo na escalada
da colina que se depara
esperamos
inevitável e suave


embora o outono pareça decadência
nele aprendemos a preparar o inverno  


Rio, janeiro de 2012.





quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ENTRE A MANHÃ E O POENTE



para chegar ao futuro
o passado tem de passar
enquanto teimosa  a lembrança 
quer-nos fazer recuar


deixa deixa o passado
e tudo que nele condena
escolhe o bem
que cuidadosamente viveste
e o aproxima de ti


vivas inteiro o que és
entre a manhã que promete
e o poente que te faz descansar
trabalha de dia ama a noite
se te queres entender e ser claro


o mal que passou são amarras
que não te deixam avançar
desata todo os nós
vive teu sonho
constrói a esperança
e a manhã alegre de orvalho 
pura te saudará




Rio, fevereiro de 2012.




O AMOR NO RIO



caminho pela noite 
orla quase molhada pela maresia salgada 
à beira d'água
onde o mar se espraia a teus pés amado
Rio de sonhos
e de todos os amores


caminho passos lentos
alegre e triste no pensar a saudade  
do que não tenho
no coração que não consigo conquistar


distante longe um longe perto
de mim se mantém distante
hesitante
de ser meu teimosamente
no desejar-me
na decisão de viver sempre em mim  


a luz dos olhos de quem ama
olha-me e não vê
olha e recua ao avançar
e quando cruza seu olhar
ao olhar dos olhos meus
penso me amar


sei amor que vives nas praias do Rio
e insiste em se mostrar
sei que existes
vem a mim
para que eu deixe de ser triste



Rio, janeiro de 2012





SEGURA INSEGURANÇA



...por onde inseguro inseguro passe
como o louco sem loucura de Pessoa
serei feliz 
se puder entre o céu e a terra dessa história   
comum sem tédio ou alegria
sobreviver seguro de um só gesto
um só que justifique haver vivido


a frase que a voz inteligente brada
quebra a lembrança da amargura
de não haver sentido em noite escura 
o quanto a vida é vida para ser amada


..."não deixarei você por inseguro
será você a deixar a insegurança"...


dizia a amante em seu lugar segura
no drama entre loucos sem loucura
para insistir no tema da esperança


não fecharei a história se desperto
entender loucura e insegurança
para deportado em vida
retomar ainda o amor gerando afeto


Rio, janeiro de 2012.