uma vida não vale um dia
nem um dia é suficiente
para refletir a vida
da planície ao cume foi um lance
mantendo-me a prumo
enquanto o ar já rarefeito
tomava-me o hálito
como um punhal
ao longe árvores pré-anunciavam a floresta
e mais além talvez o horizonte
de onde jamais me aproximei
deixei atrás a sombra
e retomei-me o corpo
e à cal calei a trilha
para não voltar
passei a floresta em meio a cardos
e plantas tantas
insisti apaixonado
em chegar do outro lado
a palavra veio depois ainda úmida
seguiu-me calada todo o tempo
para vingar-me ao fim
do que não fui
do que não fiz
nem mágoa mas lembrança
doce mel de meu passado
lembrança nunca mágoa
nem mais nem menos
memória
o que ainda tenho é tudo
não o que sobrou
mas o que amealhei
carinhosamente
a nova realidade é serena
fez-me querer tudo que tenho
e descobrir um mundo novo
que não é colina é vale
onde corre o rio feliz de minha vida
a farsa, diz o poeta, essa continua [1]
Rio, agosto de 2011
[1] Eugénio de Andrade
ao momento fugidio
não há glória que resista ao final
talvez apenas a lembrança
e basta
tudo no mundo é passagem
afinal somos sempre mais um
a não ser compreendidos
a ser esquecidos
ou a ser glorificados
post-mortem
o amor é sentimento que se transforma
permanentemente
idealmente para melhor
se soubermos entender suas etapas
mas as vicissitudes podem ser sombra
ainda que ligeiras
mas verdadeiras
há-que saber entender o amor e a glória
para sobreviver sem mágoas
o que resta dos anos
nessa proximidade do fim
ah os sentimentos confrontantes
do amor e de um desamor não necessário
nem verdeiro
contam a história
dos zig-zags dos altos e dos baixos
em terceira dimensão
do ritmo do coração
de resto resta o resto que nos maltrata
no momento impróprio e subjetivo
de cada um
não há vidas convergentes
não se produzem coincidências absolutas
há paralelas cujo encontro é caminharem juntos
sem confronto
não joguemos partidas de xadrez no mata-mata
não nos peçamos convergências
nem nos demos xeque-mate
em amarmos o que temos
amamo-nos
nada me dará refúgio depois de tudo
o momento fugidio é este
há-que entendê-lo
sem que haja quem perca ou quem vença
no que ainda é a virtude
do passado que não se esquece
mas não se repete
tudo são palavras que soam gritos
e os entendo em clarões e sobressaltos
mas ainda espero que as leve o vento
Rio, agosto de 2011.