uma vida não vale um dia
nem um dia é suficiente
para refletir a vida
da planície ao cume foi um lance
mantendo-me a prumo
enquanto o ar já rarefeito
tomava-me o hálito
como um punhal
ao longe árvores pré-anunciavam a floresta
e mais além talvez o horizonte
de onde jamais me aproximei
deixei atrás a sombra
e retomei-me o corpo
e à cal calei a trilha
para não voltar
passei a floresta em meio a cardos
e plantas tantas
insisti apaixonado
em chegar do outro lado
a palavra veio depois ainda úmida
seguiu-me calada todo o tempo
para vingar-me ao fim
do que não fui
do que não fiz
nem mágoa mas lembrança
doce mel de meu passado
lembrança nunca mágoa
nem mais nem menos
memória
o que ainda tenho é tudo
não o que sobrou
mas o que amealhei
carinhosamente
a nova realidade é serena
fez-me querer tudo que tenho
e descobrir um mundo novo
que não é colina é vale
onde corre o rio feliz de minha vida
a farsa, diz o poeta, essa continua [1]
Rio, agosto de 2011
[1] Eugénio de Andrade
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