sexta-feira, 2 de abril de 2010

CONTAS








amei todos os lugares por onde displicentemente vaguei
nunca suprimi o prazer de descobrir e revelar
meus passos sobre caminhos reais
tão reais quanto o sentimento
de encontrar um amigo
um curso d'água
uma colina
ou o deserto

quando voltar o verão e o calor do sol me alcançar
recordarei o inverno
na estação dos frutos lembrarei das flores

a memória retorna a cada passo e divaga
em círculos
e aqui estou diante da imensidão do mar
escutando vagas que se quebram
e o vento que me afaga

sinto ainda o primeiro orvalho
da madrugada fria nos campos de meu pai
creio ainda na primeira chuva
seguida do verde que descia até a mata ciliar
ajo como a criança ainda
ainda a esperança
ainda sei amar

estou consciente de que a noite chega
e cada lugar por onde passei
ainda está
no mesmo lugar
só eu não estou mais lá

trago comigo o sentimento do mundo
como o Poeta
estou quite
não houve míngua nem sobra
e não exprimo tristeza mas alegria
com os olhos cheios
de realidade

nenhuma metafísica
mas o rumor do mundo e a visão das cousas
sem desolação
intimidade com a vida
e coração

Rio, abril de 2010





ADVERTÊNCIA








de onde vem esse silêncio repentino
onde encontrar
águas lambendo margens de ternura?

será que não dói
viver da imprecisão?

que música escutas
que pedra tens dentro de ti?

onde encontrar a sombra pura
do novo mundo
água e ponte
entre hoje e amanhã?

insistes na dúvida impermeável do silêncio
alma e corpo separados
vazio de melancolia

será aí que te escondes?
acorda!

de tua fantasia nada restará
não há outro caminho
ninguém sobrevive à partida da alma desgarrada

teu corpo sem alma esfriará

Rio, abril de 2010