segunda-feira, 26 de maio de 2008

PÉRFIDA ALBION



Chove na distante Albion
que me toma os dias sem me ser presente.

Deixo existir o mundo e faço destas mãos cúmplices
do sentimento ausente.

Frio não quero que me conduzam mãos alheias

porque fico
mas com sonhos
num espasmo da esperança de reaver o sol

Cumpro o rito

movimento obliquamente o vento
polidamente a medir os gestos
e o vago pensamento do filósofo doente.

Vazio regresso à chuva e tento.

Londres, maio de 2007.

MANHÃ



ondas preguiçosas desenrolam espumas
sobre areias perplexas com a intimidade do mar


o movimento desperta a sensualidade adormecida
atravessada pelo sol no limiar da manhã


[neva em Londres e as ruas brancas estão vazias]

Londres,saudade do Rio em pleno inverno 2007

FLORES



flores não florescem no frio
passado o tempo da esperança
florirão?

Londres, janeiro de 2007.

IS THERE HONEY STILL?



Nunca sei se enfrento a realidade quando estou perto de partir
atraso o relógio para chegar a tempo

nada tem sentido velado
tudo parece muito claro

relógios não marcam horas no escuro

interrompo o que escrevo para clamar aos que a certeza toca
que não pertenço a nenhuma geração
mas encontro razões ocultas em cada coisa que vejo
nessa erma noite da dúvida

I look upon the sun
to see black upon my eyes
bewildered

os detalhes incomodam a paz que nunca tenho
onde termina a estrada?

aqui é dia e um sol tímido clareia a relva dourada
a chuva cai
tenho comigo a estrada que me obriga a olhar à frente
e ver o emaranhado das encruzilhadas
nós e o nó

o tempo esvai-se

time and time again
so I have to read it again
so I have not left
so I stay
I insist in staying
elusive

são tão breves os dias
são tão breves os anos...

que horas são?

parece tão clara a brisa...
e a névoa?

I have to read it again from the beginning
whispering through twisted lips

as decisões que não tomo

where there is peace
clouds adrift in clear sky

imagem de quem quer ver
para conhecer o sossego no desassossego
de encontrar o tempo

I should find it. Strange is to imagine
that I have to leave
to stay prisoner of my self

medo do que deslembro da emboscada

em cada tronco esgalhado da excitante solidão

que importa se eu não publicar mais nada?
deixarei alguns amigos sonambúlicos com o que escrevi
e não entendi

a verdade é talvez não haver outro homem hesitante
que tanto indagasse da partida e da chegada
às dez horas da manhã

Is there honey still for tea?
[1]


Londres, janeiro de 2007.


[1] Rupert Brooke, The Old vicarage…

FIRENZE



“Però se alcuna volta io rido o canto/
follo perché io non ho se non questa una/
via da sfogare il mio acerbo pianto."//

[MACHIAVELLI, aprile 1513]


Se ao artista é lícito admirar a própria obra
o homem tem motivos que superam suas virtudes
para viver Florença e seus segredos
olhos baixados humilde diante da grandeza.

Como certezas morrem com os que as tiveram
a imortalidade vive
independente dos mortais que a fizeram.

Entre alma e emoção
recordo um prazer que me fala ao coração
e separa-o da alma para sobreviver nesta canção.


novembro de 2007.

LONDRES



Sigo a direção do vento
esta cantiga pobre de desejos quase é silêncio
rictos de melancolia
a vestir palavras no segredo que oculto.

Nada sei dizer no desconhecido fragmento
de que Londres é o novo tempo
exceto [não o nego] não ser este o lugar onde me vi
presciente no dia em que nasci.

Londres, março de 2007.

ROMA


Interrompi vida ao deixar Roma
e esperei que meu grito sufocado
os lábios secos de angústia
rompessem alhures em palavras
mas meus olhos escavaram a pedra dura
do puro desencanto.

Tudo é como ruínas em fundos desenganos
nas escuras catacumbas labirínticas
habitadas de mitos de bravura.

Caminhei porque sem caminho nada sei
horas sem fim
para encontrar meus olhos meus ouvidos
e a palavra
mas só lembrança restou no frio mármore
de colunas elegantes.

Bem sei há outra face que os deuses revelaram aos eleitos
dessa crença de que o homem é feito
de barro e alma no meu caso ressecados
a água é morta.

Nem se trata de crer em deuses no Cristo dos altares
o tempo é findo
e Roma eterna resta eterna.

Meu sorriso de saudade quando a lembro ilumina
a história verdadeira de um amor em minha vida.

Londres, novembro de 2006.