tenho tudo
tenho a linguagem
tenho os sons e as palavras
tenho uma ideia do belo
e sei falar da beleza
de manhã abro a janela
vejo quem passa
muitos são os que vejo
nem sempre são os que quero
mas os quero muitos
são minha gente
o mar bate n'areia
suave sussurra segredos
provavelmente vindos da África
essa África de que quase nada sabemos
mas veio de lá nossa gente
negra branca mulata
samba orixás e a maravilha das cores
nesta hora sou de mim sacerdote
médium transcendendo o real
sou aquele personagem
capaz de se encantar com imagens
que apenas percebo passar
sou o “infinito íntimo” de que fala o poeta
na dimensão do humano
e não sou estranho
quando me sinto sonhando
sonhos que não vivi
de coisas que entretanto já vi
hoje ao abrir a janela
ondulava plácido o mar
verde escuro claro e grisalho
no seu outono invernal
festa das gaivotas
presente era toda gente
do passado que me saudava
de um futuro que não pressinto
neste meu momento íntimo
alma na circunstância
debruço-me sobre mim
para gozar o momento
e o que minha alma sente
é parte de meu testamento
Rio, julho de 2012.