"Porém, pera cantar de vosso gesto a composição alta e milagrosa, aqui falta saber, engenho e arte." Luís de Camões ... assim encontrareis aqui palavras magoadas a tornar o fogo frio e dar descanso a minha alma condenada ...
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017
TORMENTA
venta o vento do nada
sopra fria a solidão
enquanto chove lá fora
a praia rasa é silêncio
ouve o turbilhão
de ondas a seguir o vento
invisível dessedenta ruas
quase mortas
coração aflito
paisagem de um verão irregular e raivoso
contra os penhascos de lisas montanhas
encobertas do cinza de nuvens hesitantes
sobre o verde pálido do que resta
da exuberante floresta
a raiva do vento assovia um louco soprar
dobra redobra domina palmas inumanas
antecedendo o beira-mar vazio
como a tormenta de mim
todas as convergências perdidas
só o lamento do vento
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
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TEDIO INDESEJADO
tu que te abstrais dos interesses do mundo
tu que nada buscas
tu que não tens curiosidades
tu que encontrastes o isolamento
tu que és mudo
tu que és cinza
tu que atingistes a idade limite
tu que não percebes o gosto de nada
tu que não comes
tu que és indiferente ao cheiro
tu que ignoras os perfumes das flores
tu que não vês a beleza na pedra
tu que te afastas da floresta
tu que não ouves o marulhar do mar
tu que não te animas a deixar a casa
tu que nada sentes nem dores
tu que não encontras prazer em novas atividades
tu que abominas o contato humano
tu que nada ouves porque não queres ouvir
tu que te anulas
tu que foges do sol
tu que te identificas com a lua
tu que és parte do meu tédio
desaparece de minha vida
não te quero por perto
morre falece
desaparece
Rio de janeiro, fevereiro de 2017
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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
DE ONDE VIM
minha cidade era quase uma vila
ruas para guardar na memória
retas na direção e no ângulo
reto asfáltico
e nomes sonoros da história
e da desistória
permanentes e acidentais
praça Getúlio Vargas
ou rua Valadão Furquim
onde igualmente vegetam
pessoas e almas
doridas mas tranquilas
no seu palavreado simples
de esconder sentimentos
e fingir emoções
na desimportância de suas importâncias
onde o caminho é um pé
depois de outro
poeirento ao dobrar a esquina
cravado de olhares
críticos mas serenos
no desconhecimento mútuo
de cada vida
amigos que se conjugam ou não
num canto de uma esquina
ou preguiçosos no balcão
do Café Central
ao lado do Hotel Municipal
o que ao lembrar me afundo
no que foi o meu mundo
antes de conhecer o mundo
Dodó patroa
dona dos pequenos quartos
onde Dolores
sobreviviam sem dores
a um homem
depois de outro
e tantos outros
entre uma gelada
e o raro gozo
pelada
madames
sem eira nem beira
pretendendo faceiras
solver o dinheiro do outro
desgostoso
uma memória sem fim
tim-tim por tim-tim
do pouco que me resta de mim
neste poema sem fim
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
UM POEMA FÚTIL
nada tão fútil
quanto esquecer a chave na porta
que nunca abriu
nem devo chorar por isso
não melhora o tempo
nem chove
nem o sol brilha
desejar não abre a porta
nem o amor
e tranca só a monotonia
sem alegria
de quatro paredes frias
e a janela que se fecha sobre si mesma
onde só resta a falta
que de mim sou eu mesmo
nostalgia
enquanto lá fora erra a gente
rápida
devagar
ágil
sonolenta
sem nenhuma vontade de entrar
essa é a história
desse poema sem brilho
onde o sentir
não se revela
nem sonha
fecha
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
ECO OCO
eclipses todo tempo
a todo o instante elipses
obscurecem o pensamento
ferindo sentimentos
não há sabores
mas dores
faz-se o silêncio
no ocaso
no acaso
assim entendo por quê vivo
ou por quê deixarei de viver
é só num coito possível
do amor impossível
sói acontecer
depois dói
jamais pensar noite a dentro
nem o pensamento pensado
nem o prensado
entre sono e o sonho
oco eco
melhor dormir
para não sentir
Rio de Janeiro, madrugada de 17 de fevereiro de 2017.
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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
VASTO MUNDO
escuto-lhe mundo por unidade
sem formalismo em abstrato
e o que sinto não sei se é alegria
ou se há tristeza no que lhe falta de harmonia
dentro em mim o norte e o sul
revejo como lugares e me arrepia
a disparidade entre tantos
desunindo gentes desproporcionalmente
nego a percepção linear
o mundo sofre oscilações
e pulsa como um pêndulo
meu passaporte registra quarenta e quatro cantos
muitos nada dizem de si e se confundem
na variedade igual do atraso e da pobreza
a organização e a riqueza existem
na afluência de tudo ter
na limpeza e na ordem aparente
não há porto na rota do vento
nada que nos console
nada que nos compense
nada
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
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sábado, 11 de fevereiro de 2017
RITUAL DE CARNAVAL
ouço a música que toca para a gente dançar
ouço os gemidos da moça que não quer descansar
ouço o rapaz heroico a resfolegar
estão logo ali as sombras que se abraçam
na solidão a dois que buscaram para se amar
há animal no ato selvagem de penetrar
nem tanto a alma que ali não quis ter lugar
ouço o surdo ronco do gozo
e uivos de hiena no calor do ato carnal
a noite cheia impele os jovens do lugar
a pular desengonçados sua fortaleza
num exercício de desgastar e ficar
para fazer valer um gesto de beleza
que na juventude de sua natureza
necessitam essencialmente de ali estar
frenéticos como se o mundo fosse acabar
furiosamente dançam a coreografia do inferno
dançam dançam sem parar
na simplicidade de seus corpos quentes
como quem vive o último dia chegar
o tum-tum tum-tum-tum não ameaça terminar
nas sombras da noite que não quer acabar
os dois se acalmam depois do gozo animal
miram-se semi-nus num gesto final
lambem-se as carnes molhadas de transpirar
como a cria que da mãe quer mamar
e dão-se a inútil atenção do desdesejo
real frio da morta atração
tudo passado
para correr cada um para seu lugar
continuam a dançar
tum-tum tum-tum-tum
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
NATAL
a cada dezembro
vem a alegria da criançada
que só quer saber de Papai Noel
e dos presentes de ocasião
as salas brilham
árvores de Natal
mas é um deus ou um menino
ou um velhinho vermelho
barbas brancas e olhos azuis
enquanto ao longe se ouvem sinos?
às vezes sou ateu
meu Deus é uma entidade só minha
até que chega dezembro
e vejo Deus nos olhinhos das crianças.
Rio de Janeiro, dezembro de 2016/fevereiro de 2017
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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
A DERIVA
as vezes sou água
outras sou vento
barco e vela
na proa uma ideia
um horizonte infinito
que será de mim?
o vento sopra
ideias assim
a quilha aproa pra leste
oceano sem fim
a popa rompe a inércia
barco contido
a água desfaz a razão
e gira a boreste sem mim
água e vento a bombordo
o céu azul é água
a sobra sou eu
pra onde não sei
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
(www.poemasinconjuntos.com.br)
O PAIS É MAIOR
representantes do povo
laranjas doleiros cambistas
acidez não desejável
é como me entristece atuar
poeticamente
em meio à agonia dos que prevaricam
legislatura caduca
o côncavo e o convexo se fecham
in - sensíveis neste pais
onde entre pecado e pecado
os crimes custam a vingar
como delitos
democracia liberal ou popular pouco importa
se o pais prosperar para dar
paz e sossego aos que querem votar
sem se deixar ludibriar
talvez fosse o caso de nos queixarmos ao bispo
que ao presidente e muitos asseclas
só lhes resta esperar
o Lava-Jato vai-lhes pegar
o dia chegará que os ímpios da Justiça
se dobrarão à vontade
desse povo que sofre
indomável
que não têm o o que comer
acorda Brasil
é hora de resistir
é tempo de reagir
para ensinar esses crápulas
que o país é maior.
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
(www.poemasinconjuntos.com.br)
DI - VAGAR II
tem sido vivida às vezes aos tropeções
mas certamente vivida em todas as suas riquezas
que das pobrezas só lembro as do espírito
e não me fazem mossa na lembrança
já no fim prossigo
tão sensível é viver assim
para ao fim da picada
como um rio
desbordar no mar
não foi de monotonias
navegar o mundo
tocar aqui e alhures
as gentes do lugar
um prêmio certamente foi errar
entre o Louvre e a Place Pigalle
passando pelo Marais
medalha para o Trianon
e para a Piazza de minha paixão
eternamente lá para contar
histórias de navegar
tendo como pano de fundo
o Pamphili
casa de meu país
para epilogar
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
(www.poemasinconjuntos.com.br)
DI - VAGAR
ah o amor cantar o amor
cantarei certamente o dissabor
de sonhar que amei
e ao amar amei quem não me amou
sonhar sonhei o mistério
incompreendido mistério de não saber
o sofrimento de amar
amar sem perceber o sem sentido
de nada ter por objeto
abjeto amor do compromisso
livre melhor selaria o in - finito
e não feriria sentimento tão bonito
ah cantar o amor sem dor
será que vivo e sobrevivo
à ilusão de viver
sentir e vegetar?
mas canto sim por quem amei
dei-me entreguei-me
ao gozo feliz de existir
amador do corpo nu sorei
esperma do que se vive
do que se nasce
magia foi assim
possível vício
a naufragar em óvulos diários
e conviver e conceber
suave vicejar
bebês e choramingos
lindos
infância juventude tardia adolescência
sem fim por toda vida
assim como gerar o amor
e atracar ao fim o porto
e mirar atrás a obra por que me aprofundei
ah cantar o amor é indolor
combinar palavras vazias de sentido
na madrugada errante
tão fácil dizer aos banidos desta vida
que se amam as flores do jardim
e é a vida
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
(www.poemasinconjuntos.com.br)
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
METRO DA BARRA
pois é
não estou só
tenho comigo minha consciência
tenho visão tato e paixão
tudo isso em coexistência
pacífica
com momentos de reflexão
a quietude não é silêncio
ajuda no passeio de mim comigo mesmo
sem projeto sem programa
aposentado
de pijama ou de pantufas
nu
não discuto o absoluto
parece que existe
no radicalismo dos narcisistas malignos
onde não há poesia
mas ingratidão quanto à vida que viveu
tudo é real
como as vozes da nona sinfonia de Beethoven
ou o segundo concerto de Mahler
ou o samba de uma nota só
de Tom
o silêncio brota das profundezas da mente
quieto como sói
e vai longe como o metrô da Barra
mas não chega
para
no meio do caminho
onde há uma pedra
Rio de Janeiro, fevereiro de 2017
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
DÚVIDA CERTA
fiz de mim o que quis
deixei de fazer o que não quis
tenho sido assim
às vezes calo
às vezes finjo
e a cada vez sou alegre e triste
nem por dentro nem por fora
a indecisão
tal seria um camaleão
verde no verde
vermelho no carmim
só não sei se o que fiz de mim
tem esse tipo por imagem
disputando quem de fato sou
nada espero mas o real
hoje como ontem
e um futuro incerto
amando nunca capaz
de odiar as cores dos jardins
fiel sempre ao real
construo o momento dado
e agora sou feliz
e sou quem sou
impreciso em busca do preciso
psicologicamente são
loucamente fora de mim
nessa busca mesmo de meu eu
espero só o que existe
e agora existo
ou não
Rio de janeiro, fevereiro de 2017
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