"Porém, pera cantar de vosso gesto a composição alta e milagrosa, aqui falta saber, engenho e arte." Luís de Camões ... assim encontrareis aqui palavras magoadas a tornar o fogo frio e dar descanso a minha alma condenada ...
quarta-feira, 18 de junho de 2008
ESCREVER VERSOS
ninguém lê meus versos
mas insisto quando sinto
in-tui-ti-va-men-te
o desejo de escrevê-los
talvez nada digam
talvez digam tudo
talvez maus sejam bons
ou vice-versa
mas pereçam bem sem nenhum mal
cada um tem sua razão
e talvez sua beleza
mas não me escondem
nem me revelam
escrevo-os como espelhos da memória
às vezes da lembrança
como um rito
agrada-me a idéia de que passem
na ironia de escrever
e deixar soprar o vento
Londres, junho de 2008.
terça-feira, 17 de junho de 2008
MISTÉRIO
deixei perderem-se momentos
segundos e minutos
tantos
areia que se esvai
clepsidra que me domina inteiro
como hidra
e tudo o tempo perde
o que ficou
o que sobrou
mistério perecível
como o vento
Londres, junho de 2008.
VERSOS?
perco-me no mistério dos versos
escrevo sem os ter na lembrança
doces melancólicos duros pessimistas
existem
deuses não há que os inspirem
nem o passado nem o destino ou o fado
nem sou eu que os pense
o que são os versos?
Londres, junho de 2008.
TERNURA
os instrumentos são meus
mas o piano
só tuas mãos de ternura
soam a música que é tua
Londres, junho de 2008.
NEVE
a neve não é fria
mas o que gela
é a vida
se é neve é branca
branca como um somatório de cores
Londres, maio de 2008.
PAREDES
há paredes que não dividem
porque não fecham de ambos os lados
mas a porta intimida
os desavisados
Londres, junho de 2008.
SORRISO
talvez tenha sido assim que sorri
só foi o tempo de descobrir
que lá fora [ou aqui dentro]
havia gente
Londres, junho de 2008.
A CHAVE
fiz uma chave da porta
mas não a abri
estava escancarada
julguei que me enganara
nunca conseguira entrar
e tampouco sonhei
que fora Kafka
como sobra de sonhos
tudo depende da prova
e do desenho da vida
de alguém que namorou o vento
vi imagens claras
de muita gente feliz
fui capaz de entender
porque não entrara
aquém da porta
não havia ninguém
exceto eu e a chave
Londres, junho de 2008.
segunda-feira, 16 de junho de 2008
Momentos ilhéus
Saudade [1]
ando cansado cara
tô com saudade de casa
e porque não volta?
nem pensar
lá tenho minha mulher
Saudade [2]
tenho saudade da Francisca
daquela trubufú?
é
não sei como
feia com a necessidade
é
fica até mal pra você
é
mas você já dormiu com ela?
Bigode
outro dia encontrei a Eralda
e daí como ela tava?
de verde
não foi isso que perguntei
que foi então?
ela tinha raspado o bigode?
Londres, janeiro de 2008.
Conversa de pub
Mulher [1]
que sacanagem cara
voce bate em mulher?
bato
e a sua não reclama?
ela gosta
Mulher [2]
ih rapaz minha mulher diz que vem de Minas
que bom pra você
bom nada
vou ter de mudar de casa
por que?
tô comendo a vizinha de quarto
Mulher [3]
ela não é casada?
é e daí?
eu também sou
Mulher [4]
sabe aquela goianinha?
qual?
aquela cleaner
sim a do escritório
ela mesma
pois é
tá dando pro inglês
como soube?
ela me contou
então é falso
mulher não conta isso assim fácil
é
mas não foi facinho não
tive de comer ela três vezes
mentira sua
por que mentira?
ela me disse que você morre na primeira
Londres, janeiro de 2008.
Cenas londrinas
Profissão
Deus é bom
nunca me deixou com fome
não
não me deu filhos
aliás
deu dois
mas ficaram com mamãe
senão como vou ganhar a vida?
mas o que faz?
sou acompanhante
e acompanha quem?
quem precisa
pessoas doentes?
nem sempre
velhos crianças?
crianças nunca
homens e mulheres?
só homens
por que essa discriminação
ora
você parece ingênuo
por que?
porque não compreende
o que?
cara
sou puta
Matemática
você estudou?
sim
que curso fez?
matemática
ops
inteligente
e trabalhou nisso?
nunca
por que?
porque não dava conta
Homem
e ele é bom pra você?
muito
e do que se queixa?
falta de sexo
e porque falta?
ele gosta de homem
Desistência
sabe eu desisti
mas você é jovem ainda
sou mas não sou bobo de insistir
no que?
em continuar nesta vida
mas você pareceu sempre feliz
e sua família que acha?
minha família não sabe de nada
mas afinal
você não me disse
o que faz na vida?
sou escorte
Londres, janeiro de 2008.
domingo, 15 de junho de 2008
Londrinas
Desespero
socorro!
vem alguém aqui por favor
onde?
no meu apartamento
endereço
Queens Way
socorro!
o que está acontecendo com você homem de Deus?
passei a gilete nos pulsos
sai sangue e dói!
mas vc não queria morrer?
queria mas dói muito
Emprego
me arranja um emprego?
mas você não tem?
tenho
mas a polícia anda dando em cima
Inglesa
sabe arranjei uma inglesa
pô cara legal
e trepa?
não
e então
então levo ela passear no parque
legal cara
depois trago pra casa
e daí?
ela faz um boquete
boquete?
sim
e não trepa?
não
por que?
ela tem 88 anos
Londres, janeiro de 2008.
Namorado [1]
eu sempre quis ter um namorado firme
então
sério
então
carinhoso
então
você é assim?
não
Namorado [2]
lá em Minas eu era noiva
e o deixou?
sim
por que?
porque ele não era homem
Namorado [3]
vem cá
você está bem de vida?
estou
manda dinheiro pra casa?
mando
tá legal?
tenho passaporte português
não é falso?
não é do bom
então
então o que?
estou apaixonada por você
namorado [4]
eu te amo
eu também
não sei não
porque essa desconfiança?
porque não te conheço
namorado [5]
que procura?
eu?
sim
nada
como nada?
explica
sou tímida
deixa de ser boba fala
alguém
pra que?
pra me fazer companhia
namorado [6]
você é maneiro
legal
o que procura?
nada especial
qualquer um?
sim
pra que?
prum chopp
só?
sim
topa fazer um programinha depois?
Londres, janeiro de 2008.
Diálogos londrinos em um ato
Amor [1]
pouco importa querida
a esperança é substantivo abstrato
é
existe porque você tem consciência
você é tão inteligente
estudou muito né?
sou filósofo
caramba
e o que curte?
trepar querida trepar
Amor [2]
por que julgas que amas?
sofro
Amor [3]
sou gatinha
deito enroladinha no seu colinho
quer?
não
quero um cachorrão
Amor [4]
ah agora mais essa cara
não sou consultor sentimental
mas estou super afim de chupar um cacete
Amor [5]
o que você faz aqui?
trabalho e estudo
fazia o mesmo no Brasil?
pior
parabéns que fazia lá?
era michê
e aqui?
sou travesti
Amor [6]
pensas que podes tudo?
bobagem
toma coragem fala
pra que se depois tu me deixa
eu te amo
vou descobrir quem você é
não pode vou desconetar
Olheiro
cara
a parada eh o seguinte
sim
olharaum e gostaraum
e vão contratar você?
estou esperando um empresário inglês
você é artista?
naum jogador de futebol
o velho tá falando com a FIFA
velho?
sim
quem?
um cara que me viu jogar
em que time jogava?
pelada de rua
e ele prometeu alguma coisa?
convidou pra eu vir pra Londres
e o que disse?
que tenho físico atlético
que sou craque pra time europeu
então é um técnico
quem?
quem convidou
naum
ele é olheiro de rua
Londres, janeiro de 2008
sábado, 14 de junho de 2008
Londres [tragédias londrinas]
a Scotland Yard quer-me prender
qual foi o crime?
estou ilegal
logo agora que encontrei um inglês
pra me sustentar
conta
sim
e o que fizeram?
e como vai indo?
tô lavando latrina pra inglês
não importa
mas ele é ciumento
brasileiro?
não inglês
como é seu nome?
José Carlos
é
que faz todos os dias?
tomo o metrô
obrigado
vou lavar copos num bar
ora você é muito inteligente
não é isso não
tô doente
porra você não compreende
tá bem você parece um homem legal
você não quer vir-me buscar?
Cenas rápidas [Londres]
Comunicação
falar inglês é muito chato
só eles entendem
Certinho
aqui é tudo certinho
basta atravessar a rua com cuidado
olhar sempre pro lado errado
Realidade
acho que estou começando a me cansar de Londres
porque?
nada é real é tudo em libras
Respeito
meu patrão é ótimo
logo que me contratou passou a mão nas minhas pernas
e vc?
eu reclamei
e ele?
Infelizmente nunca mais tentou
Patrões
e você se dá bem com seus patrões
sim
eles conversam com você?
perguntam do Brasil da sua família?
não
mas então de que conversam?
“good morning” quando eu chego
e?
“Goodbye”
Londres, janeiro de 2008.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
TUDO OU NADA?
por que longe
por que perto
por que nunca
por que sempre?
o que sei
do infinito
ou do finito?
é a vida nada
é a vida tudo?
o mistério é tudo
Londres, junho de 2008.
ECO [2]
Escrevo como quem grita
para sentir o silencioso eco
que não vem.
Canto como quem chora
para molhar os olhos secos
que não vêm.
Talvez me falte o tempo
talvez a voz
talvez o olhar
mas cer-ta-men-te a inspiração.
Londres, junho de 2008.
ADOLESCÊNCIA
ouço por vezes um rumor adolescente de saudade
e sinto como se o tempo não ventasse
e o vento incessante cessasse
haja outono haja inverno passe o tempo
mas que à véspera de nascer
o canto possa cantar
o primeiro som o primeiro sol
sinto ainda o menino frágil
a mergulhar na vida
sonhador
nesta saudade que me embala
como a folha outonal que desfolha
dourada e preguiçosa
e pousa ...
Londres, junho de 2008.
quinta-feira, 12 de junho de 2008
SAUDADE [mote]
[glosas]
"Saudade! és a ressonância
de uma cantiga sentida,
que, embalando a nossa infância,
nos segue por toda a vida" [Da Costa e Silva]
ou [uma idéia antiga]
Saudade presença ausente
na memória do coração
ausência de tua presença
alimentando a paixão [Flávio]
ou [talvez à maneira de Vinicius]
A vida não é mais a mesma
não se pode amar sozinho
tristeza de tua ausência
tudo me falta e o carinho
[Flavio]
ou [de novo, tentativamente, Vinícius]
Amei e não tive medo
do coração não fiz segredo
quis fingir ao ver fugir
quem me quis fazer sentir
choro hoje a ausência
de tua doce presença
do que sinto ao dizer
que logo te quero ver
[Flavio]
ou [eu de novo]
Prisioneiro de teu carinho
és parte de meus segredos
prisão de minhas verdades
ansiedades e medos
só te sinto saudade
[Flavio]
ou [quem sabe, à maneira de Pessoa]
Não te entregues não te dês
a quem nem sentes nem vês
é a liberdade da lembrança
que te trará esperança
que a saudade retem
[Flavio]
Ou [à maneira clássica]
Havia de ser saudade
na vossa condição
aqueles olhos verdes
minha inteira perdição
[Flavio]
Ou [ainda com rubores clássicos]
Tormento e perigos sofri
inclinado ao pensamento
daquilo que não cabe em mi
e que podeis vir buscar
no sentimento do amor
que me domina o peito
à lembrança do amado
amor que não tem jeito
senão na alheia saudade
[Flavio]
ou [poemeto inglês]
I sense in your eyes
what senses feel
as lust raging for eternity
missing your sweet soul
I feel miserable
spy
watching on your presence
searching for reasons
loosing my senses
the god of my senses
the sole lover
infinity
not for reality
[Flavio]
terça-feira, 10 de junho de 2008
MANHÃS
Nas manhãs silenciosas de meu verso
a brisa sopra leve o sonho
e o que ouço é rumor diverso
no tecido que em palavras ponho
breve tempo de procura
longos anos sem sentido
o que faço é mera travessura
entre palavras perdido
Londres, junho de 2008.
MEU MAR
Borges sonhava cores no escuro de seus dias
eu sonho palavras e o desejo de encontrá-las
na algibeira da memória recordo fatos
no rumor do coração minhas paixões
às vezes uma difusa sensação
de que despertarei
já escrevi demais
mas sinto na tarde
o impulso irresistível
de dizê-las
a noite chega rápido o entardecer é curto
temo esquecer o que me pareceu eterno
no tempo terreno que se extingue
sei que partirei mas preciso ficar
para usufruir os dias
que nas praias brancas me encantarão
gozo o prazer do passado na imaginação
tão rápido o futuro
ao som das ondas preguiçosas
que se desenrolam nas curvas de meu mar.
Londres, junho de 2008.
sábado, 7 de junho de 2008
67 anos
aos sessenta e sete anos arrisco a ironia
estar morto e imaginar-me vivo
na indolente faina de escrever
palavras ignorando idéias
o outono é a última estação
antes do inverno que congela
de modo silencioso e persistente
ondas da hesitação ora de dúvida
o homem conhece seu destino
e não se lhe opõe nem o nega
pois o poema nesta tarde é vida
mais além de sua pena
Londres, junho de 2008.
sexta-feira, 6 de junho de 2008
SUDOESTE
julho
o verso não ignora o novo ritmo
e o calor que meu país me incorpora
o imaginado passado reabre-se
para contemplar o futuro
sem as fantasias do sonho
como os astros o futuro flutua
em busca da última estrela
olhos no desígnio dos céus
tudo é secreto
felizmente indecifrável
à beira-mar os ventos do sudoeste
que não me levam ao norte
qualquer verdade será falsa
toda história parte da memória
o desejo mero ensejo
do que certamente não farei
por pura falta de tempo...
Londres, junho de 2008.
SORTE
Tudo milita em favor da vida
menos a morte
que depende da sorte
mas não permite nenhuma sobrevida.
Londres, junho de 2008
quinta-feira, 5 de junho de 2008
AINDA SOBRE SER ALEGRE OU TRISTE
... é na fria noite de Londres que escrevo
madrugadas que me deixam só com as palavras
e o mundo em torno tecendo o que digo
mas não digo tudo
não creio em idéias muito pessoais
mas tenho muitas e as desminto
no mesmo ritmo delas
prossigo a noite inteira sem falar de mim
mas confessional para os que crêem em confissão
passo como quem anda devagar por todas as confissões
como se fossem minhas
imperturbável surge o poema
que não é alegre nem triste mas poema
para quem os leia alheio a mim
onde só palavras estão presentes.
Londres, junho de 2008.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
ALEGRE OU TRISTE
... não canto porque seja triste mas porque penso
nem alegre serei
porque sinto
minha paixão não envolve coração
mas tempo
sou livre
portuguesamente apegado à linguagem
literariamente limitado a este hiato
que chamarei de vida
por absoluta falta da palavra
nua ou crua
que me diga o que sou
por que sou
nesta eternidade do momento...
Londres, junho de 2008.
domingo, 1 de junho de 2008
FAULHEIT
não me tentam nuvens rápidas
não tentassem quem se deixasse tentar
pela doçura insidiosa dos céus
e acreditasse no tempo
clepsidra que intercepta o que resta
não a deixo medir
não a quero
intercepto o passo
retiro os reflexos
imperturbavelmente
sinto-me eterno.
Londres, maio de 2008.
SORTE
Horas sem fim esperarei o rigor
da dura sorte
torpe e áspero golpe
de quem me suprimirá a vida.
Londres, maio de de 2008.
CONSTATAÇÃO
Às vezes vem-me a nostalgia
de pensar na amargura de quem suprimiu o sonho
para viver da fantasia das notas
que não lerão os dias.
Perversa vida que faz do verso o seu reverso
na eternidade perdida
de quem esquece a purificação do entendimento.
Nada o salvará da implacável lei do universo
já não cria
recolhido a si mesmo encarcerado
agride o momento que lhe foge
monocórdio
apenas sobrevive ao tempo sucessivo
atormentado
dessa terrível armagura...
Londres, maio de 2008