quinta-feira, 30 de setembro de 2010

IMPROMPTUS



[para Bel Borja]



além de vós dizia o Poeta o céu não passa
nem por detrás se esconde a vida
mas defende-se a eterna pedra
do sol que é a verdade
o calor e a dura lida

somos filhos da eternidade
pedaços do nada que é tudo
sobrevivendo à crueldade
do que não podemos e não somos

atrás de vós estais vós mesmos
ao lado e à frente onde estiveres
um universo bastante que se finda
no estreito limite de nós mesmos

Rio, setembro de 2010





terça-feira, 28 de setembro de 2010

INDAGAÇÃO






um dia entrego o resto do que fui à terra
para não mais pensar na angústia que trago desde que nasci
e saberei então que nada mais sou do que parte do universo
em que me perdi

fosse eu uma pedra não teria a consciência do significado nenhum do quanto fui
seria pedra uma entre tantas na poeira cósmica em torno de um dos tantos sóis
e jamais questionaria o tempo a conduzir-me a vida

nem o tempo nem a pedra mais seriam do que aquilo que são
criaturas do homem a justificar o sopro que os tornou pensantes
a indagar de tudo origem e fim
como se fim houvesse
no que origem não tem senão no movimento cósmico
incessante em seu esforço de organizar o caos

entrego-me a palavras com algum nexo
mas não encontro a razão
de me sentir na solidão em que estou
quando ninguém me responde nem a pedra
o que tenha sido minha humana condição

Rio, setembro de 2010






segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DISSONÂNCIA






desfolhei cada palavra do enigma da incompreensão
e não entendi a vida
mas canto enquanto a tenho comigo
e não estou alheio a cada gesto em todos que compõem meu universo

diante de palavras amo as belas
sopro as raras para que não fiquem
e sonho que meu canto um dia ecôe
o rumor do humano

tocado pelo sopro do que não vejo além
temo a pessoalidade míope do que sinto
em notas dissonantes que buscam concordância
entre o sonho e o real

e dói-me a dúvida de sobrevivendo embora
tudo não passe de um vício
e o encanto dessa música que para mim é tudo cesse
aqui mesmo depois do ponto final

Rio, setembro de 2010




sábado, 25 de setembro de 2010

DEMOCRACIA



DEMOCRACIA



Quanto faças, supremamente faze
Mais vale, se a memória é quanto temos,
Lembrar muito que pouco.
E se o muito no pouco te é possível,
mais ampla liberdade de lembrança
Te tornará teu dono.

[Fernando Pessoa]



Se donos ainda não somos, sejamos:

assine o Manifesto em Defesa da Democracia!


http://www.defesadademocracia.com.br/


terça-feira, 21 de setembro de 2010

SINGULARIDADE








quisera viver o tempo simultâneo
saudar o crepúsculo na aurora
tocar neve no Saara
ser eu mesmo e tantos outros
sob o azul do céu intenso
para esquentar-me frio ao vento do inferno

duplo de mim mesmo
carente e solitário
gregário e suficiente

sou eu mesmo sou mais de um
sou muitos em mim mesmo
e ninguém sou
e nada sendo nada espero
dos fatos singulares

Rio, 21 de setembro de 2010.



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

SETEMBROS


setembros [Nydia Bonetti]

o tempo
corrói a vida pelas bordas
insaciável
já devorou
mais da metade do que sou
[...ou do que fui?
e nos setembros
ele arranca pedaços
inteiros




quando setembro vier será outono lá mas a primavera romperá aqui as flores do renascer
a alegria tomará o espaço onde a vida nos ensinará a amar a beleza que nos transcenderá
não
o insaciável tempo não nos sacia a sede da beleza que nos trará setembro a cada ano que está por vir
Nydia
o teu setembro é poesia...

Rio, setembro de 2010



domingo, 19 de setembro de 2010

VÔO CURTO







esta noite durmo inquieto
porque nada do que dissestes
parece tudo

sei que procuro a idéia impossível
do recíproco
no deserto de todos os ecos

de meu sonho de identidades
nada é igual
nem sobrevive à aridez dos sentimentos contrastantes

que posso eu se não me respondes?
que sonhar na ausência do ar
onde voar?

minhas asas são imensamente curtas
para tão seca atmosfera
meu grito não ecoa

sinto-me só

São Paulo, 19 de setembro de 2010



domingo, 12 de setembro de 2010

DESESPERANÇA ESPERANÇA





com grande esperança cantei o canto da esperança
não a matei que ainda vive
de meus pensamentos
mesmo que "o breve ser da mágoa" pese-me
mas me resta a vida

entretanto choro porque chorei o que cantara
no princípio da desesperança
na grande dor de ver a mágoa fluir de enganos
de tanto sentimento

"o que inda que mágoa, é vida"

nada mudou do que importa
o amor ficou
e quando é grande move-se
consente na doçura da vontade
"que nunca se poderá ver apartada"
de um e outro no sonho de viver
o que há-de vir
para reconstruir da esperança débil
que se aloja na beleza da alma
e vôa o sonho das aves
com espaço e liberdade
para viver o dom da vida
de amar o verdadeiro a verdade o amor inteiro
e fluir na direção do que deve ser
do presente que é criança e será homem
sem esquecer de nada esquecendo tudo
para crescer e ser feliz

um amigo é beleza para sempre
às vezes o deserto mas verdade
sempre água e lealdade
o amigo é beleza renovada

quando o temos há beleza no presente
e será mais nova a beleza do futuro
onde há luz
e esperança
se sabemos perdoar
e queremos reviver a esperança
teremos tudo
e a alegria da beleza para sempre [beauty is joy forever - Keats]



Rio, 12.09.2010