quarta-feira, 29 de julho de 2009

DÚVIDA






no caminho inverso
nem vejo
nem ouço
e angustiadamente
calo
nos meus versos

inútil verdade do que sou
escrevo
sobre o que não sei
se o que vejo não é

Rio, julho de 2009


quinta-feira, 23 de julho de 2009

ANGÚSTIA POÉTICA







[uma teoria do isolamento]


desperto do sonho contemplo a imensidão
o infinito liberto no ato de pensar


quietude

que o pensamento não alcança
e a palavra estrangula

diálogo sem som
o pensamento habita o limiar
intangível
no surreal do sonho
onde hesita angustiada a metáfora

a palavra não me basta

Rio, julho de 2009



...numquam minus solum esse
quam cum solus esset
[Catão, por Cícero]

A ILUSÃO DO REAL





aparência ou percepção sensorial
é enganoso o universo do real

a alma só
contempla a verdade invisível
do ideal
por detrás das coisas
atrás do detrás
intangível

*

escrevo para enganar-me
submetido às ciências
e à lógica implacável
o poema é meu delírio
nunca será metafísica
mas pobremente física

organizo em palavras
o que não lido
com a matemática

neste submundo
estou só comigo
mas não tão só
que estou comigo


Rio, julho de 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

IMPLACÁVEL TEMPO






aqui me tens diz o tempo
implacável mortal e nu
o ritmo é tudo

a inquieta borboleta
aprisionada
busca forças para esvoaçar

e o tempo atento
fustiga a vida
para acabar onde começou


Rio, julho de 2009

terça-feira, 21 de julho de 2009

POESIA TRANSFORMADORA DO MUNDO

[de novo, a propósito de Nydia Bonetti em seu Blog - http://nydiabonetti.blogspot.com/]


o mundo meu
não é outro
senão eu
se a poesia transforma
a mim reforma
e toma forma
nos olhos que tenho pra ver
nas linhas que devo ler
do mundo que não é meu


da "Lírica" "[...]um gosto que hoje se alcança,/amanhã já o não vejo;/assi nos traz a mudança/de esperança em esperança, e de desejo em desejo [...]"
"[...] em vida tão escassa/que esperança será forte?/Fraqueza da humana sorte, que, quanto da vida passa/está receitando a morte!"

em continuação já o dizia

"Sôbolos rios que vão/por Babilônia, me achei, onde sentado chorei/as lembranças de Sião/e quanto nela passei./[ ...]"
"Ali, lembranças contentes/ n'alma se representaram,/e minhas cousas ausentes/se fizeram tão presentes/como se nunca passaram.//

Nada se copia, tudo se recria...

Rio, julho de 2009

AINDA O ABISMO

[para Nydia Bonetti]



asas
que falar desse olhar
por sobre a pedra
luz
onde o ar se rarefaz


música


dê meu nome ao vento vivo
que uiva
onde o abismo se desfaz...

21 de Julho de 2009



O MEU ABISMO





[além do real é consciência]

à beira do abismo não o alcanço
fica atrás do vento
profundo na pupila

um grito
eco

desço a pedra em nua solidão
peço tempo
Deus vacila

a luz hesita
vejo outros planos

num bater de asas
a pedra exasperada
é torre de loucura
o tempo transtornado

todas as palavras falam desse abismo
estacionadas no ar

Londres, maio de 2008

segunda-feira, 20 de julho de 2009

CREDO




creio Senhor em Tua Vontade
sou dela eco sustenido
e no Teu Amor sou sustentado
minha oração é feita de silêncio
sussurra por ela a natureza
campos e um céu pleno de estrelas

perdão Senhor de minha fraqueza
de não poder tirar os olhos
do pequeno que me vejo
no descuidado sentido do universo
incapaz do Teu mistério


Rio/Roma, 2 de abril de 2005/21 de julho de 2009

VISITA DA VELHA SENHORA






São Tomé sempre quis ver
o simples ver para crer
outro dia quase vi
na pena que muito senti

para quem vida não tem
morte certamente não vem
no certo do que tem que ser

ontem ou ante-ontem
prometeu-me vir a malvada
apareceu em seguida frustrada
por ter sido mal amada
e começou a mentir

disse que era encantada
que me pouparia no fim
só não disse a danada
que ainda me quer só a mim

virá perversa e sutil
entrará na casa pequena
pela fresta da janela
atraente loura ou morena
e não será outra mas ela
entre tantas outras mil

a promessa doutro dia
trouxe muito desengano
no que virei a perder
neste jardim já deserto
de certezas cheio de enganos
onde é fácil prometer
de tristezas alegria

gosto de tudo que tenho
não gostei do que não tinha
da loura que prometia
à morena que mentia

impaciente acordei
do sono do sonho da rinha
onde todo o tempo briguei
com quem deixou de cumprir
o que estaria por vir
na lembrança ou esperança
de água doce e bonança
da vida que tenho remida
nas penas de meu querer
que claro não quero perder

Rio, julho de 2009





domingo, 19 de julho de 2009

POEIRA DE ESTRADA







foi poeira o pó da estrada
pó que voltará a ser pó
sujeito à brisa do tempo
ou mero desejo das fadas

aqui à beira do verso
procuro encontrar o poema
que nada sôe e tudo diga
como desejos de amigo

que tanto mistério não há
nas manhãs de pouco sol
ou noites de tanta luz

no lapso de meu tempo cantei
tanto amei de tanto amar
cheguei não vim pra ficar

Rio, julho de 2009



ALGUÉM NINGUÉM





tentei ser quem já não sei
mas agora até me esqueço
quanto foi vida vivida
no tempo que já deixei

tudo que hoje me importa
é não ser triste
isso é tudo
a que juntar alegria
de cada hora em minutos

venha o tempo
já não o contarei
no saldo caminharei

é clima de inverno
a chama tênue e o sopro breve
só me lembro que sonhei

tenho esse sentimento
que não é um pensamento
mas busca o brilho do sol

vou em frente
de afeto e desafetos
faço amores e meu bem
da alma que tenho breve
do resto que me pertence

os rios correm ligeiros
desaguam inevitavelmente no mar
passam sem se deixar
nem mesmo acariciar
pretendo deixá-los passar

sou quem sou
não sou mais do que alguém
nesta terra de ninguém

Rio, julho de 2009



CAMINHOS




quem sou eu que não me vejo
quem é o homem no espelho
quem serei sem meu desejo
quem se esconde dentro de mim?

por onde chego aonde
passam meus passos passam
a caminhar o caminho
donde por onde vim?

serei eu o meu reverso
perdido nestes meus versos?

Rio, julho de 2009.

ESCADA




desce
vem a mim pelas escadas
lembra que o tempo passou
e o que era não sou

Rio, julho de 2009

SEGREDO





eu não contei meu segredo
nem sei mesmo por quê
mas aqui deste degredo
só não sabe quem não lê...


Rio, julho de 2009

terça-feira, 7 de julho de 2009

BRILHO DO SOL





amo o brilho do sol
e o pensamento noturno
amo o desejo carnal
onde corpo nem há
mas
noite não é tristeza
tampouco corpo beleza

ó
céu de muito cantar
perdôa meus poucos pecados
e dá-me tempo de amar!

Rio, julho de 2009.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

VERSO INVERSO





é quando a noite vem é quando
tudo que passou é tudo
do nada que ficou é nada
ser do que sozinho sou

pouco para dizer pouco
do sonho que restou do
verso do que foi verso
e não fala não

Rio, julho de 2009


sábado, 4 de julho de 2009

BUSCA




a esta altura melhor não procurar conhecer
o eu profundo
o sol ofusca essa busca

fico na superfície
e vou jogar futebol

hei-de aprender a ser gente
nem que na reincarnação

se passo piso o passado
mas por que falar dele
onde não me encontrar?

o que está adiante
não vejo

talvez fosse preciso que os olhos
lessem música
porque não a podem ouvir

falta premonição à porta da sensação

Rio, julho de 2009.



LOWCURA


lowcura...

nem mesmo o conheci
mas li
escavando em cada linha
uma outra forma de arte

hoje tivemos estragos
na arte da poesia
silencia
Rodrigo Souza Leão


pasmo


poetas costumam demorar-se
no espelho

jovens jamais apagam as luzes


mas ele ainda nem tinha
tempo!


tomara tenha sido um daqueles desmaios
logo depois das cinco!

Rio, julho de 2009.