domingo, 31 de janeiro de 2010

TRANSIÇÃO







REALIDADE E SONHO



o sonho que não me opõe à vida

a poesia adota

e não sinto tédio nem passar o tempo

que me vem de um céu de ficção

já tão antigo quanto o próprio deus

não abandonei o animal gregário

da luta quotidiana

não me perdi sem prazo

nem menor me tornei

há um lugar sob a luz que me ilumina

onde a clareza é minha liberdade

e meu ofício torna-se verdade

escrevo

para fazer do tempo esquecimento

no artifício de sabê-lo cósmico

sob humano tacão

o amor da vida tem assim lugar

em cada instante

na revelação do código do verso

que me conduz ao universo

de quem me fiz amante

com o sol e seu calor

reentendi a vida

e reencontrei o sonho

quando caminho e canto

minha razão

sou eu quem mudou

e falo aos céus

entenderão...



Rio, janeiro de 2010




INDAGAÇÃO CÓSMICA









indiferente às vagas o vento sopra
e o mar encrespa
grisalho submisso embriagado

quando o vejo assim
imenso abandonado à própria sorte
em movimento
pergunto dos desígnios supremos
que impõem a um gigante
persuasão em sopro
mas não convecimento

confuso entre forças
espero a luz tênue da lua
a governar maré montante
e seu vazante

o aleatório cósmico
do caos à ordem
cria o transitório das belezas
de embates e explosões
atrações
negras destinações
nas gravidades celestiais
fogos do Artifício
a declarar caduco o nosso tempo

e o Titan que se fez homem
vaidoso
dedica à força humana
o que lhe escapa

uma espécie de animal
recusando a verdade que o chama

deportado em mar revolto
balança inconsistente sua chama
inteligência de tudo
mas sem força de mudar
a força sobre humana
do cosmos reordenado caos

o que nos aquece
as nuvens negras de uma estufa
ou indecifrada regra
de explosões solares
na mecânica dos astros
em sua dança eterna?

já Michelângelo na Sixtina nos expunha
ao homem-Deus que a si mesmo retratava
insolentemente dominante
sobre a terra que ocupamos
provisoriamente...

Rio, janeiro de 2009



sábado, 30 de janeiro de 2010

GATO/PALAVRA







não duvido das palavras
apenas as temo
porque dizem o que não quero

por isso o verso
que insinua e instiga
a vaga intimidade
de todo entendimento

que mais posso eu dizer
sem me enganar

como um gato salto ligeiro
suave no toque
traiçoeiro

procuro assim a palavra
de cujo sentido
não duvido

penso na beleza e na alegria
como Keats
para sempre
[4ever]

e o que penso não digo
pela palavra
gato

como no amor sei provocar
mas não sei dizer o que sinto
e
como gato
suave no toque
toco

Rio, janeiro de 2010



AQUECIMENTO GLOBAL










passou-me esta manhã a velha senhora
indesejada de sempre

bolso algibeira safada de negro matreira

que tal figura
que rosto bruto
dura

embrulhei sua imagem na pupila
destaquei o negro dos olhos
que me fitava assim
como quem quer sexo
na véspera do fim

o vento áspero soprava lá fora
um vazio seco turvava a luz do dia
dizia que vinha
do Haiti
tinha nexo

gelei o coração e escrevi
esta nota de memória
para contar a história
de meu quase fim
mas lá
no fundo fundo bem fundo
no caleidoscópio da iris
estranha emoção
está a indesejada senhora embrulhada
no horror de conhecer-lhe a intenção
uma velha calma e fria
imaterial

enquanto a memória ajudar
lembrarei a horrenda

já lenda
que assusta meio mundo
com terremotos maremotos
tufões ciclones e afins

para fingir aquecimento global...


Rio, janeiro de 2010.



quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

CLAMOR A UM DEUS








não consigo sorrir
acordo cansado do mundo
sobrevivo ao sentimento de dor
onde o amor desapareceu

se me vejo humano e creio em deus
porque atolar-me no pesadelo da destruição

enquanto a carne se decompõe em tenebrosos
vermes de percepção?

socorro!

cada vez menos claro o som da voz humana
não sorri

onde estás que não respondes
aos ecos e gritos
de vidas desconhecidas
famintas
desgrenhadas

aflitas

por onde andas?

falta um deus no derrotado Haiti

Rio, janeiro de 2010



quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

INDIGNAÇÃO [UM ARROUBO]




[da leitura dos jornais de hoje]


bem...um ser humano é um ser humano
dele não me aparto
sou um
até não nego

mas se não me aproximo
nada quero negar
desumano

incauto ego
fujo só do destino
que me entregou seres humanos

desprezíveis
conhecidos
eleitos
diplomados
mal amados
e por tanto tempo fui cego

instrumento de uma República ideal
exposta às sanhas
e corroída nas entranhas
hoje o desengano

[esperanças e ambições?]

mas guardei princípios
no meu barco abandonado

triste tudo
presos que somos da inércia
angustiados cidadãos
de nenhuma ação

triste país

acorda!

Rio, janeiro de 2010 [ano eleitoral]



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ANGÚSTIA







o que temos que não sabemos
tão certo
tua tristeza
teu amor
tua alegria
talvez um verso

que temos
que procuramos
tem tanto brilho
a tua dor
é tão sem luz a luz que vemos

o que temos que nem nos vemos
tomando por certo
mesmo este verso?

se temos qualquer caminho
o tempo não nos dá tempo
talvez um verso
não seja certo

se temos não o sabemos
e não procuro
é obscuro
à pouca luz
nesta penumbra

quando queremos
sobrevivemos
ao som do vento
ao fogo extinto
ao mar deserto
que nem eu canto
neste meu verso

quando vivemos
nem o sabemos


Rio, janeiro de 2010



segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

RECOLLECTION







I

a borboleta mais leve que o ar

navega o vento da frente pra trás

NYC, dezembro de 2001.


II


brilha a última estrela

murmura a pedra o canto d’água

abrem ao sol a pouco e pouco

os fios da emoção

saudade imprecisa

dessa manhã que balança à brisa e passa

Roma, dezembro de 2003.


III


quisera

mover-me no espaço

pousar em árvores

sobrevoar o caminho

entre o que sinto e o que penso

como vento

pássaro

Roma, dezembro de 2003.


IV


meada que perdeu o fio

enrosco-me em torno do nada

NYC, dezembro de 2001.


V


do que lembro me esqueço

quero falar mas não posso

NYC, dezembro de 2001.


VI


estava eu em meio de achados

impacientes por não serem encontrados

entre perdidos mal-amados

não atinei por acaso procurando

a ilusão nem mesmo encontrei

o outro que era eu no achado que perdi

NYC, junho de 2002.


VII


teimo em ficar não quis estar não pude ir

NYC, maio de 2001.


VIII


sou cativo de mim e não me entendo

eu aqui dentro a paisagem fora

um vago desejo de saber quem sou

se louco avanço deixo-me atrás

se sonho à frente

esqueço de sonhar.

Roma, dezembro de 2003.


IX


a palavra ultrapassada

é memória evaporada

au delà des mots

em seca lágrima

sou a última gota sem pena

NYC/Roma, julho de 2001/setembro de 2003.


X


sou querer que nada quer

sem saber se posso ser

sou pouco eu sou eu

sozinho

em mim sem me ser meu

NYC, Roma, setembro de 2001, setembro de 2003.




domingo, 24 de janeiro de 2010

VIVER






I

o despertar de desejos prenuncia a vida

II

a esperança deles nos mantém

III

queremos o mundo qual nos vem

IV

tristezas se mal queremos
alegrias se bem fazemos

V

alguns vivendo não vivem
outros querendo não têm

VI

tudo muda e o tempo foge
só aprendemos vivendo

VII

alegre é a cor que vemos
melhor não pode ser
que se cores não temos
talvez melhor perecer

cores são tudo
sentir pensar até mesmo sofrer
coisas e fatos o mundo
melhor é melhor ser

VIII

um ou outro verso
pode mostrar minha dor
tão bem que dor parece
tudo que em mim é amor

IX

meus olhos lagrimas têm
choram por bem querer
nunca choram por tristezas
choram por querer bem

X

amo a intimidade de ver
sinto a intimidade de ser
que tudo me ajuda a sofrer
a alegria de viver

Rio, janeiro de 2010





sábado, 23 de janeiro de 2010

TANTA VIDA




[ Cf. Longitudes - http:// nydiabonetti.blogspot.com ]


diante de meus olhos
tanta vida

longe de meus olhos
nada é alheio a mim
além de meus olhos o mistério
de a vida ser assim

Rio, janeiro de 2010



CONSTATAÇÕES






não me engana a morte
nem me tenta a sorte
e sendo isso tão certo
vivo de muito sentir

diante do espelho embaçado
vejo quem deve morrer
mas vive por muito querer

porque penei nem sei
peno sem razão
só me fere o coração

mas tenho medo confesso
de amar o que desconheço
obrigado pelo destino
e pela sorte ao avesso
começo por onde termino
termino quando começo

vivo sem desenganos
conheço todos os danos
nasci para amar viver
para renascer e morrer

não tenho horror de morrer
o que temo é deixar de viver

Rio, janeiro de 2010



PROMESSA








Por teu irmão...
diz confiança em ti
diz humilde tua gratidão
promete a ti mesmo teu futuro
tu és Homem
Deus entenderá!

Rio, 22 de janeiro de 2010



quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A LUTA DE TODOS NÓS








[uma prece]



...diz apenas confiança humildade força
diz firme quem tu és
não te abandones à sorte
luta
tens um deus dentro de ti
irmão

Rio, 21 de janeiro de 2010



terça-feira, 19 de janeiro de 2010

PENSAR E DISPENSAR









"...vida esperar pudera esta cativa/
vida já quase em lágrimas desfeita/..."
[Camões - soneto 191]


I

...tua alegria à tarde sopra
a borboleta de meu sonho

II

..é plena de amor a tarde
olha o céu
ainda arde

III

vivo o sobrevôo refletido
antes da partida

IV

...à tardinha quase noite
alguém insiste e bate à porta
deixo
e o rumor dos passos esmaece

V

pudesse eu trazer de volta todos
ou apenas alguns
como outrora caminhando juntos
então eu viveria tudo novamente

VI

trêmulo neste frio íntimo
reconforta-me teu calor
assim como és
afastando o inverno

VII

flutuam em minhas pupilas
lembranças

VIII

nasci antes de ser
não partirei sem viver

IX

ainda antes de tudo acabar
vivo a alegria de estar

X

tudo é como tem de ser
o caminho do vento é sutil

XI

aonde se esconde a noite quando brilha o sol?

XII

os sons do infinito
não ressoam
na alegria do finito

XIII

e de repente da antiga trilha
fiz novo caminho

XIV

no lusco-fusco do entardecer
ainda brilha
o amor possível

XV

luzes cintilam tímidas
e a escuridão não amedronta

XVI

e o caminhante caminha o seu destino

XVII

"...que o amor é um
não pode ser partido..."
[Camões - soneto 189]

Rio, janeiro de 2010