terça-feira, 25 de abril de 2017

ENTENDER? QUEM HÁ DE?




o que emociona ainda não apareceu
a Terra continua redonda e o horizonte
(nítido ou não)
tudo é normal
frio seca chuva calor
até a fidelidade no amor
assim somos nós

Netuno governa os mares
Apolo faz musculação

hoje a novidade é ladrão
diurno e noturno (como a Terra em seu jogo com o sol)
o corruptor cheio de verdades
dá entrevistas amenas
na televisão
ou difunde boatos no rabigalo da corrupção

do noticiário convulso
restam folhas de jornal
inexplosivos como pastéis
o país não tem futuro com a tal Constituição
(que me perdoe o inesquecível Ulisses dos Guimarães)
pouco cidadã
a lei não individualiza a pena
e generaliza a salvação
erga omnes

a Constituição inaplicável
engessa o país
com seus intermináveis incisos
inumeráveis
de pouco juízo
ou nenhum
resta o parágrafo da proibição da cachaça
essa mesma que nos atrapalha
e não faz sentido nenhum
mas esse é o nome do jogo

olho a chamada realidade
olhos de não ver nada
no vértice cúmplices associados
na base nenhuma direção
não há luz só confins
perplexidade sem fim



Rio de Janeiro, abril de 2017

quinta-feira, 20 de abril de 2017

OUVIR ESTRELAS!



na madrugada escura
não me recordo de nada
sinto apenas em silêncio
o passar das horas
às vezes anjos me assaltam
com a ideia da morte
o que é apenas natural
nesta idade que tenho

sou um soldado da vida
disciplinado e treinado
espero o clarim
para saber que estou acabado
serei feliz se o som demorar
ainda tenho desejos
em meio a muitas vontades
quase livre do cansaço
de ter vivido o tempo
sem jaça mas sem brilho nenhum

nessas horas estou só
ninguém me sabe
nem sente as radiações de vida
que emito entre suspiros
profundos como a memória
já miragens de um coração
feito "clip"de anjos

não creio ter errado nas sendas que percorri
errei solitário
entre altos e baixos nas trilhas de meu passado

medito na madrugada já clara
e aceito o despertar do dia
como etapa da experiência
que goteja hora após hora
mas só no escuro vejo
o que me é suprimido de dia 

são estrelas em constelação que a noite oferece
que no sol e no claro apenas desaparecem 


Rio de Janeiro, abril de 2017


sábado, 15 de abril de 2017

NAMORADAS



quando era jovem
há mais de cinquenta anos atrás
eu namorava como gaivota no mar
era uma eram duas eram muitas para amar
como ondas que o mar aponta
impossíveis de contar
o tempo me livrou das asas
voei por cima das nuvens
e parei por um mistério
a namorar da janela
solitário em meu lugar
contei as ondas derramadas
e não encontrei minha amada
e pus-me isolado a cantar
uma duas trinta cinquenta
uma de cada vez
sem querer perceber
que eras tu que me encantavas
cinquenta namoradas depois
hoje faz cinquenta anos
e tu namoras meus netos
por essa via está bem
por nada me inquieto
nem é preciso voar* 


*Fernando Pessoa

Rio de Janeiro, 06 de abril de 2017. 

sexta-feira, 7 de abril de 2017

CINQUENTA (I)


CINQUENTA


para Maria Luiza




vejo hoje a vida refletida em cenas
dia-a-dia
há perfumes em cada dia

debruço-me sobre o passado
cinqüenta não é muito
em anos é breve
só é longa a sucessão de dias

tudo somado  
é breve o tempo

estão aí as consequências
que os deuses hoje reuniram

provo as delícias do perfume místico da colheita
provo lembranças do prazer de haver vivido
dois quatro oito nove amores

multiplicando o tempo
passamos como um rio de instantes feito
a caminho do mar quase chegando

é o rumor daquele dia de abril de 1967 que ouço
instantes sonhados
o sonhar de um sonho eterno
pleno de esperança

lembro aquela nossa primavera quando o real e o sonho se uniram em nossas vidas
do sonho de vida à vida de sonho
foi um tempo suave faz cinquenta anos
desejado e feliz
quando caminhei trilhas futuras
na incerteza da sorte
pressentindo apenas a sustentação
permanente incondicional
que me sacudiria a alma
na desconstrução do inconsequente
e construção do real
fazendo de cada dia a aurora
manhã de um dia melhor

invisível submarina presente estivestes
a encantar bárbaros e cavalheiros
fustigando lembranças de emoções repetidas

aprendi com a beleza ordenada de tuas projeções

essa memória está toda em meio século que vale por um dia
dias que valem séculos
soprados pelo vento
nos altos e nos baixos do tempo
que inclemente passa


não quero preceder o horizonte
nem as fronteiras indesejadas de um futuro que desconheço
mas confiante levo comigo a imorredoura esperança
sempre a compor nosso espaço
como um céu azul prisma do tempo

esse é o fato real feito de tolerância amor e segurança
que se desdobra na emoção contida de quem ama
premiado de crianças a construir o presente
e prescrever um futuro lá distante

centro de um novo tronco
nesse bosque translúcido de sol
verde e tranquilo
somos nove hoje
todos amantes 

tu és a amada                        

Rio de Janeiro, 6 de abril de 2017


domingo, 2 de abril de 2017

RIO


uma tarde de milagres
março de 2017

olha a praia e o céu azul

a morena gostosa de seios à mostra
o garoto malhado com a prancha de surf

suspeito que estou num dia feliz

é Ipanema a mesma de Tom 
e Vinicius e seus amores eternos

a vida é leve


talvez o dia que me faltava

desconsideradas a ruína do Rio
e seus corruptos sempre suspeitados

os deuses entretanto continuam presentes

já passado o verão de muito sol
cá estou a espreitar a vida
nesta colheita ensolarada
que no Rio nunca nos falta

palmeiras dobram suas palmas ao vento

um tamborim quase um samba rasgado
na calçada é carnaval
na quaresma de resguardos cristãos

não posso esquecer a juventude aqui 

de janeiro a janeiro sem outros deuses que não a alegria
em dias claros de excitação
no boteco da esquina 
os biscoitos Globo e o queijo assado
mais a empadinha de camarão

Rio de praias brancas e montanhas verdes

dotes da natureza
equilíbrio entre sonho sem lapidação
e a evocação do amor
da namorada de mãos enlaçadas
nos domingos azuis de areias brancas 
convidando ao amor

Rio de minha paixão 


Rio de Janeiro, março de 2017.


sábado, 1 de abril de 2017

TRANSIÇÃO




gosto do mar ao fim da tarde

plácido e acolhedor enquanto o sol se põe
quando o crepitar fictício de fogo
fecha o dia no horizonte distante

gaivotas piam suas despedidas do claro

sobrevoam altas o mar que escurece
e o tempo segue o curso inelutável
entre o dia e a noite que se fecha

o mar é um momento de paz

como a brisa que sopra para a terra
e desvia velas de seus planos marinhos

a ilusão de sonho precede o sono

um ponto flutua em perspectiva distante
fico comigo esperando amanhã   

 Rio de Janeiro, março de 2017