sábado, 30 de janeiro de 2010

GATO/PALAVRA







não duvido das palavras
apenas as temo
porque dizem o que não quero

por isso o verso
que insinua e instiga
a vaga intimidade
de todo entendimento

que mais posso eu dizer
sem me enganar

como um gato salto ligeiro
suave no toque
traiçoeiro

procuro assim a palavra
de cujo sentido
não duvido

penso na beleza e na alegria
como Keats
para sempre
[4ever]

e o que penso não digo
pela palavra
gato

como no amor sei provocar
mas não sei dizer o que sinto
e
como gato
suave no toque
toco

Rio, janeiro de 2010



AQUECIMENTO GLOBAL










passou-me esta manhã a velha senhora
indesejada de sempre

bolso algibeira safada de negro matreira

que tal figura
que rosto bruto
dura

embrulhei sua imagem na pupila
destaquei o negro dos olhos
que me fitava assim
como quem quer sexo
na véspera do fim

o vento áspero soprava lá fora
um vazio seco turvava a luz do dia
dizia que vinha
do Haiti
tinha nexo

gelei o coração e escrevi
esta nota de memória
para contar a história
de meu quase fim
mas lá
no fundo fundo bem fundo
no caleidoscópio da iris
estranha emoção
está a indesejada senhora embrulhada
no horror de conhecer-lhe a intenção
uma velha calma e fria
imaterial

enquanto a memória ajudar
lembrarei a horrenda

já lenda
que assusta meio mundo
com terremotos maremotos
tufões ciclones e afins

para fingir aquecimento global...


Rio, janeiro de 2010.