terça-feira, 29 de junho de 2010

CANTO PARA UMA POETA


[à lembrança doce de Christiana Novoa no facebook]


os ventos que levam balões enfeitam a vida de momentos passageiros
ensinam a navegar livres
no ar
que nos é tudo
transparente como a presença do amor
não se desfaz
e sobrevive como olhos a nos olhar por dentro
o que talvez seja a nudez exemplar

uma vida é um instante da imensa eternidade
para onde todos vamos
na dança do eterno retorno
ao lugar [lugar?] de onde viemos
e por enquanto aqui estamos
e isso é tudo
quando apenas sonhamos o amanhã
que só alguém sabe o que é...

Rio, junho de 2010




sábado, 26 de junho de 2010

INCERTEZA








assolado o infinito sem tempo é medida do que não há
nesta realidade cerceada rente a muros de incerteza

imortal instante isolado
o momento não vivido
é passado de futuro incerto
presente confinado à consciência
de que agora ontem tem outras cores
e é outra história

encantados entre números e suposições
o universo e a eternidade cruzam-se
para desmentir o visível
na distância imensurável dos anos-luz

encontro olhos que se indagam
mutuamente
em busca do que parece
a razão irracional dos templos

de tudo resta-me a luz de amores intangíveis
e o quanto penso
enquanto o sol me acaricia
como instrumento do que talvez seja a alegria

Rio, junho de 2010






IDADE







onde encontrar tempo na eternidade
como contar o instante no infinito
quando resolver a dúvida do presente
que tem passado inventa o futuro
mas não se apreende?

pergunto-me para gozar a irrealidade de tudo
enquanto espero o inverno
em pleno outono
de muitas flores e um prazer imenso...

vejo-me no outro
mas não me espelho
apenas constato que nada é opaco
e a transparência será identidade

não há idade
o tempo desfaz-se na eternidade

Rio, junho de 2010




quinta-feira, 24 de junho de 2010

SEMEADURA






semear palavras em campo fértil
são idéias que aguardam o sol para nascer
tenras em tantos versos
revelam emoções
a pouco e pouco florescer

cada poema resulta dessa química
de luz calor e natureza
a perfumar a vida de sentido

tudo é externo ao vicejar
tal vida nova

ah o campo será verde
pincelado em tons de cores delicadas
e estarei aqui nesta colina
por sobre o horizonte
na alegria de entender
o bem vivido

nesta aventura inebriante de amar
sou a pedra
que assim me sinto e vivo
ao escrever este poema

Rio, junho de 2010.




domingo, 13 de junho de 2010

THE REST OF MY LIFE





"...the rest of my life begins to begin..."
[minha filha, Mariana, em 13/06/2010]


O resto de tua vida criança é a esperança
que renasce cada dia e vive como a ave
na revoada do tempo sobre o vento

O resto de tua vida é amor e vibração
como tem sido coração

O resto de tua vida é fortaleza
desde que nascestes tua beleza

O resto de tua vida és tu que frágil e verde medra
sobrevive e cresce sobre a pedra

O resto de tua vida afeita à tua lida
apenas foi começo com Alice, minha vida.

Rio, junho de 2010.



sexta-feira, 11 de junho de 2010

A LIVING DREAM







since now at last
there is no secret
no more farewell
from the past
I hear at a distance
a fainting echo unswell...

a luz que arde em teus olhos não contempla
seu amor tateia no escuro
vem do passado deseja o futuro
e jamais deixa a cena...

for in dreams alone it exists
and I sinned in my dreams last night

Rio, junho de 2010



sexta-feira, 4 de junho de 2010

MARCAS DA FANTASIA








escrever não é menos nem mais
a idéia a frase o jogo de palavras
afogados na vil escravidão
de ereções em orgasmos de pura masturbação

poetas sobrevivem a maus poemas
mas pagarão suas penas
exaustos de escrever sem forma e sem razão
linguagem de falsa sofisticação

leio releio para entender o meio
onde proliferam
filósofos lingüistas
meros legistas descrentes
crentes
que poesia é sopro de inspiração
em versos sem lipoaspiração

tudo se perde em furiosa ventania
de idéias curiosas em formas já batidas
miragens
de alguns em falsa altaneria
suplicantes de cultura
são pedantes
pura água na fervura

tudo se copia
sem culpa que nada se recria

Rio, junho de 2010




LE BATEAU IVRE [O MEU BARCO BÊBADO]








"Le Bateau Ivre" [Arthur Rimbaud]



sou marinheiro de um mesmo mar mas sem navio
navego águas de todas as doçuras
distâncias cores e lonjuras

nasci assim sujeito a espaço aberto
porque para mim o sonho é descoberto
ondeando à luz do sol bravio

canto a vida e o encanto de sereias
batido pelo vento atado ao mastro
obsecado da visão sobre as areias

a terra o mar o vento os astros
guiam-me o destino
no mar em que me perco em cego desatino

e isto é ser livre
só mirar céus de constelações distantes
e viver marinho o sonho de um instante

sou marinheiro o mar me chama
esse amor me inflama
na paixão de reler o "bateau ivre"

" (Ô que ma quille éclate! Ô que j'aille à la mer!"

Rio, maio de 201

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Le vrai bateau ivre








Le bateau ivre

Comme je descendais des Fleuves impassibles,
Je ne me sentis plus guidé par les haleurs :
Des Peaux-Rouges criards les avaient pris pour cibles,
Les ayant cloués nus aux poteaux de couleurs.

J'étais insoucieux de tous les équipages,
Porteur de blés flamands ou de cotons anglais.
Quand avec mes haleurs ont fini ces tapages,
Les Fleuves m'ont laissé descendre où je voulais.

Dans les clapotements furieux des marées,
Moi, l'autre hiver, plus sourd que les cerveaux d'enfants,
Je courus ! Et les Péninsules démarrées
N'ont pas subi tohu-bohus plus triomphants.

La tempête a béni mes éveils maritimes.
Plus léger qu'un bouchon j'ai dansé sur les flots
Qu'on appelle rouleurs éternels de victimes,
Dix nuits, sans regretter l'oeil niais des falots !

Plus douce qu'aux enfants la chair des pommes sûres,
L'eau verte pénétra ma coque de sapin
Et des taches de vins bleus et des vomissures
Me lava, dispersant gouvernail et grappin.

Et dès lors, je me suis baigné dans le Poème
De la Mer, infusé d'astres, et lactescent,
Dévorant les azurs verts ; où, flottaison blême
Et ravie, un noyé pensif parfois descend ;

Où, teignant tout à coup les bleuités, délires
Et rhythmes lents sous les rutilements du jour,
Plus fortes que l'alcool, plus vastes que nos lyres,
Fermentent les rousseurs amères de l'amour !

Je sais les cieux crevant en éclairs, et les trombes
Et les ressacs et les courants : je sais le soir,
L'Aube exaltée ainsi qu'un peuple de colombes,
Et j'ai vu quelquefois ce que l'homme a cru voir !

J'ai vu le soleil bas, taché d'horreurs mystiques,
Illuminant de longs figements violets,
Pareils à des acteurs de drames très antiques
Les flots roulant au loin leurs frissons de volets !

J'ai rêvé la nuit verte aux neiges éblouies,
Baiser montant aux yeux des mers avec lenteurs,
La circulation des sèves inouïes,
Et l'éveil jaune et bleu des phosphores chanteurs !

J'ai suivi, des mois pleins, pareille aux vacheries
Hystériques, la houle à l'assaut des récifs,
Sans songer que les pieds lumineux des Maries
Pussent forcer
le mufle aux Océans poussifs !

J'ai heurté, savez-vous, d'incroyables Florides
Mêlant aux fleurs des yeux de panthères à peaux
D'hommes ! Des arcs-en-ciel tendus comme des brides
Sous l'horizon des mers, à de glauques troupeaux !

J'ai vu fermenter les marais énormes, nasses
Où pourrit dans les joncs tout un Léviathan !
Des écroulements d'eaux au milieu des bonaces,
Et les lointains vers les gouffres cataractant !

Glaciers, soleils d'argent, flots nacreux, cieux de braises !
Échouages hideux au fond des golfes bruns
Où les serpents géants dévorés des punaises
Choient, des arbres tordus, avec de noirs parfums !

J'aurais voulu montrer aux enfants ces dorades
Du flot bleu, ces poissons d'or, ces poissons chantants.
- Des écumes de fleurs ont bercé mes dérades
Et d'ineffables vents m'ont ailé par instants.

Parfois, martyr lassé des pôles et des zones,
La mer dont le sanglot faisait mon roulis doux
Montait vers moi ses fleurs d'ombre aux ventouses jaunes
Et je restais, ainsi qu'une femme à genoux...

Presque île, ballottant sur mes bords les querelles
Et les fientes d'oiseaux clabaudeurs aux yeux blonds.
Et je voguais, lorsqu'à travers mes liens frêles
Des noyés descendaient dormir, à reculons !

Or moi,
bateau perdu sous les cheveux des anses,
Jeté par l'ouragan dans l'éther sans oiseau,
Moi dont les Monitors et les voiliers des Hanses
N'auraient pas repêché la carcasse
ivre d'eau ;

Libre, fumant, monté de brumes violettes,
Moi qui trouais le ciel rougeoyant comme un mur
Qui porte, confiture exquise aux bons poètes,
Des lichens de soleil et des morves d'azur ;

Qui courais, taché de lunules électriques,
Planche folle, escorté des hippocampes noirs,
Quand les juillets faisaient crouler à coups de triques
Les cieux ultramarins aux ardents entonnoirs ;

Moi qui tremblais, sentant geindre à cinquante lieues
Le rut des Béhémots et les Maelstroms épais,
Fileur éternel des immobilités bleues,
Je regrette l'Europe aux anciens parapets !

J'ai vu des archipels sidéraux ! et des îles
Dont les cieux délirants sont ouverts au vogueur :
- Est-ce en ces nuits sans fonds que tu dors et t'exiles,
Million d'oiseaux d'or, ô future Vigueur ?

Mais, vrai, j'ai trop pleuré ! Les Aubes sont navrantes.
Toute lune est atroce et tout soleil amer :
L'âcre amour m'a gonflé de torpeurs enivrantes.
Ô que ma quille éclate ! Ô que j'aille à la mer !

Si je désire une eau d'Europe, c'est la flache
Noire et froide où vers le crépuscule embaumé
Un enfant accroupi plein de tristesse, lâche
Un
bateau frêle comme un papillon de mai.

Je ne puis plus, baigné de vos langueurs, ô lames,
Enlever leur sillage aux porteurs de cotons,
Ni traverser l'orgueil des drapeaux et des flammes,
Ni nager sous les yeux horribles des pontons.


[Arthur Rimbaut]

terça-feira, 1 de junho de 2010

LE BATEAU IVRE




"Le Bateau Ivre" [Arthur Rimbaud]



sou marinheiro de um mesmo mar mas sem navio
navego águas de todas as doçuras
distâncias cores e lonjuras

nasci assim sujeito a espaço aberto
porque para mim o sonho é descoberto
ondeando à luz do sol bravio

canto a vida e o encanto de sereias
batido pelo vento atado ao mastro
obsecado da visão sobre as areias

a terra o mar o vento os astros
guiam-me o destino
no mar em que me perco em cego desatino

e isto é ser livre
só mirar céus de constelações distantes
e viver marinho o sonho de um instante

sou marinheiro o mar me chama
esse amor me inflama
na paixão de reler o "bateau ivre"

" (Ô que ma quille éclate! Ô que j'aille à la mer!"

Rio, maio de 2010