domingo, 29 de novembro de 2009

[canto de] VERÃO








enganos desenganos
felizes passam os anos
declina o sol no poente
brilha suave o luar

vem a donzela menina
no limiar do verão
corpo molhado do sal
e dourado no mar

a praia de luz
só lhe reflete o mirar

já não me doem os joelhos
nem a velha lombalgia
com o sol e o calor desse olhar

quem sabe este meu verso
junte sol e amor
à luz do verão

ama coração

reflito
[voltar a anos atrás
debruçar-me à janela
sentir
a rua e o que nela passeia
sem mim
para escolher
como viver novamente
assim]

Rio, limiar do verão de 2009




sábado, 28 de novembro de 2009

AQUECIMENTO GLOBAL








havia luz no sorriso do mar
era verão

de repente um calafrio
lá dentro na alma
na claridade azul do céu
obscena a ciência revela sua intimidade
elimina os sentimentos decentes
a imaginação dói

defendo-me do calor da pedra
mas não vejo o sol
nem homens
mas um sentimento estranho
mói
o que me ficou
a casa no cosmos
que não tem nome
foi terra que o mar derrotou

fora o tempo humano
sobrevive à única sombra
derradeira
do aquecimento [global]

já não há quem cante
ou se debruce à janela...
isso me faz mal


Rio, novembro de 2009







sexta-feira, 20 de novembro de 2009

LUTA FRATRICIDA







palavras lutam
contra o poema

o verso é incerteza
do alto em baixo

em qualquer posição
estou eu ou sou eu?

Rio, novembro de 2009




SUPOSIÇÃO








no olho do furacão
dois seres se amavam
contra toda suposição


Rio, novembro de 2009



QUÂNTICO








quem me dará o tempo para esquadrinhar o horizonte
antes que eu me perca no universo
e vagueie sujeito às atrações celestes?

viver essa é a missão
de cada um de todos nós
atados ou desatatados de nossos nós

quando me olho vejo-me outro
sou um ou mais de um
já nem sei
mas eu não sou

só me resta a esta altura
a certeza de que não sei
se aqui estou
ou permanecerei

sou escravo da física
e suas duas grandezas
posição e momento
tudo depende da velocidade

que massa sou eu?


Rio, novembro de 2009






Ah... AI AI







estou amarrado
sobrevivo ancorado
atado e calado

em imaginação ameaçado
depois de haver voado
por ares nunca antes explorados

esta vida mói
o amor se vai
segredo guardado dói
enquanto o tempo se esvai

ai dói
ai mói
ai vai

ai ai ai


Rio, novembro de 2009





terça-feira, 17 de novembro de 2009

MISTÉRIO INGRATO








foi-se
nunca voltou
nem se lembrou
de nos dizer

Rio, novembro de 2009



MISTÉRIO FÚTIL







não sei
não tenho certeza
mas
definitivamente
devo saber


Rio, novembro de 2009



DISCRETO MISTÉRIO







eu sei bem que se dissesse
se por acaso falasse
se em um momento revelasse
de mim
de outros
de todos
se eu não calasse
que desastre!

Rio, novembro de 2009



SECA








meu sentimento vazio
faz poesia por um fio
passam as idéias
como águas de um rio

ah!
quem me dera uma leve mágoa
para ressentir e secar
quem me dera
impedir o rio de passar!

Rio de Janeiro, novembro de 2009




sábado, 14 de novembro de 2009

MANHÃ DE SOL





encosta teu ouvido aqui nesta janela
e ouça o mar

deixa-te estar
sem nada perguntar

nada penses

ouves as ondas ?
ouves seu derramar macio na areia branca?
soam suaves o sussurar da brisa
em pele molhada


escuto o mar
e me sugere o vento

arroxeado o céu clareia
logo é puro azul

a manhã em fogo do verão
respira espaço
e ganha corpos torneados
sensual
em Ipanema

*


a paz tem esse sossego
dos pequenos rumores da manhã
acelerada nos passos dos rapazes
em corridas matinais

o sol não tarda e queima
peles em cor de mel
e o Rio acorda
para o gozo do prazer

Rio, novembro de 2009





ILUSÃO









no caminho recusei desvios
fugi de vários destinos
vários fados disfarcei

entre mim e o tempo há um descompasso
ele passou adiante de mim

enganei-o não sou eu mais que estou
sou o outro que o enganou

o meu passado voltou
e no presente ficou

da ilusão e da esperança vivo
alimentando o desejo
de não deixar prevalecer o destino


Rio, novembro de 2009









sexta-feira, 13 de novembro de 2009

POEMETOS EM PEDAÇOS







I

o barco navega silenciosamente
a sua vela
e se encaminha rotineiramente
ao velho porto

II

a alma silenciosa
flutua sobranceira
e o abismo prenuncia

III

vagas ondas mansas vagam
e o mar suave se espraia
grisalho sobre a areia

IV

ao sol de verão
febril
a branca areia ferve

V

ecôa o sombrio o aviso de um navio
sua carga são lembranças vivas
que ansioso espero


Rio de Janeiro, novembro de 2009








SUGESTÕES OUTONAIS



I

a floração ainda não dera frutos
mas amei perdidamente
o perfume das flores

II

será o outono
a véspera do inverno
ou meu tempo de viver?

III

sob o vento hibernal
acarinho religiosamente
as folhas do outono

IV

em campo aberto
vivo a nostalgia de estar só

V

o mar diante de mim
ondula preguiçosamente seu vai-e-vem


Rio, novembro de 2009


O PÁSSARO FERIDO





sonhei e
entretanto não me lembro
o dia nem tão longínquo
em que tudo aconteceu

sinto ainda à distância o rumor dos passos
e uma canção
sopra em folhas mortas
a melodia da esperança

e porque essa canção?
por que são os passos jovens
do futuro que espero
em pleno outono

sonhei que sonhava e acreditei
no pássaro ferido
que me feriu

um breve sonho e acordei
em meio ao sonho
que ainda vivo.


Rio, novembro de 2009



MOTE DA MUDANÇA







tudo muda tudo se transforma
mote permanente da poesia
quanta alegria em tristeza forma
um jardim sem flores
secos de amores

inclemente sol nuvem fugidia
antes azul o céu prepara a noite
e o homem passa no que já sabia
seu destino rude sob vil açoite

não perdôa o tempo
a alegria vã
e promete o sono
e o silêncio frio

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2009 [sexta-feira]



domingo, 1 de novembro de 2009

MELODIA DE OUTONO





essa música que chamei poesia
tão suave no fim do dia
é o que me resta desse longo vôo

na distante verdade do passado
sou grato de haver sido poupado
de momentos de melancolia

deixo três ou quatro sílabas
alinhadas em palavras
colhidas como folhas caídas
nesse outono quase findo

entre o sonho e o sono
sobrevôo o sensível
do que ainda são folhas
apenas orvalhadas

há uma estranha alegria
em sabê-las úmidas
tomem-nas como ousadia
não as queria perder
são a minha poesia

Rio, novembro de 2009