quarta-feira, 28 de abril de 2010

SEIXO







o tempo passado
como seixo rolado
perde arestas


Rio, abril de 2010




TEMPO DE PASSAR O TEMPO







quando meus sentidos voltaram
senti que era tempo
de não mais deixar passar o tempo


Rio, madrugada de 28 de abril de 2010





MAR GRISALHO






a cabeleira revolta
ressalta o grisalho
do mar escuro que o tempo agita



Rio, março de 2010



ABANDONO







abandonado em clima cinza
praia deserta
persistente chuva fina



Rio, março de 2010




PRECE






uma prece ressoa estranha
o ruído elementar
de uma serra



Rio, abril de 2010






FIM DOS TEMPOS







será o tempo diverso
quem nos diz
do fim dos tempos?



Rio, maio de 2010





CIGARRA







ruído insistente de cigarra
fora do tempo
sobre o tronco despido


NYC, setembro de 2001




ECO







de repente o eco chamou
vozes difusas sob o vento
era setembro



NYC, setembro de 2001






MENINO







um menino sentado
chorava a explosão dos sentidos
no setembro perdido


NYC, setembro de 2001





MEDO







terror sob nuvens escuras
artifício sob o azul outonal
numa cidade do medo


NYC, setembro de 2001




CINZAS







não era o frio
do inverno era medo
entre o cinzento escuro do céu



NYC, setembro de 2001




QUINTA AVENIDA







céu de inverno
frio trêmulo de vento
na esquina da Quinta Avenida


NYC, dezembro de 2001







BRANCO NEGRO







flocos brancos acariciaram a pele
de uma criança negra
em destaque sorridente


Nova York, outubro de 2001






NEVE







uma sede intensa
branca sobre a primeira neve
secou-me a alma



Nova York, novembro de 2001





CÉU AZUL







o céu de outono é claro
azul quase anil
aos olhos encanta


NYC, setembro de 2001







REMOINHO






o amarelo das folhas
a brisa leve
e o remoinho rodou



Nova York, setembro de 2001



PASSOS








percebi cessarem os passos
ignorei o tempo
era tão tarde...


NYC, maio de 2002




VENTO








tudo tão efêmero
a borboleta alça vôo
de encontrar o vento


Roma, abril de 2004







TEMPO








quando caíram as folhas
senti que era tempo
de viver o tempo


Roma, setembro de 2004






domingo, 25 de abril de 2010

DOR








vai poema
vai mais além de quanto sinto
segue a dizer o quanto minto

tão longe de dar pena
machuca o coração
esta canção


Rio, maio de 2010




ESPERA











tenho esperado
te espero exasperado
tenho esperado um tempo sem fim

desesperado


Rio, maio de 2010




terça-feira, 20 de abril de 2010

OCO





revirando o baú...um oco antigo

O que tinha de ser já foi, o que será o destino anunciará. Tudo no seu devido tempo aconteceu, tudo assim acontecerá e meu biógrafo (se o tiver) dirá que fui eu.

Não creiam no que diga (se o disser), pois nada ocorreu segundo plano, os fatos sucederam sem escolha e a sucessão deles foi meu fado.

Aquilo que foi por força da necessidade das coisas estabelecidas era imutável. Não poderia ter sido outro, o que não foi, para se tornar inutilmente o que poderia ter sido.

Nasci trancado no claustro de mim mesmo e nada transformei da realidade. Ela se impôs sobre meus dias, falsamente aberta para mim.

Na sombra clara que parecia dia vivi a noite iludido com a penumbra que parecia muito mais clara, fácil, a meu gosto.

Entrei na vida como quem entra num oco.

Muito a preencher no começo:

matéria do concreto, pensamentos, até mesmo sentimentos.

O terror do oco na vida está em que o espaço é imenso e as pequenas coisas acrescentam pouco. Nada se faz de grande, diz o retrospecto, nada o preenche e fica o medo.

NYC, maio de 2000

domingo, 11 de abril de 2010

CARÁTER








entre afeto e razão
pouca distinção
quando a pura graça os ilumina
e o invisível a vista vê
com a precisão de saber o que
o coração percebe e o caráter contamina

pensamento natureza
do caráter alimento

e a manhã começa sobre a pedra da razão fortalecida
pelo engenho e consciência da humana habilidade
em dizer palavras claras
para onde voa o sentimento


Rio, abril de 2010



sábado, 10 de abril de 2010

FRÁGUA









se buscar o bem é mal do amor
o tempo desigual é força natural
que afasta a dor

e o homem insensível que não sente
o vento teme o tempo

ah porque perdi-me o pensamento
que das entranhas lembra a mágoa
dos que choram a queda das montanhas
e em lágrimas vertem sentimento
do amor que se perdeu em meio à água
na dor que os abateu em desconcerto?


Rio, abril de 2010


DEPOIS DO TEMPORAL








há um ritmo na manhã que tarde floresce sobre aquela pedra
onde respira verde a vida e azul é o céu de poucos brancos
embora seja outono o fim das águas lembra o inverno
tão raro em meio à leve névoa que separa o horizonte

a vocação do mar é ser grisalho na ressaca da bebida de uns dias
lambendo a praia exausta
as energias brotam naturais na retomada da alegria
que o sol tímido prenuncia

não me perguntem a mim mas aos deuses
por que a eternidade da beleza também mata...


Rio, abril de 2010 [depois do temporal]




sexta-feira, 9 de abril de 2010

TEMPORAL










finalmente o sol
recapturado
e o céu onde flutuam os anjos
infinitamente azul

a alva praia renovada
a gente revivida
e o sorriso

as águas correram para o mar
deixando atrás o que devemos recordar
para aprender
no rastro da destruição

e a natureza atravessa o caminho
em sua inteira liberdade

a vida é filha da necessidade
e o homem parte
que a deve compreender

aqui não nos prendem mais coisas que a vida
diz o Poeta
enquanto a chuva arrefece
radiante
uma nova manhã se oferece...

Rio, 9 de abril de 2010




segunda-feira, 5 de abril de 2010

REALIDADE OU SONO?





[depois de uma roda política na TV]


toca-me a incapacidade de dizer

qualquer coisa simples

frases ou palavras

que ninguém lê
na noite que chega obscurecendo idéias
[brilhantes?]
no anoitecer simultâneo da auto-crítica

a casa em silêncio cala-se
a rua não raro ruidosa
morta
e eu discuto entre mim e eu mesmo
a inutilidade de tudo

ouvir o silêncio pensar o vazio
completa o dia
e passo a noite a imaginar o que está por vir
do nada que deságua
em mar de imensa nostalgia

saudade inconsistente permeia esse vagar sem tempo
ou qualquer mágoa
de quando me ocupei de conceitos
sobre árabes e judeus
e absolutamente nenhum deus

isso de defender a pátria foi importante
ocupou-me por instantes
a razão em busca da emoção
de sentir próximo
o que era distante

olho sem opinião novos atores
e o cenário é o mesmo
que repete antigas bravatas
na eloqüência
da mediocridade dominante
que me rouba o sonho
mas não impede o sono

escrevo em busca da idéia
do sutil ruído
e-xas-pe-ra-da-men-te
vida
movimento
ou criação
mas a realidade não alimenta esperanças
mais além deste lamento...

Rio, abril de 2010



sexta-feira, 2 de abril de 2010

CONTAS








amei todos os lugares por onde displicentemente vaguei
nunca suprimi o prazer de descobrir e revelar
meus passos sobre caminhos reais
tão reais quanto o sentimento
de encontrar um amigo
um curso d'água
uma colina
ou o deserto

quando voltar o verão e o calor do sol me alcançar
recordarei o inverno
na estação dos frutos lembrarei das flores

a memória retorna a cada passo e divaga
em círculos
e aqui estou diante da imensidão do mar
escutando vagas que se quebram
e o vento que me afaga

sinto ainda o primeiro orvalho
da madrugada fria nos campos de meu pai
creio ainda na primeira chuva
seguida do verde que descia até a mata ciliar
ajo como a criança ainda
ainda a esperança
ainda sei amar

estou consciente de que a noite chega
e cada lugar por onde passei
ainda está
no mesmo lugar
só eu não estou mais lá

trago comigo o sentimento do mundo
como o Poeta
estou quite
não houve míngua nem sobra
e não exprimo tristeza mas alegria
com os olhos cheios
de realidade

nenhuma metafísica
mas o rumor do mundo e a visão das cousas
sem desolação
intimidade com a vida
e coração

Rio, abril de 2010





ADVERTÊNCIA








de onde vem esse silêncio repentino
onde encontrar
águas lambendo margens de ternura?

será que não dói
viver da imprecisão?

que música escutas
que pedra tens dentro de ti?

onde encontrar a sombra pura
do novo mundo
água e ponte
entre hoje e amanhã?

insistes na dúvida impermeável do silêncio
alma e corpo separados
vazio de melancolia

será aí que te escondes?
acorda!

de tua fantasia nada restará
não há outro caminho
ninguém sobrevive à partida da alma desgarrada

teu corpo sem alma esfriará

Rio, abril de 2010



quinta-feira, 1 de abril de 2010

FICAR PARTIR









podia falar de mim na ilusão de ser ouvido
antes do último vôo
mas tudo esqueço e omito o principal
implacável sinto-me só
no esforço de por ordem
na sucessão de versos que a noite inspira
e a angústia de querer ficar suspira
noites que imitam a grande noite
entregam-me migalhas em forma de palavras
e não me libertam
para que eu diga que estou feliz
dizendo o que sinto
triste falar do que não quero
e dizer de tal maneira que ouçam a minha voz
e nela não se encontrem ameaças
mas a alegria de permanecer
para noite após noite respirar a pureza da manhã


Rio, abril de 2010