sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

SONHOS/DESEJOS



anos passei com a visão do horizonte
reto inatingível distante
nunca soube avaliá-lo corretamente
hoje aos setenta e três fiz a descoberta
e o encontrei curvo, flexível e próximo

sonhei com o inatingível
mas realizei parte dos sonhos
não me neguei o que sou
mas não sucumbi aos desejos
não os confundi com quem sou

hoje aos setenta e três
posso ser flexível
posso realizar meus desejos
que o sonho foi minha vida

Rio, janeiro de 2014.




VONTADE E DESEJO (reflexões maduras)



não quero passar uma percepção irreal  

hei-de sentír a verdade
para refletir a realidade

o desejo não é o caminho reto

só a vontade pode trilhá-lo

por isso reconstruir a memória

é fator dominante
para não errar nos descaminhos

é difícil eu sei

derrotar o falso sonho
travestido em desejos
e adotar a vontade
como caminho da realidade

mas é preciso

derrotar o orgulho
repensar a vaidade
como formas do erro
que vem com a reincidência
nascida na auto-complacência

ter memória é preciso

para caminhos e descaminhos
trilhados ou abandonados
porque na enorme estrutura do mundo
 uma porta só
e nela se lê que a virtude
está em ser íntegro afirmar a vontade
e reconfirmar a verdade
para compreender a realidade

sonhos não são desejos

nem sonhos se constroem com desejos
vontade é o caminho reto

tudo o mais é ilusão


Rio, janeiro de 2014.




quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LIMITES


aos setenta e três diz minha intuição
sensatamente
pouco haver para criar
reservo-me o direito de ignorar facetas de meu inconsciente
como o ar se esquece das aves os mares dos peixes e a floresta dos répteis
mas o farei

ignorarei o amor mas não deixarei de amar
ignorarei o tempo mas ele não deixará de passar
ignorarei meu corpo mas ele não cansa de decair
ignorarei o mundo mas ele está em torno de mim

não posso ignorar a vida 
não devo ignorar a alma que me provê transcendência
não abandonarei meus sonhos são a essência de mim
insistirei na poesia perdida por me salvar

lenda ou sonho realidade ou fato
o poema é o meio por sobre a montanha
de cuja altura avisto

esquecer ontem viver hoje pressentir o futuro são o inevitável
que eu não quis mas não se acaba assim

passou o vento e a tempestade
há quanto tempo nem sei
levo o sonho que vivo seguro por me salvar

gente me enche a vida
jovem traz-me a alegria 
que nas crianças são o bulício

nesta idade o sol está no poente
o romance apenas iniciado
o poema inacabado
e o amor com força presente
no claro do luar que suave ilumina a escuridão

para além disso sou gente
para aquém disso nem sou

Rio, janeiro de 2014.



quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

NOTURNO


é fim de tarde
o azul marinho mescla o azul do céu
o dia cai em sombras
e a praia erma recusa o mar em ondas
que voltam arrasadas atrás na escuridão do mar
ouve-se o marulhar 
só mar areia e o sossego
da solidão

é um azul escuro no abraço fatal da noite
suave torpor em abandono
esquece o mundo e mergulha sem dizer nada
vem do mar a maresia
e seu perfume inconfundível
o velho mundo claro em cores embaçado abraça

esqueço-me da vida
meu mundo é noite
de minha entrega ao oceano 

Rio, janeiro de 2014.



UMA HISTORIETA



anos e o conheci

dezoito anos entregues a si mesmos
solidão em meio a "amigos"
pobre

num dia qualquer

numa tarde qualquer
empinava pipas à falta do emprego
perfume de campo no descampado onde alegre ecôa a inexplicável gargalhada
ladram cães 
um ambiente pobre de casario irregular
um filme incapaz de vencer a pobreza dominante

conheci-o entretanto por acaso antes

só 
de uma solidão pungente vendia conselhos conhecimentos informática 
marcas peças 
conveniências
migalhas
ousado e tímido ajudou-me com meu primeiro computador
e com o segundo e terceiro

descobri-o conversador e com ideias

vontade
capaz de dar nó em pingo d'água

como bolhas de sabão aparecia e desaparecia
mas nem era fraco era fugidio
vazio
não revelava os porquês de sua vida
Ipanema Copacabana Barra Rio de Janeiro
[alguns aventureiros sem horas ou compromisso falam
do que fantasiam nunca a verdade]
"poker face"

um homem é um homem pela qualidade do carater

um subproduto de sua natureza
outros são bolhas de sabão a deformar a imagem e explodir em pouco tempo
entrementes amigos amigos falsos e solidão

estava na curva de descida

cultivava um mistério sem segredos
que comportamentos revelam de que o vulgo fala
desconhecia o amor

aqui me exalço por haver insistido nas batalhas que perdi

esperei novas bolhas de sabão
desiludi-me encantei-me
matemática luminosa 
dois mais dois eram talvez quatro antes de se tornarem quatro
falou alto o sonho e o poder dos desejos
de novo a vontade
veio a bonança inicial
que fez valer a escola e a experiência de vida
livros

descobriu o amor
já não mais ruína
já não era escravo
mas senhor

um homem é homem quando afirma o que quer
onde o possa ter 
não importa o lugar


não se medem sentimentos mas a rudeza inicial sucumbiu 

à obviedade do mundo e às exigências da vida
nó em pingo d'água quem sabe bem mais
aprumou-o hesitante
o campo tornou-se verde e a meta clareou
goool
cinco anos cinco e a vitória esperada chegou
revelando um cavalheiro afirmando a natureza e fechando os traços
do caráter que já mede sentimentos e desfaz segredos expontaneamente
tudo terá

o planeta continua sua viagem pelo desconhecido
o mar produz ondas e as despeja em terra
o bem é azul
céu é o azul que nos protege

o sonho sonhado é realidade

[e esta história é um poema]

e eu que tudo passei emociono-me
também tenho sentimento

Rio, 28 de janeiro de 2014


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

CICLO



não tardarão as folhas a esvoaçar a queda
nuas as árvores retomam forças
e o ciclo gira a vida em novos termos
para enfrentar a força dos ventos

o leito verde sob tronco e galhos
espera o cenário para não mudar
(nos trópicos o branco da neve é forma de alienação) 

tudo tem seu tempo
só não muda o vazio entre mim e eu mesmo
perplexo diante da beleza
como quem a admirar deseja

diante da vida ouço o canto dos pássaros
e o tagarelar das cigarras
tão raras 

quem sabe se admirar estrelas e chorar com o mar
seja o destino do mais íntimo que sinta
o mais objetivamente embeleza a vida 
mas não penetra em mim

Rio, janeiro de 2014.


domingo, 26 de janeiro de 2014

CERTO ERRADO



se o errado é diverso do certo

se o erro é diverso
se o certo é um
errar é majoritário

quem me dera (assim) errar para ser feliz

quem me dera ser feliz em errar
quem me dera nada dever
a teimar amar odiar concordar

eu desejaria que tudo acontecesse novamente

"da capo al fine"
e eu teimaria para não concordar 
eu amaria sentir-me bem a odiar
eu odiaria teimar (muitas vezes)
e concordaria em amar (muitas vezes)

faria tudo assim combinado

o contrário do certo
o contrário do erro
e seria mais eu
feliz

Rio, janeiro de 2014.