sexta-feira, 7 de abril de 2017

CINQUENTA (I)


CINQUENTA


para Maria Luiza




vejo hoje a vida refletida em cenas
dia-a-dia
há perfumes em cada dia

debruço-me sobre o passado
cinqüenta não é muito
em anos é breve
só é longa a sucessão de dias

tudo somado  
é breve o tempo

estão aí as consequências
que os deuses hoje reuniram

provo as delícias do perfume místico da colheita
provo lembranças do prazer de haver vivido
dois quatro oito nove amores

multiplicando o tempo
passamos como um rio de instantes feito
a caminho do mar quase chegando

é o rumor daquele dia de abril de 1967 que ouço
instantes sonhados
o sonhar de um sonho eterno
pleno de esperança

lembro aquela nossa primavera quando o real e o sonho se uniram em nossas vidas
do sonho de vida à vida de sonho
foi um tempo suave faz cinquenta anos
desejado e feliz
quando caminhei trilhas futuras
na incerteza da sorte
pressentindo apenas a sustentação
permanente incondicional
que me sacudiria a alma
na desconstrução do inconsequente
e construção do real
fazendo de cada dia a aurora
manhã de um dia melhor

invisível submarina presente estivestes
a encantar bárbaros e cavalheiros
fustigando lembranças de emoções repetidas

aprendi com a beleza ordenada de tuas projeções

essa memória está toda em meio século que vale por um dia
dias que valem séculos
soprados pelo vento
nos altos e nos baixos do tempo
que inclemente passa


não quero preceder o horizonte
nem as fronteiras indesejadas de um futuro que desconheço
mas confiante levo comigo a imorredoura esperança
sempre a compor nosso espaço
como um céu azul prisma do tempo

esse é o fato real feito de tolerância amor e segurança
que se desdobra na emoção contida de quem ama
premiado de crianças a construir o presente
e prescrever um futuro lá distante

centro de um novo tronco
nesse bosque translúcido de sol
verde e tranquilo
somos nove hoje
todos amantes 

tu és a amada                        

Rio de Janeiro, 6 de abril de 2017


domingo, 2 de abril de 2017

RIO


uma tarde de milagres
março de 2017

olha a praia e o céu azul

a morena gostosa de seios à mostra
o garoto malhado com a prancha de surf

suspeito que estou num dia feliz

é Ipanema a mesma de Tom 
e Vinicius e seus amores eternos

a vida é leve


talvez o dia que me faltava

desconsideradas a ruína do Rio
e seus corruptos sempre suspeitados

os deuses entretanto continuam presentes

já passado o verão de muito sol
cá estou a espreitar a vida
nesta colheita ensolarada
que no Rio nunca nos falta

palmeiras dobram suas palmas ao vento

um tamborim quase um samba rasgado
na calçada é carnaval
na quaresma de resguardos cristãos

não posso esquecer a juventude aqui 

de janeiro a janeiro sem outros deuses que não a alegria
em dias claros de excitação
no boteco da esquina 
os biscoitos Globo e o queijo assado
mais a empadinha de camarão

Rio de praias brancas e montanhas verdes

dotes da natureza
equilíbrio entre sonho sem lapidação
e a evocação do amor
da namorada de mãos enlaçadas
nos domingos azuis de areias brancas 
convidando ao amor

Rio de minha paixão 


Rio de Janeiro, março de 2017.


sábado, 1 de abril de 2017

TRANSIÇÃO




gosto do mar ao fim da tarde

plácido e acolhedor enquanto o sol se põe
quando o crepitar fictício de fogo
fecha o dia no horizonte distante

gaivotas piam suas despedidas do claro

sobrevoam altas o mar que escurece
e o tempo segue o curso inelutável
entre o dia e a noite que se fecha

o mar é um momento de paz

como a brisa que sopra para a terra
e desvia velas de seus planos marinhos

a ilusão de sonho precede o sono

um ponto flutua em perspectiva distante
fico comigo esperando amanhã   

 Rio de Janeiro, março de 2017


  

sexta-feira, 31 de março de 2017

MAIS DE DOIS




um impostor viveu sempre em mim

só que à maneira inversa
ser eu foi ser diplomata
executivo ou negociador
o dia todo
enquanto o outro lado de mim
era caipira ainda 
aquele do interior

já viu só 

o eu que verdadeiro sou
é o caipira

esquizofrênico sempre soube o inimigo

caipira dirão os pouco amigos
mas sempre fui quem não pode
para isso ser concebido

no que um é sofisticação 

no outro é coração
e amor que acontece no fazer o que não é
um a olhar o mundo do alto
o outro a vivê-lo no chão

eis minha confissão

sou dois em um
ou mais que dois
ator capaz de fingir
a dor que nunca sentiu
o amor que sempre viveu
caipira que gosta de ser

o mesmo momento em conflito

no paralelo que é convergente
de uma só vez um destino
caminho que leva a toda parte
parte e reparte
um modo nada sutil de estar enganado
sem enganar a ninguém 

um que escondo outro 

que me esconde à vez
olhado por mim
entretanto
sou eu mesmo
nem composto nem simples
comigo só posso ficar

Rio de Janeiro, março de 2017.





IMPOSTOR




isso de não ser poeta rendeu

amigos que me estimulam
outros que me aplaudem
mas tentarei ser modesto
nada de Carlos Drummond
nem mesmo de João Cabral

mas existe um eu que não conheço

que me embala que me constrange
e nem contato tem comigo
mas escreve altas horas
reescreve sublinha em conflito comigo
quer-se ver em páginas escrito

aff... não me compra

no máximo ouço-lhe o canto
com certo encanto
contradiz-me em intenções
e me diz
publica

no que nele é pretensão

em mim é gesto modesto
e resisto

acho que é impostor



Rio de Janeiro, março de 2017 



quinta-feira, 30 de março de 2017

POETA NÃO SOU



isso de ser poeta é uma frustração

pois não sei falar de flores
nem dos aromas de um jardim
e quando trato de amores
o pensamento trava

lembro sempre o poeta

que decifrou o segredo das flores
que têm um tempo de vida
em pétalas se desfazem 
e como tudo morrem

engana-me cada dia a alvorada

pois que o sol se põe no poente
e não sei cantar estrelas
nem fazer juras de amor
sob a lua tão pálida doente

ser poeta

serei tão limitado e pesado
que depois de muito pensar
dar tratos à imaginação
rabiscando feito pateta
decidi não tentar
não sou poeta 

Rio de Janeiro, março de 2017




QUE FAZER



que faço eu a escrever poesia
é a pergunta que se equilibra em outra
que faria eu se não existisse vida

assim perplexo lembro-me das palavras

que me servem para criar versos
regressos de mim mesmo à minha liberdade

vim para ser

se poeta não sei
mas é com poesia que tudo faz sentido
desdobrando metáforas pedinte de ideias
ouvindo o vento que sopra sossegado 
olhando estrelas comunicando espaços
que os olhos não vêem
mas as palavras sentem

tudo o mais nada vale o verso

se deprimido vazio isolado em vida
entre o nascimento e a morte
deixo o abismo e não vivo o universo 

palavras (autênticas)

ideias (falsas)
não quero viver sem as conseqüências
de organizar o espaço e o tempo 
e preparar-me para o indesejado fim
dessa verdade que me dói os ossos

que farei se não escrever poesia



Rio de Janeiro, março de 2017