"Porém, pera cantar de vosso gesto a composição alta e milagrosa, aqui falta saber, engenho e arte." Luís de Camões ... assim encontrareis aqui palavras magoadas a tornar o fogo frio e dar descanso a minha alma condenada ...
quinta-feira, 20 de abril de 2017
OUVIR ESTRELAS!
na madrugada escura
não me recordo de nada
sinto apenas em silêncio
o passar das horas
às vezes anjos me assaltam
com a ideia da morte
o que é apenas natural
nesta idade que tenho
sou um soldado da vida
disciplinado e treinado
espero o clarim
para saber que estou acabado
serei feliz se o som demorar
ainda tenho desejos
em meio a muitas vontades
quase livre do cansaço
de ter vivido o tempo
sem jaça mas sem brilho nenhum
nessas horas estou só
ninguém me sabe
nem sente as radiações de vida
que emito entre suspiros
profundos como a memória
já miragens de um coração
feito "clip"de anjos
não creio ter errado nas sendas que percorri
errei solitário
entre altos e baixos nas trilhas de meu passado
medito na madrugada já clara
e aceito o despertar do dia
como etapa da experiência
que goteja hora após hora
mas só no escuro vejo
o que me é suprimido de dia
são estrelas em constelação que a noite oferece
que no sol e no claro apenas desaparecem
Rio de Janeiro, abril de 2017
sábado, 15 de abril de 2017
NAMORADAS
quando era jovem
há mais de cinquenta anos atrás
eu namorava como gaivota no mar
era uma eram duas eram muitas para amar
como ondas que o mar aponta
impossíveis de contar
o tempo me livrou das asas
voei por cima das nuvens
e parei por um mistério
a namorar da janela
solitário em meu lugar
contei as ondas derramadas
e não encontrei minha amada
e pus-me isolado a cantar
uma duas trinta cinquenta
uma de cada vez
sem querer perceber
que eras tu que me encantavas
cinquenta namoradas depois
hoje faz cinquenta anos
e tu namoras meus netos
por essa via está bem
por nada me inquieto
nem é preciso voar*
nem é preciso voar*
*Fernando Pessoa
Rio de Janeiro, 06 de abril de 2017.
sexta-feira, 7 de abril de 2017
CINQUENTA (I)
CINQUENTA
para Maria Luiza
vejo hoje a vida refletida em cenas
dia-a-dia
há perfumes em cada dia
debruço-me sobre o passado
cinqüenta não é muito
em anos é breve
só é longa a sucessão de dias
em anos é breve
só é longa a sucessão de dias
tudo somado
é breve o tempo
estão aí as consequências
que os deuses hoje reuniram
provo as delícias do perfume místico da colheita
provo lembranças do prazer de haver vivido
dois quatro oito nove amores
multiplicando o tempo
passamos como um rio de instantes feito
provo lembranças do prazer de haver vivido
dois quatro oito nove amores
multiplicando o tempo
passamos como um rio de instantes feito
a caminho do mar quase chegando
é o rumor daquele dia de abril de 1967 que ouço
instantes sonhados
é o rumor daquele dia de abril de 1967 que ouço
instantes sonhados
o sonhar de um sonho eterno
pleno de esperança
lembro aquela nossa primavera quando o real e o sonho se uniram em nossas vidas
do sonho de vida à vida de sonho
foi um tempo suave faz cinquenta anos
desejado e feliz
quando caminhei trilhas futuras
na incerteza da sorte
pressentindo apenas a sustentação
permanente incondicional
que me sacudiria a alma
na desconstrução do inconsequente
e construção do real
fazendo de cada dia a aurora
manhã de um dia melhor
invisível submarina presente estivestes
a encantar bárbaros e cavalheiros
fustigando lembranças de emoções repetidas
foi um tempo suave faz cinquenta anos
desejado e feliz
quando caminhei trilhas futuras
na incerteza da sorte
pressentindo apenas a sustentação
permanente incondicional
que me sacudiria a alma
na desconstrução do inconsequente
e construção do real
fazendo de cada dia a aurora
manhã de um dia melhor
invisível submarina presente estivestes
a encantar bárbaros e cavalheiros
fustigando lembranças de emoções repetidas
aprendi com a beleza ordenada de tuas projeções
essa memória está toda em meio século que vale por um dia
dias que valem séculos
soprados pelo vento
nos altos e nos baixos do tempo
que inclemente passa
essa memória está toda em meio século que vale por um dia
dias que valem séculos
soprados pelo vento
nos altos e nos baixos do tempo
que inclemente passa
não quero preceder o horizonte
nem as fronteiras indesejadas de um futuro que desconheço
mas confiante levo comigo a imorredoura esperança
sempre a compor nosso espaço
como um céu azul prisma do tempo
esse é o fato real feito de tolerância amor e segurança
que se desdobra na emoção contida de quem ama
premiado de crianças a construir o presente
e prescrever um futuro lá distante
centro de um novo tronco
nesse bosque translúcido de sol
verde e tranquilo
somos nove hoje
nesse bosque translúcido de sol
verde e tranquilo
somos nove hoje
todos amantes
tu és a amada
Rio de Janeiro, 6 de abril de 2017
domingo, 2 de abril de 2017
RIO
uma tarde de milagres
março de 2017
olha a praia e o céu azul
a morena gostosa de seios à mostra
o garoto malhado com a prancha de surf
suspeito que estou num dia feliz
é Ipanema a mesma de Tom
e Vinicius e seus amores eternos
a vida é leve
talvez o dia que me faltava
desconsideradas a ruína do Rio
e seus corruptos sempre suspeitados
os deuses entretanto continuam presentes
já passado o verão de muito sol
cá estou a espreitar a vida
nesta colheita ensolarada
que no Rio nunca nos falta
palmeiras dobram suas palmas ao vento
um tamborim quase um samba rasgado
na calçada é carnaval
na quaresma de resguardos cristãos
não posso esquecer a juventude aqui
de janeiro a janeiro sem outros deuses que não a alegria
em dias claros de excitação
no boteco da esquina
os biscoitos Globo e o queijo assado
mais a empadinha de camarão
Rio de praias brancas e montanhas verdes
dotes da natureza
equilíbrio entre sonho sem lapidação
e a evocação do amor
da namorada de mãos enlaçadas
nos domingos azuis de areias brancas
convidando ao amor
Rio de minha paixão
Rio de Janeiro, março de 2017.
sábado, 1 de abril de 2017
TRANSIÇÃO
gosto do mar ao fim da tarde
plácido e acolhedor enquanto o sol se põe
quando o crepitar fictício de fogo
fecha o dia no horizonte distante
gaivotas piam suas despedidas do claro
sobrevoam altas o mar que escurece
e o tempo segue o curso inelutável
entre o dia e a noite que se fecha
o mar é um momento de paz
como a brisa que sopra para a terra
e desvia velas de seus planos marinhos
a ilusão de sonho precede o sono
um ponto flutua em perspectiva distante
fico comigo esperando amanhã
Rio de Janeiro, março de 2017
sexta-feira, 31 de março de 2017
MAIS DE DOIS
um impostor viveu sempre em mim
só que à maneira inversa
ser eu foi ser diplomata
executivo ou negociador
o dia todo
enquanto o outro lado de mim
era caipira ainda
aquele do interior
já viu só
o eu que verdadeiro sou
é o caipira
esquizofrênico sempre soube o inimigo
caipira dirão os pouco amigos
mas sempre fui quem não pode
para isso ser concebido
no que um é sofisticação
no outro é coração
e amor que acontece no fazer o que não é
um a olhar o mundo do alto
o outro a vivê-lo no chão
eis minha confissão
sou dois em um
ou mais que dois
ator capaz de fingir
a dor que nunca sentiu
o amor que sempre viveu
caipira que gosta de ser
o mesmo momento em conflito
no paralelo que é convergente
de uma só vez um destino
caminho que leva a toda parte
parte e reparte
um modo nada sutil de estar enganado
sem enganar a ninguém
um que escondo outro
que me esconde à vez
olhado por mim
entretanto
sou eu mesmo
nem composto nem simples
comigo só posso ficar
Rio de Janeiro, março de 2017.
IMPOSTOR
isso de não ser poeta rendeu
amigos que me estimulam
outros que me aplaudem
mas tentarei ser modesto
nada de Carlos Drummond
nem mesmo de João Cabral
mas existe um eu que não conheço
que me embala que me constrange
e nem contato tem comigo
mas escreve altas horas
reescreve sublinha em conflito comigo
quer-se ver em páginas escrito
aff... não me compra
no máximo ouço-lhe o canto
com certo encanto
contradiz-me em intenções
e me diz
publica
no que nele é pretensão
em mim é gesto modesto
e resisto
acho que é impostor
Rio de Janeiro, março de 2017
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