hoje ao por do sol vi Ipanema
com olhos de amante onde tu és tudo
sobre o dourado prata de mar
na beleza e alegria de amar
ondas brancas derramavam-se n'areia
e a ti chamei amor
quando o belo é teu
e tu meu céu
por ti me iludi em tempos idos
e desse amor vivi
a paixão de existir
por ti passarei à eternidade
essa mesma ao cair a tarde
que me leva a meditar e te sentir
Rio, fevereiro de 2012.
talvez numa tarde de sol
encontre-me com minha sombra
por sobre mim ao meio-dia
talvez reconcilie amor e vida
no calor desse dia
se eu fosse como desejaria ser
minha sombra fantasma de mim
colaria em uma peça o transcendente e o presente
para que a lucidez tomasse conta enfim
do que sinto e do que penso
nasci para viver intensamente o instante
aquele que não se pode fantasiar
que existe como o destino
onde as escolhas foram aleatórias
mas a ele cheguei
observo-me nesse átimo
como quem é capaz de segurar a centelha
daquela reconciliação entre o concreto e o aparente
da sombra que se ocuparia de mim
sol a pino cortando ao meio o dia
sombra centelha átimo
um momento de vida
no concreto prodigioso
do que sinto e do que penso
finalmente livres no que hoje sou
Rio fevereiro de 2012.
se escrevo é porque não sou indiferente
sinto pressinto guardo comigo
o que a palavra não consegue expressar
mas o amor acontece expressamente
nos cinco sentidos físicos
na intuição e na clarividência
um dia desaparecerei
ninguém mais vai me ver
desolados poucos ficarão
e naturalmente logo esquecerão
seja como for ainda estou aqui
na forma que fisicamente sou
naturalmente como me vejo
e sei que existo
dos amores que tive
restará saudade
dos inimigos que alimentei
cuidará a eternidade
Rio, fevereiro de 2012.
dura porque tem de durar
acaba quando tiver de acabar
ao longe vejo um navio no mar
e gaivotas que o seguem atrás
sei que um dia passarei além
e nada mais fará sentido
exceto que razão não há
para me despedir
voarei o voo longo de não mais voltar
mas a lembrança do que deixo
ficará no mar
Rio, fevereiro de 2012.
sei o que penso mas não é uma ideia minha
sei o que quero mas vou onde Maria queira
sei quem sou mas às vezes acho-me estranho
sei quando é dia mas confundo-o com a noite
sei que é noite mas sonho com o dia
sei tanta coisa mas nem todas sei
sei que tudo acontece concretamente
mas vivo abstratamente
alguém que é e não é
porque embora viva muito bem
às vezes sinto-me mal
sou eu e meu oposto
eu e o outro
o outro sou eu
e desço o rio da vida que muitas vezes é mar
Rio fevereiro de 2012.
se os homens fossem perceptivos e sensíveis
talvez não houvesse capítulos de incompreensão
na história do mundo
não há quem sobreviva sem dano ao mistério
de desconhecer o que é pedra
e de não sentir a alma
o homem-pedra centra-se na imobilidade
e não pensa
o que existe além dele não existe
e ninguém sente o que a alma não registra
nem conhece a própria alma
vegeta
o outro é o inferno dizia Sartre
ignorando o demônio dentro de si
e o fogo a queimar-lhe o coração
perceber menos sentir menos
será esse o destino dos homens
ou da natureza imperfeita
ou sentir mais é reconhecer no outro
uma cópia de si mesmo
e respeitar
valemos pelo que somos
viver é ser
e o ser existe no entendimento
nasci para ensinar e ensinando vivo
entendi que respeitar é parte de mim mesmo
e que o respeito constrói
entretanto
de que adianta ensinar
quando a sensibilidade entorpecida
ignora o outro
Rio, fevereiro de 2012.
leio um poema em cada vida
em cada vida ensaio um poema
e dos olhos do poeta
a poesia vem para as mãos
incapazes de sentir
pois que pensam
racionais
que posso senão mentir
ou certamente fingir
dos olhos fazer coração
acelerado no peito
refrigerado nas mãos
quantos sentimentos senti
tantas vezes fingi
Rio, fevereiro de 2012.