terça-feira, 28 de março de 2017

MENOS UM DIA




bebi a vida 

e até hoje me embriago
um sem remédio que se remedeia
a cada dia na seqüência de ser
isolado às vezes 
outras agregado como sinfonia

fosse tudo igual seria diferente

onde estou seria sempre o mesmo 
todo dia
assim na infância o mesmo na velhice
sem esforço igual 
um ao outro 

mas não é ou talvez não seja


um momento de ansiedade

uma alegria com a idade
a conclusão antes do fim
ou o início com paralisia

vem a destruição sem construção

vem o calafrio em dia quente
vem o calor em pleno inverno frio
vem a tristeza intercalada ao nada
vai e vem 
sem lógica ou exaltação

resta um grito

talvez cansaço
desse período noturno
das forças inelutáveis dos astros
que giram sobre si mesmos
e transladam em torno de um sol

ah...o fim é o foco

do que p'ra mim nem começou
e sou bebido sem contradição

ai


Rio de Janeiro, março de 2017

domingo, 19 de março de 2017

CANSAÇO




há o desejo de buscar saber
no abismo do inconsciente
a razão do cansaço
que me domina o corpo
e invade a alma

não é o espaço onde estou que me incomoda
mas o tempo árido
em sua corrida do passado ao presente
que não me permite perceber o futuro
incógnita função de muitas causas
e dos imponderáveis

não sei

sei que vivi
no íntimo conheço-me
não ignoro meus pecados
nem por eles me penitencio
foram instantes
e tenho a inteligência deles

ouço os ecos de outros muitos momentos
de alguma generosidade
e suas promessas que se realizaram
tenho o sentimento deles
e do que deles transcende
este sou eu
tentativamente dominante

mas o cansaço existe
e não há entendimento que o supere
exceto o silêncio do sono
que recupera momentos
nos sonhos que ainda restam em mim

Rio de Janeiro, março de 2017

sábado, 18 de março de 2017

"INFINITO ÍNTIMO"(*)




a solidão do silêncio aguarda o fim
severo no infinito de todas as coisas finitas
que desaparecem num cerrar de olhos
e desacreditam o próprio conhecimento

onde quer que estejamos morremos
no silêncio ruidoso do sono
e dos tormentos do inconsciente
ocultos no abismo do pensamento

e se a noite escura de um escuro céu
esconde provisoriamente os pecados
relembro-os dolorosamente 
confrontado com o inesperado vazio
da solidão e do silêncio em que nada me consola 
no desequilíbrio que é só meu
enquanto tudo se move e me isola 
no "infinito íntimo"(*) do que sou eu

Rio de Janeiro, março de 2017

(*) Murilo Mendes

quarta-feira, 15 de março de 2017

SONAR




desde um útero de ruídos
há contato com o mundo 
externo ao feto mas buliçoso 
que nos dá à vida

mesmo os meus pensamentos
que dão inteligência à pedra
dialogam a linguagem da imaginação

o vento que sopra do mar assovia
a brisa chora
o marulhar das ondas esparramadas
tudo fala
e me sinto vivo porque ouço

a liberdade é nossa
de amar o que no outro reverbera
e a solidão da vida retempera
no calor do fogo que crepita e estala
para encher os dias de alegrias

identidade é o amor que grita o sentido de meu verso
assim quem sou no nexo das palavras
a transformar virtual em real
na rota de entender os sons
reta como o sonar do que vai
e sempre volta

Rio de Janeiro, março de 2017

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

TORMENTA



venta o vento do nada
sopra fria a solidão
enquanto chove lá fora
a praia rasa é silêncio
ouve o turbilhão
de ondas a seguir o vento
invisível dessedenta ruas
quase mortas 
coração aflito 

paisagem de um verão irregular e raivoso
contra os penhascos de lisas montanhas
encobertas do cinza de nuvens hesitantes
sobre o verde pálido do que resta
da exuberante floresta

a raiva do vento assovia um louco soprar
dobra redobra domina palmas inumanas
antecedendo o beira-mar vazio
como a tormenta de mim

todas as convergências perdidas
só o lamento do vento 

Rio de Janeiro, fevereiro de 2017

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TEDIO INDESEJADO





tu que te abstrais dos interesses do mundo
tu que nada buscas
tu que não tens curiosidades
tu que encontrastes o isolamento
tu que és mudo
tu que és cinza
tu que atingistes a idade limite
tu que não percebes o gosto de nada
tu que não comes
tu que és indiferente ao cheiro
tu que ignoras os perfumes das flores
tu que não vês a beleza na pedra
tu que te afastas da floresta
tu que não ouves o marulhar do mar
tu que não te animas a deixar a casa
tu que nada sentes nem dores
tu que não encontras prazer em novas atividades
tu que abominas o contato humano
tu que nada ouves porque não queres ouvir
tu que te anulas
tu que foges do sol
tu que te identificas com a lua
tu que és parte do meu tédio
desaparece de minha vida
não te quero por perto
morre falece
desaparece

Rio de janeiro, fevereiro de 2017

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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

DE ONDE VIM



minha cidade era quase uma vila
ruas para guardar na memória
retas na direção e no ângulo
reto asfáltico
e nomes sonoros da história
e da desistória
permanentes e acidentais
praça Getúlio Vargas
ou rua Valadão Furquim
onde igualmente vegetam
pessoas e almas
doridas mas tranquilas
no seu palavreado simples
de esconder sentimentos
e fingir emoções
na desimportância de suas importâncias
onde o caminho é um pé
depois de outro
poeirento ao dobrar a esquina
cravado de olhares
críticos mas serenos
no desconhecimento mútuo
de cada vida
amigos que se conjugam ou não
num canto de uma esquina
ou preguiçosos no balcão
do Café Central
ao lado do Hotel Municipal
o que ao lembrar me afundo
no que foi o meu mundo
antes de conhecer o mundo
Dodó patroa
dona dos pequenos quartos
onde Dolores
sobreviviam sem dores
a um homem
depois de outro
e tantos outros
entre uma gelada
e o raro gozo
pelada
madames
sem eira nem beira
pretendendo faceiras
solver o dinheiro do outro
desgostoso
uma memória sem fim
tim-tim por tim-tim
do pouco que me resta de mim
neste poema sem fim

Rio de Janeiro, fevereiro de 2017

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