não quero o futuro desconhecido
mas o horizonte de-fi-ni-do
a que me destine com precisão
é difícil sobreviver com o não
da perspectiva invertida
que impeça a construção
são tranquilas as horas sensíveis
da visão do previsto em sua forma ideal
em que posso errar sem hesitar
são a pintura visível da construção
que incita a criação
e dá ao traço a leveza da intenção
quiçá porque imitamos deuses
em cores definidas reta
curva da imaginação
não não quero o desconhecido
(se é que posso querer)
diante do desafio temo não saber viver
Rio, setembro de 2013.
fiel não sou exceto a mim e ao que sou
tenho mantas de mim auras
colorindo a alma
fiel porque muitos
entre auras e almas
que não me disputam
que não desafiam
neste frágil e incerto mundo que habito
no fim nada serei
no deserto de um futuro não sabido
nem infiel diante de todos
nem fiel
só o abismo
Rio, setembro de 2013.
te escrevo poesia como quem dorme
deixo atrás pensamentos
suspendo a rotina
cessa a ciência
a ideia voa no sono
sou eu e nenhuma consciência
despede-se a vontade
nem amor nem ódio
tampouco tristezas
às vezes alegrias
mais nada
palavras
é quando nada vejo
e só comigo
desamparado
indiferente
aguardo a frase desconhecida
que se revela em sonho
como tu és
não produto do que sinto
nem razão
mas poesia
Rio, agosto de 2013.
"breve tudo" diz o poeta
breve o tempo breve a vida
breve cada dia
breve a Paz que buscamos
breve o entendimento
breve a obra
se a temos
eu me refugio nessa brevidade
para fazê-la eterna
breve eternidade
assim pensado penso no meu tempo
bem lembrado breve
alguns erros que deslembro
bons momentos
não me contradigo nas compensações
como uma concha volto-me a mim mesmo
a minha casa
e no breve tempo que me resta
viverei meus dias
Rio, agosto de 2013.
como antecipar o verso
se não podes aprisionar a palavra?
como teu destino
involuntário
torna-se teu fado?
como construir o poema
a partir do nada?
Rio, agosto de 2013.
o verso de que não preciso
impõe-se alheio
obriga a si próprio
nada o muda
e se faz filho
Rio, agosto de 2013.
o poema não é como sentimos
mas como o escrevemos
sem nem mesmo invenção no correr dos dedos
sobre o teclado frio
a psicografia do poeta consigo
impõe-se a cada letra devorada pelo texto
não há outro caminho
a releitura é a morte da expressão original
cada palavra conspurcando a frase
a autocrítica feroz
de que o sangue é a insônia
e o tédio da repetição
escrito não me recordo a alma
nada é real
não há verdade
a frase resulta da conveniência da composição
e o amor nem implica sentimento ou sentido
ainda que declarado à viva voz
piegas se o deixamos livre
mas
a curiosidade mata o tempo
e a releitura revela insuspeitos segredos
como a flor em botão
o poema ganha independência
perfume às vezes
e sua vida instila sentimentos
no que não se supunha tê-los
tudo é surpresa para o autor
que se reconhece nele
Rio, agosto de 2013.