sábado, 1 de março de 2014

POEMA INÚTIL



um dia qualquer numa manhã qualquer
um longo rio há de chegar a sua foz
terá sido a realização do mistério da vida
um segredo da natureza
tais que a árvore o monte a planície de que fala Pessoa [Caieiro]

"let's go home" dirá quem me virá buscar
porque escrevo na inútil tentativa de ultrapassar esse momento
e deixar algumas palavras por vezes preenchendo idéias
para uma posteridade ambiciosa mas perplexa
porque não poderá ser verificada

a casa que me está reservada terá um só cubículo
dificilmente habitável
mas destinado a quem viveu ilusões
e doravante não poderá ultrapassar
as quatro paredes sem janelas
de onde não verá o dia nem a noite
só o tempo
que não se medirá

hoje falo comigo também
na penúltima esperança de ver o outro lado
a margem esquerda
mas ninguém se importa com o desaparecimento 
da minha frágil e tentativa ponte
entre duas margens das quais uma só conheço
desse rio que seguirá seu caminho

tarde atribuí-me essa tarefa
como quem constrói essa ponte
entre hoje e amanhã
mas não haverá amanhã exceto para muitos
que não se interessarão pelo que escrevi
a ponte incompleta cairá em ruínas
o rio chegará à foz envolvido pelas águas de outros rios
desconhecidos rios frígidas águas
claras ou poluídas
e o caudaloso rio de outras vidas
ocupará o vazio

Rio, fevereiro de 2014.

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