sábado, 29 de junho de 2024

MEMÓRIA

 


memória
seu rastro nos acompanha a vida
não revela a fonte
mas nos confronta o instante
quem a sente é o coração
alegre ou lamentoso
enquanto fugidia a lembrança nos assalta
e como ideia voa
vem e nos toca a alma
enquanto não a atenta a mente
e deixa incerto
o sentimento denso
de um momento
é sonho misto de realidade
que mal revela um tempo
voa em instância própria
tal como sentença de inocência certa
e dela resta o lapso sentido
que nos completa a vida

Rio de Janeiro, 29 de junho de 2024

quinta-feira, 27 de junho de 2024

INDAGAÇÕES

 

o que pensar de outra vida
se esta vida é tão boa

pra que trocar o sol e a lua
pelo desconhecido sem luz

toma-me por vezes a ansiedade da partida
e o conteúdo confuso do que está por fora de mim
mas penetra sorrateiro como quem nada quer
e passo a escovar metáforas em cantos
da minha vida interior
indagações
todas as questões
de extensões humanas e cacoetes verbais
chama por mim o que não conheço
e me pega por dentro
venenosamente
dilatam-se percepções
estremeço e não durmo
mas felizmente assoma o tédio de pensar
e não chegar
a nenhuma conclusão
melhor adormecer
e não pensar nisso ou naquilo
e combinar que sim
serei levado
pela poeira ao desconhecido abstrato

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2024.

terça-feira, 25 de junho de 2024

EU E O MUNDO

 


pouco há entre mim e o mundo

exceto o fato de existir um mundo e nele eu estar

dois conjuntos que não se entendem

pois sou o que viveu a vida sem dar tempo ao tempo

e de tempo que é feito o mundo 


tempo de nascer

tempo de viver

tempo de deixar de ser

nem sei por que volta e meia penso

enquanto me espera a sorte

de morrer quando me espera a morte


eu e o mundo

onde apenas sou enquanto o mundo 

emaranhado de vários eus e muitas coisas

me faz sozinho o resultado sem explicação

de complexidades 

soma de simplicidades


e eu aqui com o passado à porta

de um futuro absurdamente presente


súbita 

a ansiedade emerge

de um tempo 

de vencer o mundo


Rio de Janeiro, 25 de junho de 2024.

CONTRADIÇÃO E SÍNTESE

 


sou eu e outros que em mim convivem

pedaços de mim e de meu pensamento

sem jamais me tomar inteiro

mas 

momentos

não há contradição em muitos ser

o corpo é uno a alma múltipla

capaz uma de amar nem mesmo que uma a odiar

mas 

fora do cotidiano

viver muitos é nada fácil

figuras do presente memória do passado

suposições futuras que atormentam

um claro abismo

entre mim e outros eu

sem pensar nas coisas que são coisas e muitas são

mas

é no emaranhado que na soma não é nada

a conviver ódio e amor

é a vida que me deram

essa a verdade


Rio de Janeiro, 25 de junho de 2024.




sábado, 22 de junho de 2024

SONHO

 


sei que o tempo passou

e o que sei é lembrar tudo que deixei

de viver de amar e sonhar


é breve o tempo

quando se o deixa passar

implacável insiste em ventar

mas viver e amar

será jamais deixar de sonhar


Rio de Janeiro, 21 de junho de 2024



quarta-feira, 5 de junho de 2024

PALAVRAS

 


palavras de repente surgem do nada

de um sonho

da vista do meu mar

do cansaço de procurar

às vezes para não ler

ficção de entendimento que se dedilham

como a querer inventar

uma emoção


os clássicos discutiam mitos

e deles retiravam o eco

das repetições

que não me tocam

nem ilustram frases 

por soar imperfeitos  

ou perfeitamente fora do lugar


tornei-me assim quem escreve sem amor

na perversão da mesma realidade

que a outros inspirou

mas sei amar

o exercício de pensar

e da angústia de ser

encontro as circunstâncias de viver


assim será no encontro derradeiro

da indesejada 

terei palavras

ou impensado passarei

levando comigo minha história

para concluir 

ao libertar-me de mim

que a tudo e a cada coisa amei

bem que quase todos que se deixaram amar


Rio de Janeiro, 5 de junho de 2024.

  



MEU MAR

 


sou o resultado de quem foi e voltou
tal como se não tivesse ido
diante de uma janela por onde vejo o mar
um mar azul
e o horizonte distante
tão regular quanto o que sempre vi
aqui
igual em qualquer lugar
como um sonho de repetição
que me tocou o coração
a cada vez que o vi
e a impressão de nunca sair
do mesmo lugar
medíocre condição de um poeta
para quem o lugar se repete
mas não a emoção
que é sempre saudade
deste mar
aqui
Rio de Janeiro do meu mar em junho de 2024.

terça-feira, 4 de junho de 2024

VIAGEM

 


viajei a vida toda

ir e voltar para algum lugar

nunca o meu

alhures

um certo cansaço

uma certa náusea

a certeza hoje de que nunca fui

sou quem não foi

sou eu diante do mar

que me expõe o horizonte

azul

claro azul de nenhum lugar


Rio de Janeiro, aqui, de onde nunca saí, junho de 2024.